Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Curitiba: ame-a ou deixe-a crescer (em paz)!

28/01/2008


Na última sexta-feira, à noite, fui, em companhia de minha linda namorada – Edith Aragão – e de minha querida Mãe – Dona Cleonice – assistir, no SESC da Esquina, ao lançamento do CD "No País de Alice", obra na qual a cantora Rogéria Holtz interpreta canções compostas por Alice Ruiz - esposa do inesquecível Paulo Leminski - em parceria com feras da MPB, como Itamar Assumpção, Arnaldo Antunes, Zé Miguel Wisnik, Zeca Baleiro, Alzira Espíndola e Paulo Tatit.

Eram 19h20 quando as cortinas do teatro do SESC da Esquina se abriram e revelaram diante dos nossos olhos a cantora Rogéria Holtz, ainda melhor e mais talentosa do que a jornalista e apresentadora Rogéria Holtz, até então a personagem por nós mais conhecida. Nos setenta e cinco minutos que se seguiram, fomos presenteados com um show daqueles que valem o ingresso.

Rogéria Holtz – paulista de nascimento, mas curitibana de coração – entregou-se de corpo e alma ao público que lotou a sala de espetáculos. Tocou violão e conversou com a platéia. Recebeu músicos convidados e interagiu com Alice Ruiz - que ocupava um dos lugares da primeira fila e de lá saía para declamar alguns trechos de poemas.

E, sobretudo, Rogéria cantou. Cantou com a qualidade vocal das grandes intérpretes. Interpretou com a emoção das grandes cantoras e soube ser simples e bela, como só os grandes artistas conseguem – de fato – ser. Rogéria Holtz, naquela noite, não tocou acordes, tocou almas. Saímos melhores do teatro. A Arte cumprira – uma vez mais – sua missão: “retomar a paixão, o sonho, a fantasia e o mistério, explorando um universo situado além das aparências sensíveis”.

De volta a casa, naquela noite, pensei no quanto Curitiba é cruel com seus filhos ilustres e no quanto nós, curitibanos, somos culpados pelo tal autofagismo de que se ouve falar. Rogéria Holtz – artista madura, e desconhecida pela esmagadora maioria dos curitibanos – não deve nada a cantoras que enchem os espaços de espetáculos curitibanos – e por extensão enchem os bolsos com gordos cachês – quando por aqui resolvem se apresentar.

Muito pelo contrário: há nas canções da Rogéria letras que não podem ser encontradas nas cançõezinhas mixurucas da célebre Ivete Sangalo. Há nas harmonias da Rogéria nuanças que não existem nas pálidas composições da afamada – e chata – Marisa Monte. Há na voz melíflua da Rogéria uma musicalidade que não existe na monocórdia – e aplaudida - Adriana Calcanhoto. Há no corpo da Rogéria uma feminilidade que – definitivamente – não se pode encontrar na marcial Ana Carolina.

Mas embora existam na Rogéria Holtz tantos predicados, há um grande defeito: ser – ou estar – curitibana. E sendo ou estando curitibano, o tal autofagismo se encarrega do (des)serviço que é botar no descrédito, no ridículo ou no ostracismo todo aquele que consegue por aqui um certo brilho. O curitibano reconhece nos forasteiros todos os méritos, mas é incapaz de reconhecer uma só qualidade – por mais aparente que seja – no seu vizinho de porta. O curitibano seria muito melhor não houvesse o curitibano...

Entretanto, o curitibano existe. E porque ele existe, há esse ranço cultural – se é que existe cultura na burrice – de se desvalorizar o que é da nossa terra, na medida em que se consome – com avidez – os frutos produzidos noutras plagas, muito embora nem sejam assim tão valiosos e suculentos.

É como se o curitibano - ao negar, permanentemente, os méritos de seu vizinho – tornasse-se grande ou, pelo menos, adquirisse o direito - inalienável e imprescritível – de ter, para sempre, o mesmo tamanho do vizinho: com a garantia de nunca ser menor do que ele, pois isso seria inaceitável humilhação.

Pior: o curitibano autofagista persegue o ideal absurdo que é impedir, a todo custo, o crescimento natural do seu vizinho, como se buscasse a garantia de que o vizinho talentoso nunca obtenha a felicidade que lhe é de direito. O curitibano que é medíocre e autofagista é incapaz de atingir sua realização pessoal, mas se dedica, integralmente, a frustrar os sonhos e os trabalhos do vizinho, mais ou menos como aquele corno que mata a namorada, pois “se não for minha, não vai ser de mais ninguém”.

Certa vez, estava eu em (má) companhia de uma ex-namorada – ela era feia, invejosa, curitibana, autofagista, burra, materialista e detratora contumaz (sim, nos meus dias de baixa auto-estima eu já namorei uma bruxa desse tipo). Entrávamos num prédio do Centro, quando um transeunte, apontando para a entrada do edifício, disse ao amigo de caminhada “Aí mora a Guta Stresser, a Bebel de A Grande Família, da Rede Globo!”.

Curioso, perguntei à bruxa se era verdade que a Guta Stresser morava ali, ao que ela respondeu: “Mora, mas está com o condomínio atrasado há meses e é uma grossa!” – confirmando a minha tese de que o curitibano autofagista persegue o ideal absurdo de impedir, a todo custo, o crescimento natural do seu vizinho, como se buscasse a garantia de que o vizinho talentoso nunca obtenha a felicidade que lhe é de direito. O curitibano que é medíocre e autofagista é incapaz de atingir sua realização pessoal, mas se dedica, integralmente, a frustrar os sonhos e os trabalhos do vizinho.

E eu escrevi tudo isso para chegar ao futebol curitibano, tomado aqui como sinônimo de futebol paranaense, pois não existe neste Estado – infelizmente - futebol fora da capital. O futebol curitibano – queiram ou não – divide-se em antes e depois do Petraglia (e nem de longe acreditem que estou fazendo um paralelo com a História da Humanidade, esta dividida em antes e depois de Cristo, pois sei que o Petraglia não é Santo e nem eu sou profano a ponto de comparar um homem à figura irretocável de Nosso Senhor Jesus Cristo).

Ocorre que, antes de o Petraglia aparecer, havia um futebol paranaense em frangalhos. Até 1995, o futebol do Paraná só conquistara um mísero campeonato nacional, vencido pelo time verde – a duras penas – diante de um adversário que se podia qualificar como atrevido, e olha lá, e ainda assim uma conquista com saldo negativo de gols, uma conquista que, anos mais tarde, seria qualificada com a triste expressão “a pior campanha de um campeão brasileiro da História”.

Falei dos verdes, mas nós não ficávamos atrás: nossa maior glória fora do Estado era um terceiro lugar no Nacional de 1983, conquistado bravamente diante do superpoderoso Flamengo, e mais nada. Em 1995, quem mandava no Estado do Paraná era um clube com pouco mais de cinco anos de existência, oriundo da fusão do falido Colorado e do inexpressivo Pinheiros. Na primeira metade da década de 90, o Paraná Clube dava as cartas e batia – com relativa facilidade – a dupla Atletiba, dentro e fora de seus domínios. Havia naquele Paraná Clube: comando e organização, enquanto a zona comia solta nos co-irmãos do caçula da cidade.

Daí – para alegria geral do povão atleticano – surgiu o Petraglia e sua Revolução. O Atlético cresceu, ganhou títulos, construiu CT, Estádio e prestígio. Botou jogador na Seleção titular que conquistou o Penta, bateu time argentino dentro de Buenos Aires, rivalizou com o dedo em riste com times do eixão SP-RJ-MG-RS a ponto de ser combatido e temido pela mídia Nacional e, mais recentemente, lançou a Arena da Baixada como o palco curitibano apto a receber partidas da Copa do Mundo de 2014.

Mas embora existam no Atlético, no Petraglia e em todos nós atleticanos tantos méritos, há um grande defeito: somos curitibanos! E sendo nós curitibanos, o tal autofagismo se encarrega do (des)serviço que é botar no descrédito, no ridículo ou no ostracismo tudo e todos que brilham por aqui. O curitibano reconhece nos forasteiros todos os méritos, mas é incapaz de reconhecer uma só qualidade – por mais aparente que seja – no seu vizinho de porta. E, infelizmente, o Clube Atlético Paranaense é vizinho de porta dos co-irmãos autofagistas.

Vizinhos autofagistas que perseguem o ideal absurdo que é impedir, a todo custo, o crescimento natural do Atlético, como se buscassem a garantia de que o Atlético, vizinho talentoso, não venha a obter a felicidade que lhe é de direito, o reconhecimento que lhe é devido e a glória que lhe é mais do que merecida. Os curitibanos medíocres e autofagistas, incapazes de atingir a realização pessoal e de fazer crescer suas agremiações, dedicam-se, integralmente, a frustrar os sonhos atleticanos e a obstaculizar os trabalhos do Atlético.

Os curitibanos de alma pequena estão agindo como aquele corno que mata a namorada, movido pela loucura e vociferando “se não for minha, não vai ser de mais ninguém”. Os curitibanos autofagistas – por ação e omissão – dedicam-se a retirar do Atlético Paranaense o justo direito de ter a Arena da Baixada como o palco paranaense da Copa de 2014 e, movidos pela inveja e pela loucura, vociferam “se a Copa não for minha, não será do Atlético”.

Porém os autofagistas se esquecem que, agindo assim, a Copa não será deles, não será do Atlético, não será de Curitiba, não será do Paraná, não será dos paranaenses, mas será – certamente - de um povo que – mesmo não merecendo tanto - receberá a honraria que é ter a competição em seus campos e neles colherá os frutos fartos do Mundial. Frutos que deveriam ser paranaenses, por direito, e talvez não sejam!

Que Curitiba e nós curitibanos não sejamos cruéis com os filhos e as Instituições de destaque da nossa terra. Que nós curitibanos saibamos ser grandes a ponto de nos unir em torno da Arena da Baixada como palco paranaense do Mundial de 2014. Que possamos ser grandes para provar ao Brasil nossa grandeza de oferecer um Estádio apto e uma cidade apta a receber uma competição do porte do Mundial de Futebol.

E aí, quando a bola rolar diante de nossos olhos, na Arena da Baixada, em 2014, cada um dos presentes, independente de sua paixão partidária ou clubística, possa admitir, dentro de si, a grande verdade: o futebol é uma arte que “retoma a paixão, o sonho, a fantasia e o mistério, explorando um universo situado além das aparências sensíveis”. E aí seremos grandes como aqueles nossos co-irmãos chamados Dalton, Paulo, Alice e Rogéria que fizeram e fazem de Curitiba um espetáculo digno de aplausos, e não de boicotes.


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