José Henrique de Faria

José Henrique de Faria, 74 anos, é economista, com Doutorado em Administração e Pós-Doutorado em Labor Relations nos EUA. Compareceu ao primeiro jogo do Clube Atlético Paranaense em 1950, no colo de seu pai. Seu orgulho é pertencer a uma família de atleticanos e ter mantido a tradição. Foi colunista da Furacao.com entre 2007 e 2009.

 

 

Tudo tem limite

07/03/2008


Existem dois temas que eu já comentei aqui no Furacão, mas que tenho evitado retornar a eles. Acontece que há um limite para tudo e não se pode deixar de apontá-los quando se torna inevitável. O primeiro tema é o do chamado “torcedor estressado”, que é aquele sujeito que nem bem o árbitro apita o início do jogo e ele já começa a disparar seus xingamentos contra os jogadores e contra o próprio árbitro, em um ritmo do tipo moto contínuo, aos gritos, entremeando seu flagrante descontrole emocional com palmas e bordões, em um frenesi que desrespeita todas as pessoas em torno. Este sujeito acha que tem o direito de torcer como quer. Qualquer pessoa tem o direito de torcer como quer, mas torcer é, como ensina o Aurélio, incentivar os jogadores de um clube esportivo, gritando e gesticulando para animar os jogadores de sua simpatia. Torcer não é xingar. Pode-se ocasionalmente reclamar ou vaiar, mas passar o tempo todo do jogo dedicando-se ao pronunciamento sistemático de palavrões contra os jogadores do time pelo qual supostamente torce, não é torcer. No caso do torcedor estressado, que parece sofrer de uma síndrome de angústia, impaciência, descontrole do esfíncter mental, o problema não se concentra nele mesmo e em seus desvarios, delírios, desatinos, mas afeta as pessoas que vão ao estádio para ver os jogos e não para ter que suportar sujeitos deste tipo. Estes maus torcedores ou anti-torcedores, chegam a achar que os incomodados devem ver os jogos dos camarotes, em uma demonstração do tamanho do seu solipsismo: o mundo do sujeito não vai além de si mesmo. Ele é tão inconveniente que se acha o único certo.

Pois, no anel superior da Getúlio Vargas na Arena da Baixada, há um par destes anti-torcedores. Pai e filho. O filho, um adolescente aparentemente sem limites, chega a ser o pai muito piorado. É absolutamente impossível assistir aos jogos. Como se não bastassem os berros descontrolados, ambos se põem a, acreditem, comentar o jogo, avaliar as jogadas (como deveria ter sido feita) e orientar como os jogadores devem proceder (a prepotência é tanta que eles acham que os jogadores os ouvem e, mesmo que ouvissem, que trocariam a orientação do treinador do time pela do corneteiro). Neste ano de 2008, dez torcedores que, junto com outros oito faziam um grupo de amigos, mudaram-se para um canto do Estádio por não suportarem mais os berros, por não tolerarem os xingamentos, por terem chegado ao nível máximo do incômodo. Então, dois sujeitos inconvenientes se acham no direito de ditar regras aos demais torcedores? Por conta de dois mal-educados, os sócios devem perder o local que escolheram já há tempos para ficar em um outro local que estava apenas disponível? Este tipo de comportamento anti-social, inoportuno, agressivo, de má educação, de uma chatice incomparável, é equivalente ao daquelas pessoas que conversam e comentam os filmes nos cinemas como se estivessem em suas casas. A liberdade dos anti-torcedores em “torcer do seu jeito” termina exatamente quando incomoda não apenas uma, mas diversas pessoas que, por educação ou por não desejar discutir (com receio da agressão que certamente ocorrerá, pois os inconvenientes geralmente se acham donos da razão), deixam de se manifestar e são totalmente prejudicadas por não poder torcer do seu jeito. É certo que quando se compra um imóvel nem sempre se pode escolher o vizinho, mas também é certo que quando o vizinho passa dos limites ou ele se enquadra ou a questão vai acabar sendo resolvida no fórum competente.

O segundo tema trata dos desastres do dia 06 de março na Arena. Um drama em dois atos. O primeiro ato foi a preliminar. Fui ver o jogo contra o FC Dallas na expectativa de conhecer os jovens revelados pelos juniores e os que não estavam jogando entre os titulares. Um autêntico vexame. O primeiro tempo foi próximo do sofrível. No segundo tempo, depois de sofrermos com a mesmice e a teimosia do “treinador de plantão”, quando já não havia mais expectativa para nenhuma alteração no panorama do jogo, começaram a entrar as novidades, que pouco tempo tiveram para mostrar alguma coisa. Em um jogo amistoso em que se supunha que todos teriam sua oportunidade, o “treinador”, em um flagrante desrespeito aos atletas e aos torcedores, fez entrar dois jogadores quando faltavam dois (isto mesmo, dois) minutos para encerrar a partida, depois que os mesmos passaram praticamente todo o segundo tempo fazendo aquecimento. Um absurdo, uma irresponsabilidade, uma absoluta falta de sensibilidade, de benevolência e com ares de um acinte. A torcida implorando pela saída do já reconhecido ineficiente Michel e o “treinador” o substitui faltando dois minutos para o final do amistoso. Para que? Para dizer que deu uma oportunidade aos jovens jogadores de se apresentarem à torcida em dois minutos? Teria sido mais decente se não tivesse feito isso.

Se o time escalado é a reserva de competência que o Atlético Paranaense possui, certamente não iremos mais longe do que a suburbana. Nos discursos temos mais vitrine que estoque. Se for para se dar oportunidade aos jovens, primeiramente será preciso limpar a lousa dos inservíveis para então poder falar em formação de atletas. Há algo que não estou conseguindo entender nesta história.

Também fico com uma outra dúvida. Por que alguns jogadores dos juniores têm oportunidades e outros nem tanto? Verificando as fichas, é possível notar que os oriundos do PSTC e os que possuem empresários têm mais oportunidade que os demais. Seria coincidência? Seriam interesses? Gostaria de uma explicação honesta a respeito, sem evasivas.

Finalmente, entramos no segundo ato, na partida principal que já estava ganha antes de ser perdida. Que espetáculo deprimente! Levei meus primos de Recife para ver o jogo e fiquei envergonhado. Eles também vibraram com o gol do Antonio Carlos. E foi só. É possível que Claiton não seja nenhum craque, mas era a alma do time. Nesta quinta tivemos um time sem alma, entregue, fraco, frágil, vulnerável. A Diretoria já anunciou que não tem como segurar jogadores que receberam propostas salariais que não podem ser cobertas. Já disse que não vai contratar apenas por contratar. Mas, o fato é que se a diretoria já sabia (e não tem como não saber) que não poderia segurar atletas de destaque, deveria ter se preparado para repor imediatamente nas mesmas condições. Ou estamos tratando com neófitos? Agilidade para vender e lentidão para repor? É disto que estamos, na verdade, falando? A Diretoria deveria ter se preparado com antecedência e não deixar para resolver depois que o problema já aconteceu (Ah, foi tudo muito rápido!). O preço desta falta de cuidado, de planejamento, de atitude, foi caro. Muito caro. Depois, não adianta choramingar pelos cantos esbravejando contra as críticas e contra a ingratidão da torcida mostrando a folha de bons serviços. Folhas de bons serviços são maravilhosas, mas também podem ser manchadas com fracassos anunciados. Há quatro partidas que todos os atleticanos já notaram que as coisas não iam bem, que a equipe caiu de produção, que diminuiu o ânimo e o entusiasmo, que faltam jogadores qualificados em algumas posições. Mas, a “política do clube” recomendava outros procedimentos. Alguns imaginavam que já haviam encontrado um verdadeiro substituto de Ferreira, disponível na prateleira dos craques feitos em casa; alguns chegaram a dizer que Claiton afinal não era tão bom assim e, portanto, nem era tão útil.

Qual é a diferença financeira imediata e futura entre o que se deixará de ganhar com a eliminação precoce da Copa do Brasil comparativamente ao que se desembolsaria na manutenção dos jogadores ou na contratação imediata de substitutos à altura? E se for considerada também a diferença de imagem que permitiria melhorar as negociações de patrocínio? E caso também se considerem os ganhos indiretos que não ocorrerão? Será que manter jogadores bons é mesmo tão mais oneroso do que perder títulos nacionais e deixar de participar de torneios internacionais (refiro-me à Libertadores)? Parece que só se sabe dar explicações e expor justificativas que sejam palatáveis ao grande público, mas muitas perguntas têm ficado sem respostas, muitas respostas têm ficado sem conteúdo, muitos conteúdos têm ficado sem significado e muitos significados têm ficado sem sentido. Mas, enfim, o imaginário, a crença nas ilusões, a mitificação, tudo está aí mesmo para ser consumido sem críticas pelos que precisam crer em algo, nem que este algo seja fruto de uma elaboração especulativa que lhes mantenha a viva a esperança no devir paradisíaco.

Ao final do jogo, com toda a razão, os protestos se fizeram ouvir. Pela perda da partida. Pela eliminação precoce da Copa do Brasil. Pela perda daquela inabalável confiança na conquista do Campeonato Paranaense. Mas, principalmente, pela falta de atitude diante do que é evidente, pela política relativamente equivocada quanto ao futebol, pela convocação para o quadro associativo com oferta de uma equipe com carências fundamentais. Que não se culpe o Ney Franco (ele conhece o ofício), os jogadores (eles fazem o que sabem dentro de seus limites), o preparador físico, o Maculan, enfim, toda a equipe técnica que faz o que pode com uma estrutura fantástica. Está mais do que na hora de “sair da moita”, pois ninguém consegue fazer milagres se o material não está totalmente à altura do Clube Atlético Paranaense. Aos senhores dos anéis: vê se acordam, que o dia já vem raiando e os inimigos já estão de pé!


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