Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Carta ao irmão coxa-branca

03/11/2007


Flávio, meu querido Irmão coxa-branca. Eis que ocupo esta coluna - da qual você, apesar de ser fervoroso torcedor do time verde, é leitor assíduo e entusiasmado – para lhe apresentar, publicamente, os justos cumprimentos por ocasião do retorno do seu time à Série A do Campeonato Nacional.

É possível que o texto de hoje seja mal interpretado por muitos, principalmente por aqueles que vêem no esporte uma guerra, feita por inimigos mortais, e não por adversários. É possível que os sectários e os fundamentalistas me recriminem achando horrendo o gesto de se estender a mão ao adversário e de lhe reconhecer os méritos. Certamente, serei aterrado pelas mais imerecidas palavras. Assumo o risco.

Irão me chamar - inclusive e principalmente, não tenho dúvidas – daquele nome que assacado contra mim causa maior estrago e ofensa: estou certo, irão me chamar de coxa-branca. “Rafael, você é um coxa-branca!”, mas estou pronto para enfrentar a ira dos injustos, dos superficiais e dos obtusos. Contra os xingamentos vãos que me serão desferidos, ofereço minha biografia, Rubro-Negra de capa a capa, recheada pelas letras que escrevi - e continuarei escrevendo - em defesa e honra da minha paixão: o Clube Atlético Paranaense!

Poderia, sim, me acomodar a um canto e cumprimentar você em casa, no reduto seguro do lar, onde todo Atletiba travado por nós é motivo de vida, e não de morte. Entre nós, há 25 anos, todo Atletiba é sinônimo de vida e de toda beleza que dela emana, como as apostas, o sarrinho saudável, a boa rivalidade e as discussões acaloradas em defesa das cores tão opostas: vermelho e preto X verde e branco.

Poderia, sim, me acomodar a um canto e cumprimentar você em casa, mas não foi isso que aprendi com nossos pais e avós, tampouco é esse o exemplo que dei a você. E é em nome da coragem moral, muito maior e mais rara do que a coragem física, que hoje escrevo esta coluna para lhe cumprimentar pela volta do seu time à Série A do Nacional.

Quis a vida que nós, irmãos inseparáveis, caíssemos de amor por clubes rivais: eu, pelo Clube Atlético Paranaense; você, pelo time verde. E foi assim desde cedo, pois já se vão 25 anos de Atletibas em nossas histórias e a tal rivalidade sempre presente em tudo o que se podia imaginar. Lembra dos jogos de botão? Cara, quantos clássicos inesquecíveis disputamos sobre o “Estrelão”, naquelas tardes e noites da infância!

Lembra dos botões Gulliver? A gente ia às Lojas Americanas, com a mãe, comprar botões e brilhavam diante dos nossos olhos aquelas caixinhas avermelhadas da Gulliver, dentro das quais existiam apenas os “times grandes”, lembra? Era um tal de Flamengo, São Paulo, Corinthians, Cruzeiro, Botafogo e a gente lá – desapontados – buscando em vão uma caixinha do Atlético Paranaense e do Coritiba, e nada!

Uma vez a gente entrou na papelaria e perguntou pra balconista se havia times de botão do Atlético e do Coritiba ao que ela respondeu, quase num deboche: “Ninguém quer Atlético e Coritiba, a piazada quer time de nome!” – e aquilo doeu na gente como se fosse uma bofetada. Até que um dia a vó me deu uma Placar especial do Atlético – As maiores torcidas do Brasil - em 1984, onde vinham adesivos para botões com o escudo do Atlético Paranaense, o número de cada jogador e até o patrocínio da “Pony”. Enfim, pude ter o meu time de botão do Atlético!

Diante da minha alegria e do seu desapontamento por ainda não ter os botões do time verde, o vô embrenhou-se numa busca amalucada por botões do Coritiba, vindo a encontrá-los num sebo, lá perto da Saldanha Marinho, possibilitando-nos disputar os Atletibas sobre o “Estrelão”, palco de clássicos inesquecíveis, invariavelmente vencidos por você, o melhor botonista que conheci até hoje, autor de uma centena de inacreditáveis gols olímpicos.

Passada a fase dos botões – já na adolescência – assistimos aos Atletibas emocionantes que marcaram os anos de 1989 e 1990. Em 1989, Tostão te fez sorrir, enquanto eu esmurrava as paredes do quarto; em 1990, Dirceu te fez calar, enquanto eu soltava o grito de Campeão!

Já adultos, vieram-nos as finais dos emocionantes paranaenses de 1998 (A-TLÉ-TI-CO!!!), 2000 (A-TLÉ-TI-CO!!!) e 2005 (A-TLÉ-TI-CO!!!) e aquela final de 2004 que, honestamente, não vem ao caso, e veio também a alegria indescritível de a gente ser campeão em cima do maior rival. Em 1998, lembro-me bem que passei um mês tirando sarro da tua cara por conta dos três Atletibas finais (um empate no Couto Pereira e duas vitórias maiúsculas do Atlético, no Pinheirão, sendo uma delas pelo placar de 4 a 1).

Em 2000, já na Arena da Baixada, o título veio após o empate de 1 a 1 obtido por nós em gol anotado pelo iluminado zagueiro Gustavo, quase no apagar das luzes daquela partida. Festa suprema! Campeão em cima do time verde, em plena Baixada, nossa casa nova, conquistada após uma vida inteira de dificuldades. Era começo da noite de sábado, em Curitiba, quando a Arena da Baixada, em festa, pôde acolher o seu time e o seu povo num gigantesco abraço de campeão. Só quem viveu sabe contar.

Em 2005, o troco de 1978: Atlético campeão, em cima de vocês, nos pênaltis, com direito a gol de ex-atleta verde. Êxtase, encantamento e a sensação de impotência ao querer descrever uma Odisséia, e não ter palavras para tanto. E a sensação de impotência ao querer descrever uma Epopéia digna de Homero, e ser apenas um Rafael. Tem coisas lindas que eu vivi, e nunca consegui contar. Nossa história, por exemplo, é coisa linda, que me é muitas vezes impossível de contar, pois é sempre aquele nó na garganta.

E, para mim, dentre tantas histórias inesquecíveis, a mais linda é a que passo a narrar. Quando da disputa das finais do Brasileirão de 2001, entre Atlético Paranaense e São Caetano, você – apesar de ser coxa – passou a torcer, provisoriamente, pelo Atlético e para que o Atlético levantasse o título inédito para a galeria Rubro-Negra.

Depois quando eu te perguntei – após a conquista do título - a razão de tanto altruísmo, você me respondeu: “Rafael, você merecia esse título! Não torci pelo Atlético, torci por você, torci para ver você feliz” – e eu já não sabia se chorava de alegria pelo título brasileiro de 2001 – ah, só Deus sabe o quanto esperei por aquela hora - ou por ver um exemplo tão maiúsculo de fraternidade e amor do qual eu era – mesmo sem merecer - o grande credor.

Por essas e outras, Flávio, meu querido Irmão coxa-branca, ocupo esta coluna para lhe apresentar, publicamente, os justos cumprimentos por ocasião do retorno do seu time à Série A do Campeonato Nacional. Nunca consegui ser altruísta como você. Confesso-lhe que torci pela queda do seu time, em 2005. Confesso-lhe que a queda, em 2005, rendeu-me alguns dos momentos mais felizes da minha vida.

Confesso-lhe que torci contra o seu time em todas as partidas da Série B, em 2006, e que a permanência na Segundona, em 2007, renovou-me as alegrias sentidas quando da queda verde, em 2005. Confesso-lhe que em todas as partidas da atual temporada de 2007 da Série B torci contra o seu time, pois vê-los na Segundona sempre me rendeu contentamento e eu não queria abrir mão das minhas sádicas risadas (e nem queria deixar de tirar um sarrinho da sua cara quando vocês jogavam contra os tradicionais CRB, Avaí e Ituano, enquanto nós pegávamos os times do eixão RJ-SP-MG-RS).

Mas apesar da minha torcida contrária, vocês acabaram subindo e eu - mesmo chateado, contrariado e triste – estendo-lhe a mão fraterna para oferecer meus cumprimentos e dizer: Flávio, você merecia subir. Nunca torci pelo time verde – Deus que me livre e guarde, amém! - mas fico feliz ao ver a sua felicidade!

E que o futuro nos traga, doravante também na Série A, outros tantos Atletibas inesquecíveis, como aqueles que marcaram a nossa infância, a nossa adolescência e que marcam nossa atual maturidade. Oxalá cheguemos à velhice juntos. Eu, atleticano; você, coxa.

E aí, quando se aproximar a hora de finalizar minha biografia - Rubro-Negra de capa a capa, recheada pelas letras que escrevi em defesa e honra da minha paixão, o Clube Atlético Paranaense – escreverei, exausto, o último parágrafo: A vida foi para mim um Atletiba, onde as vitórias e as derrotas me ensinaram que o importante mesmo é a gente lutar em busca de um ideal. E se a este ideal estiver ligada a paixão, maior será na vida a chance de a gente ser feliz!

E o Flávio, já velhinho, leitor assíduo e entusiasmado desse tal Rafael Lemos, ao ler o derradeiro parágrafo irá acrescentar a lápis, em caligrafia trêmula: E a gente foi feliz como poucos conseguiriam ser. Fim!


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