Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

O Atlético não pode mais enganar o Atlético!

30/06/2008


Corria o ano de 1990. Eu “estudava” no primeiro ano do Segundo Grau, no Colégio Paranaense Marista. Botei o estudava entre aspas, pois lá eu fazia de tudo, menos estudar. Eu ia às aulas para olhar a Luciana Patrícia Eickhoff e depois, em casa, escrever versos para (ou sobre) ela, ouvindo Engenheiros do Hawaii. “Uma nuvem encobre o céu. Uma sombra envolve o seu olhar. Você olha ao seu redor, e acha melhor parar de olhar. São olhos iguais aos seus, iguais ao Céu, ao seu redor. São olhos iguais aos seus...”.

Naquela época, as notas eram mensais. Todo santo mês eu tinha de levar o boletim para casa e enfrentar a ira dos pais. Notas desgraçadamente medíocres. Física 2, Química 3, Matemática 4, Biologia 6. A média era 7! No meio dessas notas absurdamente baixas sempre surgiam os dois conceitos relevantes: Português 9; História 9 ou 10! Daí eu me agarrava a essas matérias para tentar me defender.

“Ah, Mãe, todo mundo tirou 2!”; “Física? O Fessor Salsicha é muito ruim! Não tem didática!”; “Ah, Mãe, logaritmo é matéria nova, mas eu melhoro no mês que vem, estou pegando o jeito!”; “Ah, Pai, Genética é pesado demais! Além disso o Fessor Drulla Brandão é coxa-branca e fica me perseguindo!”.

Enfim, eu usava toda sorte de desculpas e ainda contra-atacava: “Mãe, olha só: 9 em Português e 10 em História!”; “Pai, sentiu firmeza? De novo, 10 em História, e olha que a turma tirou uns 5!”. Enfim, usava toda sorte de sofismas para confundir os juízos do meu Pai e da minha Mãe.

E bem que conseguia meu intento, pois era comum vê-los ponderando minha situação: “Ele quer ser Advogado! Pra quê Física? Pra quê Biologia? Pra quê Tabela Periódica? Ele quer ser Professor – de Português ou História – pra quê tanto Logaritmo?”. E nessa toada eu ia levando todo mundo no bico, até que chegou o grande dia em que não pude mais enganar a mim mesmo: eu era um exemplar vagabundo e só me restavam dois caminhos.

Ou assumia de vez minha condição de safado e ia colher os frutos podres de minha vida de vagabundo; ou tomava vergonha na minha cara suja e passava a levar a vida a sério, sob pena de ser mais um largado, sem emprego, sem profissão, sem respeito, sem honorabilidade. Pensei e resolvi assumir meus atos, sem rodeios, sem máscaras, sem desculpas, sem terceirizar a culpa pelas minhas bobagens. Cresci na marra ao assumir o peso dos meus atos, mas cresci!

Chamei meus Pais pra uma conversa, confessei-me burro e inapto para o aprendizado de disciplinas como Física, Química, Matemática e Biologia; disse-lhes das minhas aptidões naturais para a Língua Portuguesa, História e Ciência Política; pedi que admitissem minha mudança pra um colégio mais fraco, só para concluir o Ensino Médio, depois prestaria vestibular para Direito e, segundo meus cálculos, passaria.

Fui tão sincero, olhei nos olhos, disse tanto a verdade que eles, apesar dos pesares, fizeram o trato comigo: entre nós – nunca mais – haveria desculpas. Nunca mais haveria terceirização de responsabilidades, tampouco haveria espaço para mentiras. Aceitaram minhas limitações como aceitaram minha promessa: eu passaria em Direito nem que fosse apenas com base na Língua Portuguesa e na História.

Palavra dada, palavra cumprida: em janeiro de 93 fui aprovado na Faculdade de Direito de Curitiba; em julho de 98, formei-me Bacharel em Direito; em 1999, inscrevi-me na OAB. Entre fevereiro de 2004 e abril de 2007, lecionei Língua Portuguesa em turmas de 5ª Série até o Primeiro Ano do Ensino Médio. Advogado e Professor, conforme havia prometido. Advogado e Professor, dentro dos limites da minha realidade: sem mentiras, nem desculpas. “Somos quem podemos ser”, cantavam os Engenheiros do Hawaii.

Corre – ou se arrasta – o ano de 2008. O Atlético “joga” a Série A do Brasileirão (preciso explicar o porquê de grafar joga entre aspas?) – vamos adiante. O Atlético “joga” a Série A sem alma, de corpo presente, com o espírito voltado à Copa do Mundo de 2014. Nada mais. Dentro de campo, resultados desgraçadamente medíocres, desde 2006: eliminações absurdas na Copa do Brasil, Estaduais perdidos de modo bisonho, Brasileirões jogados para não cair.

No meio dessa derrocada técnica inaceitável – e inacreditável - sempre são evocados dois pontos relevantes: a construção do magnífico patrimônio e o uso desse patrimônio para um evento de alcance mundial – a Copa de 2014 (que anda nos custando os tubos – ou os canais deferentes, pois não há mais saco pra aturar este Atlético tão inoperante e tão inofensivo dentro das quatro linhas).

Quando os resultados negativos se acumulam, irrompem toda sorte de desculpas: “Foi a arbitragem!”; “Foi o azar!”; “Foi o detalhe!”, “Olho-Gordo”; “Faltam Sócios”; “Sócios existem, mas não gritam!”; “É a Timemania que não tem procura”. Será? E daí confundem o Juízo da Galera com notícias estrategicamente publicadas: “Começam as Obras em sua Segunda Fase”; “O terreno recebe melhorias com vistas à conclusão da Arena”; “Chegou o He-Man”; “Filho de Garrincha assistiu ao Clássico nas dependências da Arena”; “Filho de Garrincha é Atleticano”. E nessa toada vão levando a Galera no bico! Até quando?

Precisa chegar o Grande Dia em que o Atlético – ou sua atual Diretoria – tenha a grandeza de se despir diante de sua magnífica Torcida e de prestar contas de seus atos – todos eles, sem nenhuma exceção. Chegou a hora de a atual Diretoria avocar os já sabidos e cantados méritos obtidos dentro e fora de campo, como chegou a hora de avocar sua responsabilidade pelos desastres futebolísticos que vêm sendo experimentados (amargados) desde janeiro de 2006.

Desde janeiro de 2006, o futebol atleticano tem sido uma sucessão de equívocos repetidos à exaustão por Diretores peritos em edificar Estádios e CTs e peritos na montagem de elencos tão fracos que não foram capazes nem sequer de levantar um mísero e desgraçado caneco estadual! Haja paciência! Não dá mais pra agüentar tanta desculpa: o mérito e a culpa pertencem a vocês, pois são vocês que estão no comando das coisas do Atlético!

O Atlético não pode mais continuar enganando o Atlético! A gente quer um Atlético de verdade, seja essa verdade um time forte, seja essa verdade uma Copa no Brasil, seja essa verdade um estádio terminado, seja essa verdade a impossibilidade de se fazer futebol competitivo com as Receitas e o mercado atuais, seja essa verdade o diabo que for.

A gente quer um Atlético de verdade, sem rodeios, sem máscaras, sem desculpas, sem terceirizar a culpa pelos seus atos. A gente quer o Atlético que nos foi prometido, em 1997, com toda a força contida no adjetivo Total que, à época, acompanhava o nosso nome na bonita expressão “Atlético Total”. Ou teria sido apenas publicidade? (“Propaganda é a alma do negócio: no nosso peito bate um alvo muito fácil” – cantam os Engenheiros do Hawaii, mas eu prefiro acreditar que eles estão errados).

Nossos Dirigentes falam e falam. “Eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada!”

P.S.: Já que falei em acabar com a enganação na vida do Atlético, peço que os Colunistas bissextos deste site cedam seus espaços nobres e concorridos a outros Atleticanos mais responsáveis e mais assíduos com sua Paixão. Assuntos não faltam na vida do Atlético, mas é notório que para alguns dos valorosos colegas falta interesse em escrever. Não me parece justo que vocês colham os bônus da posição de colunistas (afinal dá moral ser colunista, dá pra contar pros amigos, dá pra tirar onda no Estádio), sem que para isso suportem os ônus da difícil função. Noto ausências superiores a 2 meses! Assim também não dá!


Este artigo reflete as opiniões do autor, e não dos integrantes do site Furacao.com. O site não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.