Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Walter Ego e o Drama do Lotação

23/11/2007


Eu - Walter Ego - indo embora para casa, no começo da noite, como se fosse aquele sujeito que rumava impávido para Pasárgada no célebre poema do Bandeira, quando, de repente, toca meu aparelho celular móvel. Era o Rafael Lemos, meu patrão.

- Walter Ego, meu filhinho, quebra o galho deste seu amigo! É dia - ou noite para ser mais exato - de escrever a coluna, mas sabe como é né, compromissos pontuais me impedem de pontuar as coisas para a massa Atleticana! Quebra essa, ó Walter Ego! Escreve umas mal traçadas para mim, guri!

Dada a missão, desliguei o aparelho celular e olhei em minha volta, como se tentasse arranjar inspiração. Eu - Walter Ego - no meio do lotação (do Vila Velha, para ser mais exato) a viver o meu drama: é preciso escrever, pois o patrão me mandou, mas escrever o quê? E eis que em meu socorro veio a realidade e - convertido em testemunha ocular da história - passei a observar os fatos que ocorriam dentro do busão e naquele clima de enlevo, comum dentro dos coletivos desta capital, lembrei-me de fatos já presenciados por mim nos ônibus curitibanos e que a seguir vão narrados por este que vos fala, por escrito (falar por escrito, taí, gostei). Segue a historinha...

O cara ia sentadão lá no fundo do ônibus. Em certa altura, entram no veículo mãe e filha. A mãe deveria ter uns 42 anos, mas tinha uma cara de bruaca que faça-me o favor; a filha devia ter uns 16 aninhos e uma saúde dessas de tirar o chapéu, um corpinho escultural e um rostinho de anjo, ai, ai.

Pra quê? O cafajestão lá do fundo ó, grudou os olhos na mina, e a mãe, que de boba só tinha o molejo, censurou o folgado, ali mesmo, na bucha:

- Tá admirando ela, né? Bonita ela, né?

O rapaz, de bate-pronto, sapecou:

- De fato, muito bonita a sua neta! – e o cara falou isso na mais pura maldade afinal de contas a mulher era feia, mas não parecia avó da garota.

Ah, senhores, a mulher se queimou, com justa razão, onde já se viu?! E daí engrossou com o “cafa”:

- Mas essa é muito boa! Não bastasse devorar minha filha com os olhos agora me xinga de velha! Me xinga de velha! De velha!

Só que a mãe ofendida mal acabou de dizer aí o seu travessão supracitado e foi logo censurada por uma velhinha que estava no banco para idosos, logo depois da catraca.

- Te xingou de velha? Mas desde quando velha é xingamento! Velha não é xingamento, não!

E a velha apresentou, aos berros, seus argumentos e logo ganhou a solidariedade de um rapaz que se encontrava também na cena. Disse o moço, mais solidário que Natal de pobre:

- A senhora está coberta de razão, vovó. E eu, como estudante de Direito, ofereço-me para processar essazinha aí por danos morais e patrimoniais! Eu processo, processo! – vociferava o causídico como se estivesse diante do homicida de sua própria mãe.

Só que, de repente, houve nova manifestação. Outro rapaz, um pouco mais velho, pediu a palavra e se meteu:

- Você é estudante de Direito?
- Sim, declarou-se o moço-solidário.
- Estudante ainda?
- É!
- E vai processar como, se você nem é inscrito na OAB?
- Bem, eu...
- Você é um charlatão, rapaz! E sendo eu advogado, formado pela PUC, devidamente inscrito na OAB, com anuidade paga até dezembro de 2007, dou-te, agora, voz de prisão, por exercício ilegal da profissão!

E tudo isso acontecendo dentro do ônibus que seguia, a duras penas, o seu itinerário.

Enquanto o pau comia lá pelo fundo do veículo, um bom velhinho aproximou-se do cobrador e perguntou:

- Meu filho, onde é que fica o ponto do campo do Atlético? Eu preciso descer no campo do Atlético, ouviu? Do Atlético, ali na Arena, que antes era Joaquim Américo, mas isso já faz tempo. É ali que eu vou ficar, entendeu?

Respondeu o cobrador:

- Ah, vovô, fica a uns cinco ou seis pontos daqui, quando chegar lá eu te dou um toque! Fique frio!

- Ah, então tá bom, filhinho, tá bom, eu te agradeço!

E o pau tomando proporções inomináveis, dantescas, e o motorista, nem aí com aquela guerra, continuava a cumprir o roteiro definido para aquela linha de transporte coletivo urbano.

E lá atrás o caldo já grosso ia entornando de vez:

- Tá preso!
- Velha é a tua mãe, cafajeste!
- Pára de olhar pra minha bunda, gostoso, quer dizer, horroroso!
- Sou estudante da UFPR, melhor que estudar Direito na PUC!
- Processo, sim, tá pensando o quê?
- Charlatão!
- Olha o campo do Atlético, vovô! Olha o ponto do campo do Atlético!
- Vem cá que eu te furo os olhos, debochado!
- Tá no código penal, exercício ilegal da profissão, seu safado!
- Todo mundo um dia fica velha, meu bem, você também vai ficar!
- Olha o campo do Atlético. Olha o ponto do campo do Atlético!
- Pára de olhar pro meu decote, meu amado, quer dizer, tarado!
- Sou estudante da UFPR, melhor que estudar Direito na PUC!
- Processo, sim, tá pensando o quê? Olha a “Persecutio crimini”!
- Lana caprina, Lana caprina!!!
- Charlatão!
- O campo do Atlético passou, vovô! O campo do Atlético passou, vovô! – exaltou-se o cobrador tentando chamar a atenção do velhinho que lhe pedira a preciosa informação!

De repente, fez-se o silêncio (e não foi qualquer silêncio, não: fez-se "o" silêncio!).

E o cobrador, atônito, repetiu:

- O campo do Atlético, passou, vovô! Agora o próximo ponto só lá na praça, só lá no ponto final.

E eis que diante da informação do cobrador, todos esqueceram suas desavenças particulares e se voltaram contra o coitado, usando as piores palavras já inventadas nessa tal Língua Portuguesa.

Resultado da história: o cafajestão se casou com a menina gostosa. A mãe nervosa está aprendendo tricô, com a velha injuriada, para fazer o enxoval do bebê que já está a caminho. O advogado contratou o estudante e hoje ambos trabalham num belo escritório que vende meias Vivarina, facas Ginsu-2000, canetas Penalli, todos os produtos da Avon, além, é claro, de prestar serviços esotéricos tendo como base o Tarô de Marselha. O velho continua pegando o ônibus, diariamente, para ir visitar uma moreninha linda que mora ali perto do campo do Atlético e que tem uns 50 anos menos que ele. O cobrador continua procurando emprego, pois, como se sabe: a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. E com ele não seria diferente!

P.S.: Para quem achou o texto aí de cima muito debochado, apresento deboche verdadeiramente maior: o Sportv - agora há pouco - apresentou reportagem acerca da votação dos "Craques do Brasileirão 2007" e, dentre os craques, no quesito arbitragem, está nada mais nada menos do que Heber Roberto Lopes! Esse sujeito ser apontado como craque do Brasileirão no quesito arbitragem? Ou é deboche ou é sandice! De fato, o povo brasileiro precisa aprender a votar, urgentemente, seja qual for a votação!


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