Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Rir é o melhor remédio

07/05/2008


Não me canso de agradecer ao Rogério Andrade o convite que me fez, no já distante abril de 2007, de vir integrar o time de Colunistas deste site. Ao chegar, deixei claro meu interesse de “ter um milhão de amigos”, ao melhor estilo Rei Roberto Carlos.

O tempo passou e, para minha satisfação, esses amigos todos vieram ao meu encontro, deixando-me imensamente feliz ao receber (e responder a) cada um dos e-mails endereçados por eles. (“Aos queridos amigos-leitores, gratidão: esta palavra-tudo!” - Drummond).

E por ter recebido deles tantas alegrias ao longo desses 13 meses de Furacao.com é que venho, hoje, publicar uma coluninha que – fugindo, excepcionalmente, do tema Atlético Paranaense, motivo maior da existência do nosso site e de nossas vidas – tem por escopo botar um belo sorrisão no rosto daqueles amigos-leitores que ainda estão tristes por conta da perda do título, no último domingo.

Aos que ainda choram, cito Jean-Jacques Rousseau: “Não há nada que mais estreite dois corações do que haverem chorado juntos”. Amigos, choramos juntos, por isso é que nossos corações estão mais próximos. Amigos, juntos ainda vamos dar muitas risadas (aliás, domingo já está próximo e Alex Mineiro também se aproxima! Amigos, ainda vamos dar muitas risadas!).

Sendo assim - e aceitando as sugestões dos amigos-leitores: Gláucio Geara, Guilherme Oro, Olívio Batista, Valério Hoerner Júnior, Ana Paula Arósio, Ana Hickmann e Gisele Bündchen que, em seus e-mails, pedem-me para postar, de vez em quando, textos com “tema-livre” – segue um textinho originalmente intitulado “Endureceram e perderam a Ternura” pra despertar o riso e devolver a alegria que não nos pode faltar...

Faltavam quinze dias para a dona Jussara se aposentar quando ocorreu o imponderável. Seus colegas de Ministério da Fazenda, diante da aproximação da despedida, resolveram se reunir na sala vinte e um, popularmente conhecida como fumódromo, para deliberarem acerca das homenagens a serem prestadas a dona Jussara.

Estando os colegas reunidos na aludida sala vinte e um, tomou a palavra o Jorge, que propôs a compra de duas dúzias de rosas vermelhas que seriam acompanhadas de uma placa alusiva à aposentadoria.

Foi unânime o acolhimento da idéia do Jorge e, agora, os presentes passavam a discutir qual mensagem deveria ser gravada na placa da dona Jussara.

Dona Mirinha, a mais eficiente carimbadora da história do Ministério da Fazenda e melhor amiga da homenageada, sugeriu que se gravasse na placa parte da letra da Canção da América, do Milton Nascimento, o que não seria nada mal.

Ocorre que a idéia da Mirinha foi objetada pela Rita de Cássia, redatora oficial do Ministério e a maior chata do Fisco brasileiro. A Rita de Cássia sentenciou, com seu eterno tom professoral:

- Onde se viu, Mirinha, colocar essa letra na placa da Jussara! É claro que não dá, é óbvio que não pode, dá problema de gramática, ofende o léxico, é uma afronta à sintaxe!

Dona Mirinha, que só usava a Gramática para calçar um dos pés de sua mesa, tentou defender-se:

- Ué, não pode por causa de quê? Lá vem você com essa coisa de gramática, Rita! Você é muito apegada a esses detalhezinhos, essas regrinhas, eu não posso com você não! Meu Deus do céu, Rita, será que você vai empatar a nossa homenagem?

- Mas, Mirinha, não é escorreito dizermos que a dona Jussara é “amigo”! Como nós vamos escrever “amigo é coisa para se guardar”, se ela é amiga? Não pode, Mirinha! É problema metafórico, é muito complexo, não dá, é catacrese, isso se não for coisa pior, isso se não for hipérbato. Não pode, não posso aceitar.

Estava, definitivamente, instalado o caos!

Foi neste momento, em que os ânimos se acirraram e as duas já ameaçavam trocar sopapos e outras indelicadezas, que surgiu a palavra conciliadora do Alfredo, conhecido no Ministério como o “Roberto Carlos do Imposto de Renda”. Num aparte, ele disse ao Jorge:

- Ô Jorge, coloca aí na placa o seguinte: “Para a querida dona Jussara, amiga certa das horas incertas, colega fiel dos tempos de luta, o respeito dos que ficam aqui na Fazenda, com tantas emoções sentindo. Assinado, seus amigos do Ministério da Fazenda”.

Não obstante o grande valor poético, a frase do Alfredo não agradou muito os presentes e o espírito de conciliação logo iria ruir, pois a dona Mirinha, ainda emburrada, colocou-se contra as palavras do Alfredo:

- Eu não gostei, está grande demais esse texto e a placa vai ficar muito cara. Prefiro a Canção da América, toda vida, toda vida! Esse negócio de Roberto Carlos, sei não, eu não acho bonito não!

O Alfredo, autor da célebre frase, quis discutir com a dona Mirinha, porém foi contido pelo Jorge, que tentava a todo custo recobrar a ordem dentro do fumódromo. Infelizmente, ali ninguém mais se entenderia e o pior é que a missão de achar uma frase para a placa da dona Jussara ainda não tinha sido cumprida.

Como os quatro colegas não tinham conseguido chegar a um consenso, decidiram repassar o problema da escolha da frase para os outros companheiros de Ministério. E o desesperador é que o tempo era curto, estava passando rápido demais e nada de a frase aparecer.

O seu Rubens, porteiro do Ministério, chegou a sentenciar, em mais uma de suas memoráveis frases que “o problema eram dois”. Um problema era achar a frase, outro, achar uma frase curta, pois cada letra da placa custaria dois reais e os funcionários tinham a inspiração e o dinheiro curtos por demais e intimamente ligados pelo elo da escassez.

Mesmo com a adesão de todos os funcionários, a busca pela frase permanecia incessante e infrutífera e, agora, faltavam apenas três dias para a aposentadoria da dona Jussara. Impotentes, os servidores da Fazenda resolveram procurar o Ministro, afinal, um ministro deveria ter uma frase brilhante, no bolso do colete, para uma ocasião como aquela.

Reunidos, os colegas da dona Jussara adentraram o gabinete ministerial, expuseram a questão ao ministro e ficaram aguardando a frase mágica que poria fim àquela busca angustiante.

Frente ao desafio, o ministro pensou, abriu uma gaveta, pensou de novo, apanhou uma bela caneta, coçou a barba, olhou para cima, rabiscou um papel e, finalmente, leu em voz alta o que tinha acabado de escrever; era essa a frase:

- A dona Jussara, uma inflação de alegrias!

Todos os presentes fingiram gostar da frase, mas, ao final da segunda leitura, nem mesmo o ministro admitiu que ela fosse gravada na placa; e o impasse angustiante continuava.

Vendo a expressão desesperada de seus servidores, o ministro avocou a responsabilidade pela elaboração da frase e resolveu ligar ao Presidente da República. Ao telefone, o ministro mal podia disfarçar seu nervosismo e, logo que o Presidente atendeu, o ministro gaguejou:

- Pre-pre-presidente, estamos com um grave problema aqui na Fazenda!

O presidente, irritadíssimo, vociferou:

- O que é dessa vez? O que aconteceu? O M.S.T. invadiu minha fazenda de novo?

- Não, não, Senhor Presidente. Refiro-me ao Ministério da Fazenda, e não à sua fazenda, que é linda, por sinal; disse o ministro enquanto enxugava o abundante suor que lhe escorria pela testa.

- O que é que está acontecendo, então?

- É que a dona Jussara está causando um certo transtorno aqui no Ministério da Fazenda nesses últimos quinze dias. É que ela está prestes a sair, o Senhor entende, não é mesmo?

- O quê? Causando problemas para sair? Já sei, a dona Jussara deve ser uma insubordinada, deve estar insatisfeita com a reforma da previdência, deve ser uma líder insidiosa, eu conheço esse tipo de gente, mas insubordinação eu não admito e não admitirei!


- É que, ouça, Senhor Presidente, a dona Jussara não comandou nenhum agito aqui na Fazenda, ela só é o, como direi, ela só é o pivô!

- Sim, agora entendi tudo! Ela é a liderança sub-reptícia, que mina as estruturas do governo, que corrói as bases sólidas da Democracia, que atenta contra os alicerces da liberdade, que promove a insubordinação, e eu já disse, insubordinação eu não aceito, e não aceitarei! Ministro, exonere a dona Jussara! E passar bem!

- Sim, Senhor; sim, Senhor!

E assim, aconteceu o imponderável: faltavam dois dias para a dona Jussara se aposentar quando ela foi exonerada, a bem do serviço público.

No outro dia, na portaria do Ministério da Fazenda, o seu Rubens, porteiro e filósofo, ao tratar da exoneração da dona Jussara, dizia para os que por ali passavam:

- O Homem ordenou, e “ordens é ordens!” - criando mais uma de suas memoráveis frases de efeito.

P.S.: ¹ Edith, minha lindona, eu recebo os e-mails da Ana Paula Arósio, da Ana Hickmann e da Gisele Bündchen mas sempre respondo "Valeu! Abraços. Rafael". Nada mais. Juro!

P.S.: ² A historinha da dona Jussara é piada, é ficção, assim como são piadas e ficções: o Airton Cordeiro, a interdição da Arena para o Paranaense 2009, a Transamérica e suas transmissões, o Caio Júnior "técnico" do Flamengo, etc., etc., etc.


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