Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Até coxa-branca duvida do coxa!

22/04/2008


Domingo, 20 de Abril de 2008, 19 horas, Atlético devidamente classificado para a final do Paranaense. Estava eu, feliz da vida, na casa da minha patroa, Edith Aragão, quando resolvi entrar no msn para bater um papo com os amigos. Ao entrar no tal msn, deparei-me com meu querido irmão, Flávio Fonseca Lemos, e com algumas frasezinhas provocativas que ele resolvera consignar no citado – e famigerado – meio de comunicação. Antes das frases provocativas, breve digressão sobre o Autor das pérolas.

Meu irmão, Flávio, Mestre brilhante da Matemática, infelizmente, é coxa-branca, conforme já expus aqui mesmo neste espaço. Grande tragédia, sem dúvida, mas, afinal de contas, qual é a Família, hoje, que não tem lá seus dramas? O Flávio é – tristeza profunda – coxa-branca.

Nunca soubemos ao certo qual foi o erro cometido por nós na criação do Flávio, mas o fato é que o guri, lamentavelmente, tornou-se coxa! Não sabemos os porquês. Fome? Susto? Falta de tapas na primeira infância? Vermes? Choque elétrico? Ingestão acidental de cocô? Ausência de neurônios? Tudo são hipóteses, nunca soubemos os motivos determinantes da dolorosa tragédia.

Feitos os esclarecimentos, adiante reproduzo, in verbis, as gracinhas de autoria do meu irmão em seu msn, na última noite de domingo:

“Coxa - Campeão Paranaense 2008, no meio-estádio” e “É ou não é? Keirrison é melhor do que o Pelé!”.

Após ler as frases, imediatamente, interpelei meu irmão a respeito das frases e ele me disse que era aquilo mesmo: o coxa paparia o título em cima do Atlético, dentro da Arena, e o Keirrison seria mesmo melhor do que o Pelé, o Rei do Futebol!

Dando-lhe segunda chance de se arrepender das bobagens que havia escrito, o Flávio não se arrependeu. Sendo assim, declarei-lhe guerra e, já tomado pelo espírito dos Atletibas decisivos, prometi lançar, publicamente, minha contra-ofensiva, em forma de texto.

Por isso, eis aqui, querido Flávio e demais amigos leitores, a prometida contra-ofensiva (e virão mais textos até o próximo dia 04 de maio de 2008, data em que o Furacão levantará o caneco de Campeão Paranaense sobre o arquifreguês, o atabalhoado time verde). Eis aqui a contundente narrativa do dia em que um coxa-branca, duvidando do seu próprio time, cravou Atlético Paranaense, seco, no jogo 6 da Loteria Esportiva do Brasil. Preparem-se para a contundência da história que segue...

Há uns três anos, a MasterCard lançou uma publicidade cujo slogan era “Existem coisas que o dinheiro não compra, para todas as outras existe MasterCard” e, para ilustrar a campanha, as peças publicitárias nos apresentavam situações maravilhosas e que não podiam ser compradas com (e pelo) dinheiro.

Confesso que não me lembro muito bem das situações, mas eram coisas como o primeiro beijo, andar de mãos dadas pela praia, ver o filho com sua primeira bicicleta, enfim, coisas cheias de felicidade e que passavam longe do dinheiro, pelo menos num primeiro momento (depois a publicidade se encarregava de mostrar que, aos prazeres gratuitos, deveriam ser agregadas umas outras tantas alegrias materiais, daquelas que se podem comprar num simples passar de cartão de crédito).

E aí os filmetes nos mostravam que o primeiro beijo era bom, mas acompanhado de flores para ela, seria ainda melhor (e lá ia o pateta do namorado adquirir um belo ramalhete). Mostravam que andar pela praia de mãos dadas era bom, mas que uma água de coco para a amada era o mínimo que se poderia fazer para aumentar a satisfação (e mais um pateta estendia o cartão ao vendedor de coco para satisfazer a vontade da namorada que, mesmo tendo nascido bem longe da Bahia, tinha uma sede de coco só vista no corpo de uma Gal Costa, de uma Dona Canô e de baianas da mesma estirpe).

Trocando em miúdos: a propaganda queria mesmo dizer que muitas coisas gratuitas são lindas, boas, maravilhosas, mas o interessante da vida mesmo é comprar, adquirir, gastar, consumir, sob pena de os grandes prazeres gratuitos não serem assim tão grandes, tampouco prazerosos. Típica ternura Capitalista: sob o manto da inocência, a faca aguda do consumismo desenfreado, desarrazoado e vão.

Mas o leitor deve estar se perguntando: tá, mas aonde o Rafael quer chegar? Respondo: eu quero chegar mesmo é na cama da Ana Hickmann, mas a história do cartão tem a ver com uma cena fantástica que me aconteceu na semana passada e que, além de mim, envolve a figura maravilhosa do meu irmão, Professor Flávio Fonseca Lemos, Mestre da Matemática e – como ninguém é perfeito – coxa-branca, dos mais exaltados.

Pois tentem visualizar a cena. O Flávio – gentilmente – passou na Secretaria de Estado da Saúde para me dar uma carona. No caminho, deparamo-nos com uma casa lotérica e ele me interpelou:

- Rafael, você não joga mais na Loteria Esportiva, né?
- Não, faz muitos anos que não jogo. Quando muito, jogo na Mega, e só.
- Pô, você devia voltar a jogar, lembra que uma vez você fez os 13 pontos?

De fato, em dezembro de 1987, quando estava eu com 12 anos, fiz os 13 pontos na Loteria Esportiva, mas o prêmio foi uma total decepção. Em valores de hoje era coisa de setecentos reais, nada mais. Talvez por isso mesmo eu tenha parado de apostar na Loteca, preferindo jogos como a Loto e Sena (depois virou Mega-Sena).

Porém a lembrança do Flávio nos fez parar numa casa de apostas e procurar pelo teste da Loteria Esportiva da semana. Pegamos uns papéis que continham os jogos, pegamos uns volantes (papéis onde se pintam os quadradinhos da aposta, tipo cartão de vestibular) e fomos para casa.

Lá, cada um pegou uma caneta, um volante de apostas e passamos a preencher os cartões, sempre conversando sobre os jogos.

- Ô, Flávio, que é que você acha que vai dar São Paulo e Corinthians?
- Ah, sei lá! Vou cravar São Paulo, seco!
- Putz, pro São Paulo eu não torço nem na Loteria Esportiva, vou de empate!
- Rafael, não seja burro: o São Paulo passa fácil pelo Corinthians. Vai de São Paulo, vai de São Paulo...

Fui. Aceitando a sugestão do Flávio, fui de São Paulo. Com ódio, mas fui.

- Rafael, entre Cruzeiro e Galo? Que é que dá?

Claro que eu sabia que o Galo era o Atlético de Minas – o falsificado - mas só pra sacanear, perguntei:

- Depende! É o ADAP/Galo, aquele que meteu 4 em vocês?
- Porra, Rafael, é o de Minas! Não esculacha, ó o respeito, pô!
- Ah, então dá Cruzeiro. Pode marcar seco: Cruzeiro na Coluna 1 e ponto final!

E a coisa foi indo assim, a cada jogo uma conversa e uma cravada. Até que chegou – que delícia – o jogo 6: Clube Atlético Paranaense versus Coritiba. Aqui, senhores, aconteceu o que para mim era impensável, intangível, imponderável, como a seguir veremos.

- E aí, Flávio, vai de quê no jogo 6? Atlético, empate ou coxa? – e perguntei isso com uma maldade que Deus que me perdoe.

O Flávio fez que não me ouviu e partiu para o jogo 7. Repeti a pergunta, e ele nada. Passou para o jogo 8, depois 9 e fez assim até o jogo 14. Eu já tinha preenchido o meu cartão inteiro – cravando Atlético Paranaense no jogo 6 – e o Flávio lá, naquela dúvida, com aquela cara de “onde é que eu fui me meter”, com aquela expressão de “fodeu tudo”. De repente, ele falou:

- Vai ser na Arena, né?
- Vai!
- O coxa tá com um time muito jovem, meio desentrosado, não acha?
- Acho. Acho que o time do coxa tá uma merda e já acho isso desde 1982. Por isso torço pelo Atlético!
- O Alex Mineiro vai jogar?
- Opa! Confirmadão!
- Ah, aquele cara tem muita sorte. Uma vez fez oito gols em quatro jogos e ganhou o brasileiro sozinho!
- Sorte, não, tem estrela, tem competência, coisa comum a nós, atleticanos!
- É, mas a gente tem o Pedro Ken!
- Quem?
- Isso: Ken. Pedro Ken!
- Quem?
- Porra, Rafael, deixa pra lá. Você tá ficando chato! Ken é craque!
- No coxa, quem é craque? Ken é craque? Só se for no coxa!
- Tá bom, Rafael! Mas me ajuda a terminar este cartão. Só falta um palpite. Só falta o Atletiba!!!
- Marca aí vitória do coxa – disse isso por pura provocação, frise-se.
- Você tá maluco?????? Vitória do coxa na Arena é coisa que não acontece desde abril de 2001. Não vou me deixar levar pelo coração!
- Então marca empate!
- Empate? Hum... empate parece provável, mas será? O time é muito jovem, sei não. E vocês têm aquele Alex Mineiro que quando resolve jogar complica tudo. Marco empate, Rafael?
- Marca!

E dito isso, veio a minha cutucada final, só pra maltratar o pobre coraçãozinho do meu irmão:

- Flávio, marca Atlético, seco, na coluna 1! Marca Atlético, bem pintadinho, aí no seu cartão, com tinta azul ou preta como recomenda a Caixa Econômica Federal!

Ele hesitou, olhou para cima, respirou fundo, pegou a caneta, olhou bem pra minha cara e disse:
- Tá bom, Rafael, eu vou marcar Atlético na coluna 1. Eu vou marcar Atlético! Eu vou marcar Atlético!!! Mas isso que você está fazendo não se faz com um irmão, não se faz!

E aí o Flávio saiu vermelho de raiva, rumo à Casa Lotérica, levando no bolso o cartão da discórdia, devidamente preenchido. E a tinta azul marcava forte a coluna 1, coluna do Atlético, no esperado Atletiba do jogo 6. O Flávio saiu vermelho de raiva por ter sido obrigado a reconhecer que o Atlético é superior ao coxa e que hoje nem mesmo os coxas botam fé no time verde. O Flávio saiu vermelho de raiva talvez sem saber que – para mim – ele é um dos maiores presentes que recebi das mãos generosas do Criador.

Existem coisas que o dinheiro não compra: ver um coxa apostando na vitória do Atlético, num Atletiba, é uma delas. Existem coisas que o dinheiro não compra: minha amizade pelo Flávio é uma delas, talvez a maior de todas as coisas, ao lado do amor que tenho pela memória do meu avô, do meu amor pela minha mãezinha, pela Família em geral, pelo Atlético Paranaense, pela vida e por Deus que, mesmo eu não merecendo, deu-me tantas bênçãos e tantas alegrias.

Como diria (ou cantaria) o Roberto Carlos:

“Por mais que eu sofra/Obrigado, Senhor
Mesmo que eu chore/Obrigado, Senhor
Por eu saber/Que tudo isso me mostra
O caminho que leva a Você”.

P.S.: ¹ Texto publicado originalmente no site www.rubronegro.net, em 15/02/2007;
P.S.: ² Edith, aquela história de chegar à cama da Ana Hickmann é coisa do passado, Bem! Hoje, eu só quero duas coisas: você e ser Campeão Paranaense 2008! Mais nada! Mais nada!
P.S.: ³ Que a Paz, o bom humor e o bom futebol reinem nesta decisão do Paranaense-2008! Haja coração...


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