Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Guerreiro Menino

11/02/2008


É bom contar a História, melhor seria poder fazê-la. Seja como for, cada um de nós tem lá a sua função dentro dela e a mim restou o encargo de narrar, modestamente, os fatos de que sou testemunha. Pois bem, não vou fugir ao meu destino, por isso trago para vocês mais uma página dessas que fazem a História.

A 11 de fevereiro de 1944, em Cruzeiro do Sul-RS, nascia Mário Celso Petraglia, filho do Senhor José Benito e Dona Maria Etlin, ambos uruguaios. Mário Celso mudou-se com a família para Curitiba ainda na infância e não deixou mais a cidade. Até onde eu sei, Petraglia foi morar perto do Joaquim Américo e se tornou atleticano daqueles de pular as cercas da Baixada para ver os jogos do Furacão.

Até onde eu sei, o menino Petraglia se encantou com a magia daquele Atlético da década de 40 – e até mesmo do Atlético dos anos 50 – que, dentre tantos gênios, tinha no elenco a figura antológica de Alfredo Gottardi, o Caju, excepcional goleiro que defendeu o Atlético por mais de uma década, além de defender as Seleções Paranaense e Brasileira. Caju também era chamado de A Majestade do Arco e por aí vocês já podem ter uma noção da grandiosidade desse monstro sagrado atleticano.

Pois o menino Petraglia virou atleticano por causa da admiração que tinha pelo seu ídolo maior, o Caju. Tempos depois, Petraglia revolucionou o Atlético e dentre outras coisas construiu um magnífico CT que ganhou o nome de Caju, maior jogador do Atlético em todos os tempos e isso inclui o passado, o presente e o futuro. E fez mais: Petraglia homenageou o seu grande ídolo em vida, dando-lhe a honra de assistir à inauguração do CT Alfredo Gottardi, ou CT do Caju.

Petraglia deu ao Caju a honra de ver seu nome eternizado no monumental CT do Atlético. Quando Caju faleceu, teve seu corpo velado no Salão Nobre da Arena da Baixada, em mais um gesto de elevado respeito protagonizado pelo Petraglia.

E era a esse ponto que eu gostaria mesmo de chegar: a importância dos ídolos na História, sua influência sobre os meninos e sua influência sobre as história que esses meninos passam a escrever, inspirados em seus ídolos.

Longe de mim tecer aqui grandes filosofias ou sociologias: são assuntos que me fogem ao alcance em face de suas complexidades, porém arrisco a dizer que ninguém vive sem ter um ídolo, às vezes mais do que um, ídolos para sempre ou transitórios, mas ídolos.

Embora seja avesso a conceitos acadêmicos, encarrego-me de afirmar que o ídolo é aquele no qual nos vemos retratados, é aquele que faz o que a gente gostaria de fazer, é a realização dos nossos próprios anseios, é aquele que materializa o sonho, que faz o impossível virar possível – ou ao menos parecer possível – o ídolo é aquele cara que nos serve de referencial, de exemplo, de espelho.

E foi assim que o menino Petraglia, espelhando-se na grandeza de Caju, fez do Atlético um dos maiores clubes de futebol do Brasil e do mundo. Mas o Petraglia teve em quem se inspirar, pois Caju era o ídolo dos ídolos, e hoje, em quem se espelharão os novos meninos atleticanos? Quem serve de espelho para a nossa garotada? Eis a grave questão a nos exigir resposta!

Não gostaria de voltar a tocar em alguns assuntos -há tempos mortos e sepultados - e não gostaria de tocar em alguns nomes, todavia me é inevitável. Vamos a eles: Dagoberto e Marcos Aurélio. Esses dois tinham todas as chances de virar ídolos da gurizada Rubro-Negra, aliás o primeiro até virou, mas dedicou-se de corpo e alma à autodestruição mais absurda de que já se teve notícia.

Era venerado pela meninada que se espelhava nele, e trocou tudo isso pelo canto da sereia, pelos rios de dinheiro, pelos gramados mais verdes do mundo e até hoje não obteve mais do que a vaia, merecida em face de sua ingratidão.

Triste menino Dagoberto: venerou ídolos errados e se perdeu pelo caminho. Nunca mais será ídolo dos meninos atleticanos, nem de outros meninos: meninos admiram os mocinhos, desde os tempos do faroeste americano. Dagoberto talvez ainda não tenha percebido, mas já caiu no ostracismo lá pelas bandas do Morumbi.

Por seu turno, Marcos Aurélio também se perdeu: surgiu como grande promessa de gols do Atlético mas, à Dagoberto, trocou o posto de ídolo da meninada Rubro-Negra pela antipática estampa de mercenário.

Triste menino Marcos Aurélio: venerou ídolos errados e se perdeu pelo caminho. Nunca mais será ídolo dos meninos atleticanos, nem de outros meninos: meninos não admiram os saqueadores, desde os tempos dos filmes de piratas. Aliás ainda existe o tal Marcos Aurélio?

O ídolo é aquele cara no qual nos vemos retratados, que faz o que a gente gostaria de fazer, que realiza os nossos próprios anseios, é aquele que materializa o sonho, que faz o impossível virar possível – ou ao menos parecer possível – o ídolo é aquele cara que nos serve de referencial, de exemplo, de espelho.

Mas hoje, quem são os ídolos em que nossa gurizada se espelha? Quem são os ídolos que servem de referencial para a nossa meninada? Dagoberto? Marcos Aurélio? Deus que livre a criançada atleticana do mau exemplo que foi dado por essa dupla de ingratos. Coitados dos guris do nosso futebol brasileiro: atualmente, são todos órfãos de ídolos, bem diferente do menino Petraglia que tinha em quem se espelhar, afinal naquele tempo o Atlético tinha ídolos de verdade, e não ídolos de pés de barro (e canelas de vidro e pernas de pau).

É fácil ser Dagoberto e Marcos Aurélio, coisas tão efêmeras; ser Caju é difícil, ser Caju é eternidade. É fácil usar a Camisa do Atlético Paranaense; difícil é vesti-la. É fácil usar a Camisa do Atlético Paranaense; difícil é merecê-la. É fácil beijar a Camisa do Atlético Paranaense; difícil é amá-la, pois o amor exige alma e só os grandes têm alma pronta para o amor.

Caju vestiu a Camisa que muitos ídolos de pés de barro apenas usaram. Caju ainda é ídolo, e vocês - mercenários da bola - serão o quê?

Desfilar pelo campo perfeito da Arena da Baixada é fácil; difícil foi construí-lo. Acomodar-se nas suntuosas instalações do CT do Caju é fácil; difícil foi edificá-las. Beijar o vermelho e o preto da Camisa do Atlético Paranaense é fácil; difícil foi trazer essas cores de volta à vida, depois de um longo período em que estiveram esmaecidas, esquecidas, desbotadas, humilhadas.

Petraglia - liderando a Maior do Estado e a mais Fanática do Mundo - devolveu as cores vivas à Camisa do Atlético, a Camisa que vocês – ídolos de pés de barro – ousaram diante dele usar, assim, de qualquer jeito, com deboche, com pouco caso. Mas o Petraglia não permitiu que o Manto fosse desrespeitado e passou-lhes a merecida descompostura, em público, na justa medida de suas malcriações.

Petraglia ainda é ídolo da torcida atleticana, mais do que nunca e sempre será, e vocês – tristes figuras abatidas, de ouvidos aguçados ao tilintar das moedas e olhos acurados para o brilho do metal - pensam que são o quê? Aliás, pensam?

Cada um de nós tem lá a sua função dentro da História. A mim restou o encargo de narrar, modestamente, os fatos de que sou testemunha; ao Caju coube tocar o coração de um menino; a um menino coube a missão de conduzir os destinos de um povo apaixonado; a esse povo apaixonado foi dada a tarefa de amar um time mágico; a esse time mágico Deus consagrou a honra de fazer do futebol algo muito maior que o futebol.

Ao Clube Atlético Paranaense, Deus reservou o destino de fazer da bola e do futebol simples pretextos para encher a vida da gente de esperança, de amor, de graça, de emoção, de ternura, de poesia. E se algum menino vier a ler essas mal traçadas linhas que eu escrevo, peço que acreditem no Atlético, que amem o Atlético. Pois foi isso que o menino Petraglia fez um dia e, tenho certeza, não se arrependeu e faria tudo outra vez.

Parabéns, Petraglia, Guerreiro Menino, por mais um ano de vida dedicado à vida do nosso querido Atlético Paranaense.


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