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Rafael Lemos
Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.
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Receita pra se fazer futebol
29/05/2008
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Certa vez, perguntaram-me: “Qual é a melhor carne para fazer churrasco?”. Respondi, na mais ampla sinceridade: “Todas!” - e aí houve espanto geral. “Todas?”, perguntaram os espantados; “Todas”, respondeu o mesmo que hoje vos escreve. E de fato, todas as carnes são boas para se fazer um churrasco, desde que o assador – ou o churrasqueiro – não estrague a carne que, por natureza, é sempre boa! Explico.
Pega-se uma boa peça de picanha que - se for mesmo uma boa peça, e se for mesmo picanha - não pesará mais do que 1,2 kg, segundo se ouve dizer. Pois bem, pega-se – ou toma-se nas mãos – uma boa picanha. Ela já é maravilhosa pela própria natureza. Coisa fina. Produto dos mais aplaudidos, dá-lhe, dá-lhe, ô!
Em estando domada a picanha, em não havendo mais resistência por parte dela, daí cabe ao assador não destruí-la a golpes de sal grosso! Nada mais. Ou se desejarem: cabe ao assador botar o sal na medida certa, a brasa bem quente na churrasqueira (eu disse brasa, não disse fogo!), a capa de gordura virada para cima e esperar que o resto o tempo faz. Só. Nada mais, mesmo! Sem invencionice!
Só que na prática, o assador – vivente pouco vivido – resolve inovar e nisso reside todo perigo. O caboclo pega a picanha, besunta a peça com mostarda, depois crava os diamantes de sal grosso como se quisesse encapar a bichinha, daí mete na churrasqueira, deixa a chama atravessar a picanha, como se o churrasco tivesse de virar cremação e a picanha, maravilhosa por obra de Deus, vira uma boa porcaria, por obra do homem, como sói acontecer com boa parte das coisas belas da Criação.
Depois de retirar a obra da churrasqueira, o homem fatia a peça sobre a grossa tábua de madeira, esconde a bobagem que fez em espessa camada de farofa e proclama: “Hum, está uma delícia!”, e todo mundo meio que concorda, afinal de contas o melhor tempero é a fome! Comem a obra como se fosse picanha, mas não comem picanha, pois foram enganados!
E o que disse para a picanha se aplica às outras tantas partes do boi: a costela é perfeita para assar, desde que se saiba como fazer; a alcatra; a fraldinha e até a carne moída é fantástica, desde que vire kafta nas mãos de um turco habilidoso como este que vos escreve (turco, não; sírio!). Aí uma vez me perguntaram se eu sabia fazer Kafka com carne moída!
Respondi, pacientemente, que sabia, e nem falei mais nada, até porque, nas palavras do próprio Kafka: “Talvez haja apenas um pecado capital: a impaciência. Devido à impaciência, fomos expulsos do Paraíso; devido à impaciência, não podemos voltar". Haja paciência!
Certa vez, perguntaram-me “Como é que se faz uma boa caipirinha?”. Respondi: “Limão, açúcar, gelo e cachaça, esta de preferência industrializada e branca, e ponto final!”. Aí houve espanto geral: “Só?!”; ao que respondi: “É. Só. Só e mais nada. O resto é técnica, que também não é nada do outro mundo!”. E expliquei a técnica que é de uma simplicidade franciscana (no caso da caipirinha: francisCANA!).
Pega-se o limão – lavado, naturalmente, por óbvio, esteja claro – daí corta-se o bicho pela metade, mas no sentido “norte-sul” do azedo fruto. Tira-se a haste branca, para evitar o amargor da bebida, deixa-se o limão de lado, depois será cortado um pouco mais, até que se obtenha 4 pedaços.
Pega-se um copo, daqueles mais largos do que altos, tipo copo de uísque (que se escreve assim mesmo, sem “w”, sem “y”, sem “k”, que isso é bobagem), onde se colocarão os pedaços de limão - que serão amassados, mas não massacrados, como fazem alguns.
Extraído o suco, colocamos umas três pedras de gelo, generosas, sobre as quais derramaremos boa colherada de açúcar branco, refinado. Depois, vem a “marvada” pra completar a poção (boa dose da “mardita”, respeitando a capacidade do copo, que não deverá transbordar, pois quem desperdiça o “mé” não é do ramo). Por fim, aquela misturadinha para que todos os ingredientes se encontrem, de forma fraternal, quase num abraço. Pronto: esta é – ou deve ser – a caipirinha dos sonhos de consumo de todos nós. Coisa simples. Coisa fácil. Sem invencionice!
Só que na prática, o barman – bebedor pouco vivido – resolve inovar e nisso reside todo perigo. O caboclo pega o limão, mas despreza-o em honra de um kiwi! O açúcar também acaba defenestrado e em seu lugar entra o – Aberração! Chamem o BOPE – leite moça ou entra o adoçante, outro veneno (deve ser o Apocalipse). O gelo permanece, pois o sujeito ainda não conseguiu adquirir o hidrogênio líquido, mas também é ingrediente com os dias contados. A cachaça cede a vez para a vodka ou para a tequila (pois até isso eu já vi!).
No fim, o barman obtém uma mistura de aspecto duvidoso, de gosto estranho, de textura comprometedora e é possível até mesmo que ele tenha macerado um sapo, mas seguramente não terá feito uma Caipirinha! É muita invenção de moda: Caipiroska, Caipifruit, Caipilight, mas nada disso é Caipirinha! Caipirinha é “Limão, açúcar, gelo e cachaça, esta de preferência industrializada e branca, e ponto final!”.
Certa vez, perguntaram-me: “E futebol? Como é que faz?” – ao que respondi: “Primeiro, você pega os jogadores que, aliás, só existem de dois tipos: os bons de bola e os pernas-de-pau. Naturalmente, você fica apenas com os bons de bola, desprezando – peremptoriamente – os pernas-de-pau”.
Perguntaram-me: “Mas jogadores bons de bola custam caro. Como é que a gente faz?”. Respondi: “Meus filhos, jogador bom de bola nunca custa caro. O que custa caro é jogador perna-de-pau. Jogador bom de bola você compra e depois vende com margem de lucro estratosférica. Jogador bom de bola leva a torcida pra dentro do estádio, seja como sócio, seja como torcedor de ocasião. Jogador bom de bola é coisa que vale quanto pesa. Jogador bom de bola dá lucro, dá mídia, “marquetingue”, dá taça, estrela e dá alegria!
É o perna-de-pau que faz você perder aos montes. Com o perna-de-pau você perde até campeonato de botão, é o perna-de-pau que deixa você sem calendário, que fica encalhado no estoque e que depois você não vende, não dá, não empresta, não desova, pois o perna-de-pau é coisa que não serve pra nada. Perna-de-pau é coisa que custa caro demais, sempre”. Foi isso que eu disse.
Daí veio a grande pergunta: “Mas como diferenciar o bom jogador do perna-de-pau?”. Respondi: “Amigos, aí é preciso ter experiência, ter vivência e é preciso ser simples, sem querer inventar a roda e sem querer inventar moda!”.
No futebol – como no churrasco e na caipirinha – é preciso conhecer os ingredientes, pra saber que limão não é kiwi; pra saber que açúcar não é o mesmo que adoçante; pra saber que a carne a gente assa na brasa, mas nunca no fogo! No futebol é preciso simplicidade e lógica, mas é dispensável toda invencionice. Dá quase pra escrever uma receita:
1. Você pega um CT e bota a piazada – vinda dos quatro cantos do Mundo, mas de preferência aqui mesmo do Brasil - pra jogar, sob os olhos experientes de gente que conhece o futebol, como o Bocão. De cada duas centenas de guris peneirados, sairão quatro bons jogadores, sendo um craque (e olha que o custo não é assim tão inacessível, principalmente para um Clube do porte do nosso Atlético);
2. Você pega gente que conhece o futebol e espalha - pelos quatro cantos do Mundo, mas de preferência aqui mesmo no Brasil – para espiar a gurizada que ocupada, diariamente, praças, parques, campos, ruas, quintais, escolas e CTs deste País. De cada duas centenas de guris espiados, sairão quatro bons jogadores, sendo um craque (e olha que o custo não é assim tão inacessível, principalmente para um Clube do porte do nosso Atlético);
3. Você contrata três bons jogadores, mesmo que a peso de ouro, pra incendiar a massa e fazê-la aderir aos Planos de Sócios, e fazê-la comprar ingressos avulsos, e camisas, e chaveiros, e bonés, e canecas, e toalhas, e lençóis, e tudo aquilo que possa virar dinheiro, pra depois virar time, pra depois virar História! “Meus filhos, jogador bom de bola nunca custa caro. O que custa caro é jogador perna-de-pau”;
4. Você aprende que futebol é coisa simples e que não admite invencionices, sob pena de a gente ter tudo, menos um time de futebol.
P.S.: Hoje, mando meu forte abraço para os irmãos Rubro-Negros: Fabiano Jacinto Correia, 32 anos de amor ao Atlético, e Fernando Jacinto Correia, 18 anos de vida e de Atlético, pois Atleticano que se preze já nasce Atleticano!
Por fim, mando aqui meu abração para o garoto João Vítor Fuin que, com seus 4 anos de idade, já representa o nosso Atlético na bela Cornélio Procópio-PR! Dá-lhe, Garoto!
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