José Henrique de Faria

José Henrique de Faria, 74 anos, é economista, com Doutorado em Administração e Pós-Doutorado em Labor Relations nos EUA. Compareceu ao primeiro jogo do Clube Atlético Paranaense em 1950, no colo de seu pai. Seu orgulho é pertencer a uma família de atleticanos e ter mantido a tradição. Foi colunista da Furacao.com entre 2007 e 2009.

 

 

Perfeição, mito e imaginário

09/12/2007


Não existe, na história da humanidade, nenhum exemplo de administração (gestão) de uma organização pública ou privada que tenha sido considerada perfeita. Não seria no Clube Atlético Paranaense que isto iria acontecer. A perfeição não existe na realidade, mas apenas como mito ou no plano imaginário. A atual gestão do Atlético Paranaense cometeu, ao longo de todo o período que dirige o Clube, alguns equívocos. Também não existe uma gestão que seja completamente defeituosa. Esta mesma administração do Atlético Paranaense, ao contrário, foi responsável pela maior revolução na história do clube. De qualquer forma, pode ocorrer que uma gestão seja ou mais ou menos adequada aos projetos coletivos que indicam a direção que a organização deve tomar.

Em se tratando de uma organização como é o caso do Clube Atlético Paranaense, as funções de direção expõem seus ocupantes aos elogios e às críticas. Aceitar ambos com igual respeito é fundamental, pois entre os elogios também se encontra a perniciosa bajulação e entre as críticas também existem as inúteis falsas críticas. Qualquer indivíduo que se disponha a ocupar uma função de direção em uma organização, especialmente quando esta função confere visibilidade pública, deve saber que terá que tomar decisões que agradam a alguns setores e que ao mesmo tempo desagradam outros. Se desejar “agradar a todos” com certeza não vai “agradar ninguém”, pois uma organização é portadora de interesses divergentes e a função de direção é de mediação, porém com posição. Cabe ao gestor, a partir de um planejamento coletivamente definido (que é o que indica a posição), coordenar a execução de um projeto social comum. Se o gestor não souber aceitar críticas ou manifestações da oposição e não souber lidar com os conflitos, não pode se constituir em um bom gestor. Se um gestor não souber ler os recados da maioria, não pode ser um bom orientador e coordenador.

Há uma falsa idéia de que existem críticas construtivas e críticas destrutivas. Toda a crítica é crítica e cabe ao gestor saber traduzi-la e compreendê-la, no sentido de transformá-la em uma ação que a contemple em nome do objetivo comum. “Críticas destrutivas”, na verdade, é uma expressão para classificar aquelas críticas que o gestor não sabe como responder. Existem, contudo, as falsas críticas, aquelas que aparecem na forma de crítica, mas não estão comprometidas com nada que seja relativo ao projeto da organização. Estas podem incomodar, mas não podem e nem devem ser levadas em conta. Tratar delas é pura perda de tempo. Assim, fica uma pergunta: por que será que quem se dispõe a ajudar o Clube Atlético Paranaense sem abrir mão de sua autonomia e de suas posições críticas, não consegue fazê-lo?

O que mais atrapalha qualquer gestão não é a crítica em si e nem a falsa crítica, mas é, sem dúvida, a cizânia interna, a falta de lealdade entre os responsáveis pelas funções de direção, a falta de ética coletiva. No Atlético Paranaense este não parece ser o caso. Então, qual poderia ser o problema? Ao que parece, o problema encontra-se na insuportabilidade à critica. Há uma lógica instalada de que a “oposição” discorda da forma de condução do Atlético Paranaense. E daí? Se existe uma oposição é seu direito discordar, pois afinal é oposição. Mas, a oposição não se encontra nos Conselhos e sequer está organizada como oposição com a finalidade de ocupar as funções diretivas. A oposição atualmente é como a perfeição: ou é mítica ou imaginária.

Acontece que, nestes termos, no processo eleitoral do Clube Atlético Paranaense, é óbvio que nenhuma chapa de oposição tenha se apresentado. O pior é que qualquer pessoa, mesmo as menos esclarecidas, sabia que nenhuma chapa de oposição se apresentaria. Inclusive, e principalmente, a atual direção. Mas, aí vem o problema. Ao não inscrever nenhuma chapa, a situação acaba sugerindo, ainda que não o deseje, que parece pretender incorporar o argumento, totalmente desprovido de sentido prático e político, de que a oposição teve sua oportunidade e não se manifestou e que, portanto, a partir de agora não pode reclamar do que vier a ser feito. “Se não se apresentaram que se calem”; “se sabem fazer melhor que venham fazer”; “tiveram a oportunidade de demonstrar que podem fazer melhor e não quiseram se comprometer”: estes são exemplos de frases que nascem dos espíritos pouco afeitos aos debates. A falta de manifestação organizada da oposição legitimaria ad perpetuam rei memoriam, a posição política da situação. Contudo, ao contrário, a oposição (que, repito, no caso do Atlético Paranaense não existe de forma organizada), assim como qualquer torcedor, pode e deve reclamar, pois a crítica é um direito que lhes cabe, juntamente com o direito de não concorrer de forma organizada ao comando da organização, como ocorreu no Atlético Paranaense.

A atual gestão do Atlético Paranaense tem sido bem sucedida e não há porque mudá-la. Bem sucedida, mas não perfeita. O Clube Atlético Paranaense experimentou uma mudança muito importante a partir de 1995. Hoje, é um Clube de prestígio nacional e internacional, referência em várias áreas. A opção pela permanência do atual modelo de gestão e de seus coordenadores não se trata de acomodação, como sugeriu a manifestação oficial do Clube. Mas, a permanência não deve jamais significar qualquer tipo de bloqueio às críticas. Não gostaria de acreditar que uma gestão de estilo “bolivariana” estaria fazendo escola também no Atlético Paranaense.

Diz a nota oficial que “o apoio geral, contudo, cessa tão logo realizadas as eleições”. Onde está a novidade deste fato na tradição política brasileira? O que surpreende tanto? É um fato inusitado? Não deveria ser assim, é verdade, mas é. Qualquer um que se disponha a assumir funções de direção deve saber que é e que assim será. Existem estudos mostrando exatamente esta situação “cultural” no Brasil. Não se trata de apoiar as “cobranças irracionais e insanas”, pois estas são sempre indevidas. Mas, imaginar que a humanidade se destitua da cobiça e da inveja (falamos somente de dois dos sete pecados capitais) e que isto comece justamente no Clube Atlético Paranaense é desejar um mundo realmente inexistente, ou que somente pode existir no plano puramente imaginário. É sobre as imperfeições, as incertezas e as críticas que se trabalha. É sabendo que se obterá o reconhecimento de alguns e o desprezo de outros que se trabalha. Não se trabalha imaginando que pessoas deixarão de ser pessoas.

A torcida exige mais esforço da direção, exige melhor desempenho do time, exige ingressos mais compatíveis com sua renda? Sim, exige. Afinal, o que se espera que ela exija? O mesmo desempenho de 2007? Não ter acesso aos jogos? Não ter o estádio terminado? A torcida, como qualquer atleticano, quer mais e continuará a querer, até que o Clube Atlético Paranaense conquiste novamente o Campeonato Paranaense e o Brasileiro, até que conquiste a Libertadores e o Mundial. Depois disto, continuará a querer mais. E por que não deveria ser assim? Por que deveria se contentar só com o passado? Este é o papel da torcida e deve continuar a sê-lo, pois é por acreditar nas conquistas que a mesma vai aos jogos, incentivar, torcer, apoiar, empenhar seu coração. É óbvio que a direção não tem como atender a todos os anseios da torcida, por motivos conhecidos: técnicos e financeiros. Mas, incomodar-se com suas exigências não é a forma de tratar do problema. Diálogo respeitoso é o primeiro e necessário passo.

Estranho que no campo empresarial desejar mais, acumular mais, expandir o mercado, firmar a marca, ser a melhor empresa, não seja considerado algo inaceitável, mas algo genético do sistema empresarial.

Faltam recursos para todos os projetos? Faltam. Mas, não pode faltar esperança, desejo de ser maior e melhor. Também não se pode dizer que a torcida é traída pela memória, porque não é este o caso. Até hoje, mais de 50 anos depois, o famoso time conhecido como Furacão é cantado em verso e prosa, inclusive por aqueles que nunca o viram atuar. O problema não é de memória, mas da mais legítima aspiração de ser cada vez melhor, que é o que move e deve continuar a mover o Clube Atlético Paranaense. Afirma a nota oficial que se cobra que o time “seja sempre campeão”, independente dos adversários e das dificuldades? Queríamos o que? Que a torcida cobrasse que o Clube Atlético Paranaense fosse apenas um participante de campeonatos lutando somente para manter-se nele como coadjuvante? Toda a torcida, de qualquer clube, espera que seu time seja campeão ou que pelo menos lute para sê-lo. Não fosse assim, não seria torcida.

Diz a nota que a torcida exige “a manutenção de um elenco cada vez mais forte com a contratação de novos ídolos”. Novamente, o que a torcida deveria exigir? Diz a nota que a filosofia vencedora consiste na “formação e transferência de atletas promissores para o mercado exterior como fonte de receita financeira para ombrearmo-nos (sic) [ombrearmos-nos] com os maiores clubes do mundo”. Ninguém duvida disto. Mas, de fato, com quem estamos nos ombreando? Ou melhor: estamos nos ombreando com os maiores clubes do mundo?

O desempenho da equipe de futebol profissional em 2007 é apenas um exemplo desta não equiparação com os melhores clubes do mundo. As providências vieram apenas a tempo de salvar o time de uma situação vexatória, mas não se constituíram em um planejamento com o foco nas vitórias. As críticas apareceram, sem dúvida, e com razão. Tanto que serviram de base para mudanças de postura. De fato, tal já não parece ser a situação atual, com a direção de Alberto Maculan, a permanência de Ney Franco e a manutenção da base de 2007 para 2008. Mas, qualquer torcedor sabe que é preciso mais do que isto e este “mais” é um direito do torcedor postular.

Ao desejar a toda a torcida (de todas as crenças) do Clube Atlético Paranaense, boas festas e que o ano de 2008 seja vitorioso, valho-me, aqui, das palavras de Petraglia em uma manifestação no site do clube: “Estamos fazendo tudo o que é possível para melhorar a situação e seguir no caminho das conquistas, cumprindo nossa vocação vencedora (...). Nossos sonhos podem nos levar ao infinito”. Melhorar a situação e seguir um caminho de conquistas cumprindo a vocação vencedora é o que todos os torcedores esperam. Mas, nada cairá do céu. É preciso que cada um cumpra sua parte com responsabilidade, inclusive abrindo espaço para contribuições críticas. Talvez o infinito esteja longe demais, mas lutar realmente pelos conquista dos títulos dos campeonatos que o Clube Atlético Paranaense disputará a partir de 2008, já seria um bom começo para ombrearmos-nos aos melhores clubes do mundo.


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