Fernanda Romagnoli

Fernanda Romagnoli, 51 anos, é atleticana de coração, casada com um atleticano e mãe de dois atleticanos. Foi colunista da Furacao.com entre 2005 e 2009.

 

 

Reflexões sobre uma queda anunciada

08/03/2008


No fundo todo mundo já sabia, mas ninguém, nenhum atleticano em meio à festa de quebra de recorde e a boa campanha no Paranaense, queria encarar os fatos. Só que inegável o que se mostra: o Atlético está, novamente, nos causando desconfiança e nos deixando assustados.

É inegável aquilo que não queríamos ver, embora soubéssemos, que o Campeonato Paranaense não era parâmetro para uma competição como a Copa do Brasil ou o Brasileirão. Era lógico que o Paranaense não seria difícil para nós sendo que os outros times estavam em início de entrosamento e nós, havíamos mantido nossa boa base do ano anterior. A diferença era gritante, mas foi diminuindo ao longo do tempo. Ninguém avisou aos jogadores que o recreio tinha acabado e eles então foram para outra competição achando que ganhariam a hora que quisessem.

Falo da Copa do Brasil como um caminho para a Libertadores, cuja grandiosidade é esquecida quando me recordo do time que nos desclassificou na noite de 6 março. Em minha opinião é um time fraco, que veio aqui para nos parar com faltas e jogar no contra-ataque. Foi exatamente o que fizeram e conseguiram. Jogaram contra um bando de zumbis, que se portaram tal qual um time de guris mijados. Aqueles que nem se mexem com medo que percebam que estão fazendo bobagem. Parecia que o Vadão estava no banco, e no campo, um time do Antonio Lopes.

A questão vai além de não termos substitutos a altura de dois dos grandes representantes da alma atleticana. O que incomoda e inflama é o comportamento do time toda vez que tem uma grande competição ou toda vez que o “desmanche necessário” começa. Daí fica muito fácil para a apaixonada torcida ficar indignada e para que as aves de rapina espalhadas nas arquibancadas e na imprensa paranaense chamem o time de pipoqueiro. O problema, que tem se tornado recorrente, parece de identidade, de fidelidade à alma verdadeira desse time.

No jogo contra o time do Alagoas, por exemplo, vimos que tínhamos um só homem de criação e armação das jogadas do meio de campo e justamente esse homem (que ainda não disse um artigo sobre a que veio) era a apatia em pessoa. Foi irritante ver o jogo que ninguém jogou nada, mas nada foi mais irritante do que ver o camisa dez não ter jogado nem o suficiente para um time de associação de bairro. Mas a culpa não foi só dele. O time todo estava desconfigurado, Ney Franco demorou sessenta minutos para substituí-lo e a contar pela rodada dupla, lamento imensamente que esse seja o elenco do qual dispomos.

“Calma”, diz a razão, “estamos concluindo um patrimônio invejável”. Infelizmente devemos sacrificar nossa principal razão de viver em decorrência de um planejamento de médio/longo prazo de sermos o melhor, aos olhos frios e racionais dos números de metragem quadrada de boa estrutura esportiva. Enquanto isso veremos outros times sendo campeões no futebol.

E assim temos vivido nos últimos anos, entre a paixão e a razão. Lutamos para engolirmos nossas quedas em competições importantes e nos contentamos em ficar na zona intermediária do Campeonato Brasileiro. “Ufa! Pelo menos a Sulamericana” – é o que pensamos. Tudo isso é porque precisamos deixar nossa casa e nosso jardim bem bonito para receber e, lógico, deixarmos todo mundo invejando nossa estrutura de primeiro mundo.

Eu só me questiono o tipo de inveja que causamos ou causaremos. Talvez seja a da fábula das contas saneadas e em dia. Ou de um estádio que, mesmo incompleto, é o melhor que temos por essas bandas. E o centro de treinamento então? Um espetáculo. Serve de celeiro para grandes atletas e grandes times, pena que ainda não os nossos.

Passionalmente, a coisa não funciona assim. Sentimos falta de ver o futebol alegre e raçudo do Clayton. Buscamos o futebol quase no estado da arte do Ferreira. Queremos um artilheiro vibrante como o Alex. Passionalmente, eu trocaria fácil o nosso centro de treinamento por uma Libertadores, mas racionalmente, é bom lembrar que nós não ganhamos uma porque não temos um estádio para quarenta mil pessoas e nosso fiel adversário se valeu da lei para correr de nós.

Já pelo lado racional temos de ser compreensivos com um novo desmanche do time, mas é difícil. Se com tudo aquilo de CT temos os jogadores do naipe dos que ficaram, só nos resta concluir que, ou os jogadores são aquilo mesmo, estão no seu limite e é o máximo que podem dar; ou não têm vergonha, estão acomodados com salários em dia, usando a estrutura somente como vitrine, sem o empenho honesto que deveria ocorrer. De qualquer forma, isso é um problema que a diretoria do Atlético não está conseguindo resolver. Entendo que tudo é em prol de um “objetivo maior”, mas é duro ver um time de futebol negligenciando o próprio futebol!

Só para refletir mais um pouco. Existe uma verdade inquietante e eu detesto admitir que dois times dos maiores papa-títulos do Brasil têm o seguinte problema: seus estádios são péssimos. O do sul está caindo aos pedaços e o do sudeste (ali mesmo, em São Paulo) provoca a mesma experiência que o Pinheirão para ver os jogos. É uma droga. Mesmo assim, os torcedores são orgulhosos e tão apaixonados quanto nós. Pudera, pergunta a eles quantos títulos eles têm. E a troca do nosso CT por uma libertadores passa a ser uma idéia atraente, se possível fosse.

Hoje os negócios são mais importantes, o futebol é secundário. Ruim pra mim que renovei minha cadeira e meu compromisso de continuar confiando ao Atlético meu tempo, minha disposição, meu dinheiro e minha paixão pelo futebol. Tudo isso é secundário diante dos negócios que, tecnicamente, viabilizarão o término de nossa linda casa para quem sabe depois matarmos tanta gente de inveja, consigamos um título por WO. Afinal, vai estar todo mundo morto mesmo.

Brincadeiras a parte, talvez um dia olhemos para todo nosso patrimônio e constataremos o clichê da humanidade. Dinheiro traz facilidade, não felicidade. Nossa alma permanecerá inquieta porque provavelmente depois de negligenciarmos tanto a bola, não tenhamos expressividade naquilo que nascemos para fazer: jogar bola e ganhar títulos. Eu já falei sobre isso diversas vezes.

Não posso concluir essa longa coluna sem citar uma pertinente passagem do “Manual do Fabricante”:

De que adianta o homem ganhar o mundo, mas perder sua alma?


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