Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Do Atlético nunca vou me arrepender

18/03/2008


Como faço todas as manhãs, passei hoje na loja de conveniências do posto aqui perto de casa para comprar o meu cigarrinho. Feita a compra, cumpri o ritual diário de abrir a carteira de cigarros e de dentro dela sacar o primeirinho do dia, aquele que nos rende as melhores baforadas que existem.

Pois bem, enquanto tirava o plástico da embalagem, parei para reparar o verso e nele estava escrito: “O Ministério da Saúde adverte que fumar causa câncer de pulmão” e logo abaixo da mensagem vinha uma horrenda figura de pulmões aniquilados pelo câncer. Coisas horríveis: a foto e o hábito de fumar.

Aliás, se eu pudesse voltar o tempo para consertar algum arrependimento, voltaria àqueles dias de 1992 quando aprendi a fumar por influência dos meus amigos do Colégio Camões (e tudo para chamar a atenção das meninas!), mas elas nem davam bola pra gente e o que sobrou mesmo foi o vício do cigarro a nos corroer todos os tecidos, boca adentro, até o pulmão, ou mais.

De fumar eu me arrependo; no mais, não me arrependo de nada do que fiz: penso que faria tudo exatamente igual, até porque foram os erros e os acertos que me trouxeram até aqui. Aliás, em última análise, são os erros e os acertos que fazem a gente melhorar, crescer, ficar mais forte, mais vivo e mais apto.

Mas falei da tal publicidade do Ministério da Saúde, impressa nos maços de cigarros, para chegar à idéia de que nos ingressos de futebol também deveria haver uma advertência expressa, do tipo: “Torcer por um time de futebol causa prazeres enormes, mas causa também desgostos, dissabores, raivas, crises de choro, vontade de matar, de morrer, e - além disso – causa dores, das grandes, dessas que levam muito tempo pra passar, ou daquelas que não passam nunca”.

Isso é que deveria vir escrito nos ingressos, para que todos, desde a tenra idade, aprendessem que o futebol causa dor, e que é preciso estar preparado para ela, ou então optar por não torcer por time algum, como fazem os mais delicados, os que fogem do sofrimento, os que não querem se ferir.

O fato é que, ultimamente, eu tenho visto entre nós atleticanos alguns comportamentos que não me agradam e que, a meu ver, não contribuem em nada para a grandeza do Atlético. Vejam só. Logo de manhã, acesso os sites que falam das coisas do Atlético a fim de recolher informações, saber das notícias e ler o que outros atleticanos andam escrevendo sobre o nosso Furacão, e o que eu vejo? Só lamentações, críticas, pessimismos e toda sorte de opiniões destrutivas que se pode imaginar.

Esteja claro que, em nome da Democracia e da pluralidade de idéias, respeito todas as opiniões, mas esse negativismo crônico que nos tem inspirado a escrever e a falar sobre o Atlético precisa ser revisto, temperado, arrefecido, sob pena de retirarmos o brilho do muito que já foi feito nos últimos 12 anos de história e até mesmo de atrofiarmos nossa história num futuro próximo.

Para provar o que digo, vou citar alguns títulos de colunas, bem escritas e arrazoadas por sinal, publicadas recentemente nos sites que se dedicam ao Atlético, e que trazem consigo toda carga negativista a que anteriormente aludi.

Eis os títulos dessas colunas: “Fim de um Furacão”, “O começo do Fim”, “Onde está o meu Furacão?”, “Time C”, e por aí se estende uma longa lista de colunas que retratam o Atlético como um clube à beira do abismo. Embora respeite, como disse, os textos e seus autores, não vejo as coisas dessa forma, tampouco me convenço de que estejamos perto do fim, como é sugerido por alguns escritores-torcedores.

Penso que, na verdade, tornamo-nos exigentes demais com o Atlético, com sua Diretoria, com seus atletas, etc. Nós, que por tantos anos amargamos filas intermináveis atrás de um mísero título paranaense, agora exigimos títulos – inclusive os nacionais e internacionais – com a naturalidade de quem pede um beijo pra esposa antes de sair de casa para trabalhar.

Esses últimos 12 anos nos tornaram muito mal acostumados e passamos a reclamar de tudo e de todos, num fenômeno assemelhado ao que já ocorreu com as torcidas do São Paulo, Grêmio, Vasco da Gama, após terem provado períodos de grandes conquistas dentro e fora do país.

Hoje, queremos ganhar tudo, queremos vencer todos, não queremos sofrer. Queremos um time de sonhos e queremos que esse sonho seja eterno, mas nos esquecemos que até os times de sonho, como Santos e Botafogo lá dos anos 60, perdiam. Esquecemo-nos que até os times de sonho chegavam ao fim, para que tudo pudesse recomeçar. E é no recomeçar que está um dos grandes baratos que alguns ainda não perceberam.

É claro que é gostoso ganhar, ser campeão, passar por cima dos adversários como um rolo compressor, mas tão gostoso quanto isso é recomeçar, ir juntando aqui e ali um jogador, trazer outros tantos da base, botar todo mundo junto, selecionar daqui e dali, observar, dar padrão a uma equipe e vê-la triunfar. Só que para isso é preciso paciência, artigo que nós, atleticanos, já não temos pra dar, pois só queremos sentir o prazer das vitórias, porém nos esquecemos que o futebol causa dor, é assim na maior parte do tempo e assim será sempre.

E pelo fato de termos nos tornado uns impacientes, surgem, a todo momento, comportamentos hostis dentro de nossas próprias fileiras. Assim, se a gente defende um pouquinho o Petraglia, chamam-nos de petraglistas, termo pejorativo criado para designar aqueles que filiam seus pensamentos às ideologias do Mário Celso Petraglia. E aí tome pau nos petraglistas.

Se o sujeito compra um ingresso na Getúlio Vargas superior é playboy e, teoricamente, menos atleticano do que aqueles que sentam no setor curva-inferior. Pura babaquice, pensamentos que fragilizam, dividem e promovem o enfraquecimento do Atlético. Coisas a serem evitadas e eliminadas, de preferência.

É preciso que assumamos nossa paixão pelo Atlético em tempo integral e não somente quando o time estiver dando prazer. É preciso que resistamos à tentação da vaia, da crítica gratuita e do pessimismo. Não que devamos dizer amém a tudo o que nos acontece, todavia enxergar tudo com olhos de desesperança chega a ser um rematado absurdo, se antes não for explícita má vontade com aqueles que, bem ou mal, estão levando adiante as coisas Rubro-Negras.

Comecei a torcer pelo Atlético em 1982. Neste ano, faz 25 anos que eu decidi torcer pelo Furacão. Em 1982, estávamos numa fila de 12 anos, correndo atrás de um mísero estadual, mas a gente não queria nem saber: respirávamos Atlético, nos alimentávamos de Atlético, dormíamos Atlético, acordávamos Atlético, sonhávamos Atlético e vai ver que foi por isso mesmo que aquele time entrou pra nossa história como uma equipe de sonhos.

Quando eu fui me dar conta, já era Atlético da cabeça aos pés, já era Atlético de corpo e alma. Quando eu me apaixonei pelo Atlético, prometi ir com ele aonde quer que ele fosse, e eu tinha olhos cegos de tanto amor, e eu não tinha medo de sofrer por esse amor.

Hoje, quando alguém me pergunta se eu sei pra onde o Atlético está indo, respondo: “Não sei, mas estou indo com ele, pois foi essa a promessa que fiz há muito tempo, num tempo em que éramos mais atleticanos, num tempo em que éramos mais apaixonados”.

E essa é a minha verdade: irei com o Atlético pra onde - e por onde - ele for, mesmo sabendo que o sofrimento é sempre maior que a alegria; mesmo sabendo que o futebol causa dor, muita dor.

Mas e você, my brother, virá comigo, ou ficará aí parado, calado, achando que tudo está perdido? Por onde anda aquele atleticano que havia dentro de você e que trazia a certeza da vitória nos olhos e a esperança guardada na garganta?

Atleticano, por onde anda você? Atleticano, você ainda existe? Ou você é mera imaginação deste menino que em 1982 se apaixonou pelo Atlético e que prometeu ir com o Atlético aonde quer que o Atlético fosse, com olhos cegos de tanto amor, sem ter medo de sofrer por esse amor, e ainda sem saber que torcer por um time de futebol iria lhe causar prazeres enormes, mas lhe causaria – também - desgostos, dissabores, raivas, crises de choro, vontade de matar, de morrer, e - além disso – dores, das grandes, que levariam muito tempo pra passar, que não passariam nunca, mas que para ele seriam a grande razão de existir.

P.S.: ¹Esta coluna foi publicada, originalmente, em 25/01/07, no site www.rubronegronet.com.br, página onde colaborei por 14 meses e que pertencia ao meu amigo Franco, a quem mando afetuoso abraço.

P.S.: ²De lá para cá, muita coisa mudou, e muita coisa ficou inalterada (dirão os pessimistas: e muita coisa piorou). Eu, por exemplo, abandonei o cigarro, já faz 10 meses, pois vício é assim mesmo: a gente abandona, com maior ou menor esforço, e depois nem sente falta. Agora, abandonar o amor e abandonar o Atlético – ou arrefecer a paixão – são coisas que não podemos admitir! Amor não é vício: é virtude; e quem ama – de verdade - não abandona jamais!

P.S.: ³Dentro de campo, as coisas andam mal, eu sei, não sou nenhum inocente, mas certamente vão melhorar. As coisas vão começar a melhorar já no próximo domingo, contra o Iraty e mesmo que eu esteja enganado, mesmo que eu quebre a cara de novo, não faz mal. Nasci atleticano e não tive – nem quero ter – outra opção. Quando nasci, um anjo torto, desses que vivem na sombra, me disse: “Vai, Rafael, ser na vida Furacão!” – e eu fui, apesar das dores que levariam muito tempo pra passar, que não passariam nunca, mas que nunca me afastaram do Atlético, uma das maiores razões do meu existir.

DEDICO ESTA COLUNA A TODOS QUE VÊEM NO ATLÉTICO A SUA PRÓPRIA VIDA, E NÃO UM VÍCIO!


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