Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

As bichinhas

26/10/2007


Estou ficando velho e, como boa parte dos velhos, ranzinza. Ranzinza e saudosista. Ranzinza porque muitas das coisas que antes me passavam despercebidas hoje me enchem o saco de tal forma que Deus que me perdoe. Não suporto, por exemplo, a tal dança do siri e quando aquilo aparece na televisão me dá vontade de quebrar o aparelho.

Quando ligo a tevê e vejo um bando de idiotas – Jackass – protagonizando cenas indignas de um ser humano sob o pretexto de fazer humor me dá vontade de descarregar uma pistola 380 contra a tela, recarregá-la e disparar de novo (antes que alguém me tome por violento, friso que é apenas uma vontade). Humor não existe mais. Ando saudosista, mais até do que ranzinza.

E dentre minhas tantas saudades está, justamente, a programação humorística brasileira dos anos 70 e 80. Ah, bons tempos! Quem viveu a época não esquece. Didi, Dedé, Mussum e Zacarias: Os Trapalhões! Fantásticos, geniais, inesquecíveis. Querem uma amostrinha? Tomem lá: http://br.youtube.com/watch?v=2NhvnXsCkJ8 (Mussum armando uma pindureta).

Mestre Chico Anísio: fosse nascido em Nova Iorque, e não em Maranguape-CE, e teria sido aclamado o maior humorista do Mundo de todos os tempos. Um gênio, criador de mais de 200 tipos. Quem viveu a época não esquece: Coalhada, Painho, Bento Carneiro, Bozó, Justo Veríssimo, Pantaleão, Nazareno, Tavares, Tim Tones, Salomé, Professor Raimundo, etc. Uma amostrinha? Acessem: http://br.video.yahoo.com/video/play?vid=1001687 (Entrevista de uma velhinha emputecida).

E ao falar do Chico Anísio e de sua personagem Professor Raimundo, lembrei-me do Costinha cuja especialidade era contar piadas de bichinhas. Amigos, quando o Costinha resolvia contar piadas de bichas era um festival de trejeitos, gritinhos, caretas, rebolados, voltinhas, caminhadas desmunhecadas e caretas. Era impossível não morrer de rir.

Quando o Costinha iniciava uma piada de bicha, todo mundo se preparava para o riso, como a torcida se preparava para o drible desconcertante nos jogos em que Garrincha estava em campo. Garrincha era garantia de risos e encantamento a cada drible, a cada corrida e a cada parada. Costinha era garantia de gargalhadas a cada piada. Gênios. Saudades. Hoje a gente tem que aturar a pobreza do Pânico na TV, do Casseta e Planeta, do futebol burocrático: tudo uma encheção de saco! Aos mais novos, um pouco do Costinha: http://br.youtube.com/watch?v=RF4T08MfnCU.

E esta semana foi um tal de gremista pedir segurança reforçada para o jogo de volta na Arena, foi um tal de coxa-branca saltitando na arquibancada, de são-paulino levando ferro na Sul-Americana que eu resolvi – em homenagem ao Costinha – contar aqui umas piadas de bichinhas.

A primeira piada é a da bichinha coxa (desculpem-me o pleonasmo). Pois bem...

A bichinha coxa ia saltitando pela Rua XV, em plena madrugada de domingo, cantando, aos berros: “Sai do chão, sai do chão, a torcida do verdão...”. Ia berrando e acordando a cidade inteira. Era só janela acendendo pela rua e nego gritando dos prédios, e a bichinha, toda poderosa, nem aí pra vizinhança: “Sai do chão, sai do chão, a torcida do verdão...”. Até que apareceram dois PMs e grampearam a doida. A bichinha, maluca que só ela, resistiu à prisão: “Me solta, me solta!”, mas os PMs seguraram a bicha verde e ela lá se debatendo igual lombriga em barriga de pobre.

Presa, ela gritou: “Sabem quem eu sou?” – um dos PMs, mais curioso que padre em confessionário, perguntou: “Quem és tu, ó bicha?” e a bicha verde gritou: “Eu sou Deus!”. Ah, pra quê? Os PMs eram evangélicos e não iam deixar a bicha usar o nome de Deus em vão!

Pegaram a coitadinha, levaram pra delegacia e, com a ajuda de Tião Chapeleta de Aço, começaram a prensa: “Você é o quê?” – e a bichinha orgulhosa que só ela: “Sou Deus!”. Aí mergulharam a cabeça da bicha, pela primeira vez, no balde de água gelada de onde só sairia vinte segundos depois. Tornaram a perguntar: “Você é o quê?” – e a bichinha resistente que só ela: “Sou Deus!”. Aí mergulharam a cabeça da bicha, pela segunda vez, no balde de água gelada de onde só sairia trinta segundos depois.

“Você é o quê?” – perguntaram os PMs ao que a bichinha, já menos valente, respondeu: “Sou o Evangelino Neves!” – aí um dos PMs sentenciou: “Essa bicha ainda tá muito melagomaníaca!" – tudo bem, o PM se atrapalhou com a palavra, mas foi por causa da emoção – e ordenou mais um caldo. Mergulharam a cabeça da bicha no balde de água gelada de onde só sairia um minuto depois, quase morta, toda roxa.

“Você é o quê?” – e a bichinha coxa, entregue pros paraguaios, confessou: “Eu sou o Gionédis, eu sou o Gionédis!” – e aí é que foi o grande azar da bicha. Ao dizer que era o Gionédis, os dois PMs, cheios de ódio, caíram de porrada em cima da bicha, pois, pro azar da gazelinha afogada, os dois representantes da Lei eram coxas daqueles de pular na arquibancada, aos gritinhos de: “Sai do chão, sai do chão, a torcida do verdão!” e eles morriam de raiva do Gionédis e, convenhamos, razões para isso não lhes faltavam.

A segunda piada é a da bichinha gremista...

Pois bem. Todos sabem que o Rio Grande do Sul, no futebol, é dividido em duas cores: azul e vermelho sendo nisso muito parecido com o Estado do Amazonas que é dividido também em azul e vermelho por causa dos bois Garantido e Caprichoso. A única diferença é que no Amazonas tem apenas um chifrudo no lado azul e outro no lado vermelho.

Então vão vendo. O gaúcho andava pelo Balneário Camboriú todo orgulhoso e pilchado (pra quem não sabe, a pilcha é a roupa de baiana do Gaúcho macho). Pois é, estava lá o gaúcho, com sua pilcha azul, pois ele era gremista, andando pelas calçadas de Camboriú, quando avistou um catarinense típico, tradicional, daqueles que não resta a menor dúvida.

Daí, numa atitude provocativa, própria da classe gaudéria, o gaúcho - pilchado de azul pra mostrar que pertencia à metade gremista do “Sul é o meu País” - interpelou o catarinense: “Tu sabes quem foi o maior macho da história de Santa Catarina, tchê?” – e o catarinense, numa humildade quase comovente, respondeu “Não”. Aí o gaúcho, de peito estufado de orgulho e silicone, berrou: “O maior macho da história de Santa Catarina foi Anita Garibaldi!” – e se vergou numa gargalhada histérica, quase a ponto de parir um bezerro.

Amigos, o catarinense, num ímpeto cívico, indignou-se, levantou a cabeça, botou o dedo na cara do gaúcho e perguntou: “E você sabe quem é atualmente o maior macho do Rio Grande do Sul, seu viado?”. O gaúcho, com os três olhos arregalados de espanto, perguntou num fio de voz: “Quem?” – ao que o catarinense respondeu mais áspero que calcanhar de mendigo: “Atualmente, o maior macho do Rio Grande do Sul é a Yeda Crusius! É a Yeda Crusius!” – e falou isso com tanta macheza que quase desbancou a Anita Garibaldi do posto de maior macho de Santa Catarina.

A terceira piadinha é da bichinha são-paulina...

A bichinha tricolor, toda posuda, passou a semana inteira na repartição se vangloriando do time pra cima dos corinthianos santistas e palmeirenses: “Meu São Paulo vai em busca do único título que falta na sua extensa galeria de troféis (bicha e burra, falou troféis). Vamos levantar o caneco da Sul-Americana 2007!”.

Os adversários já de saco cheio e a bichinha cantarolando o hino, botando fotografia do Rogério Ceni como plano de fundo do computador, uma viadagem daquelas. Só que daí, o São Paulo perdeu. Levou ferro no Morumbicha e levou cacete no jogo de volta, sendo eliminado da competição ao ser derrotado pelo Millonarios, time da Colômbia.

No dia seguinte, a bichinha tricolor chegou à repartição toda cheia de olheiras, mais deprimida que almofada de gorda e aí os colegas caíram matando: “Levou pau do Millonarios! Levou pau do Millonarios!”. Mas vocês pensam que a bichinha tricolor perdeu a pose? Que nada: estufou o peitinho cheio de silicone, olhou pros colegas corinthianos, santistas e palmeirenses e atacou: “Meus amores, levei pau, mas levei pau de Millonarios. Pior são vocês que levam pau de maloqueiros, borracheiros, flanelinhas, motoboy, auxiliar de escritório! Vocês são pobres! Eu? Eu sou rica, bem! Sou rica. Levo pau, mas só de Millonarios!”. E saiu toda rebolativa, cantarolando o hino do clube.

Como diria o Jabor: “Antigamente o homossexualimo era proibido no Brasil. Depois passou a ser tolerado. Hoje é aceito como coisa normal. Eu vou-me embora antes que passe a ser obrigatório”.

P.S.: Esta coluna não se aplica aos coxas-brancas e gaúchos que sejam meus amigos. Aplica-se a todos os tricolores, pois não tenho amigos são-paulinos. O texto não se aplica aos meus amigos catarinenses, gente boa e cordial. Este texto não deve ser entendido como incentivo à violência ou à discriminação seja ela de qualquer natureza.

TODA DISCRIMINAÇÃO É BURRA E É CRIME!


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