José Henrique de Faria

José Henrique de Faria, 74 anos, é economista, com Doutorado em Administração e Pós-Doutorado em Labor Relations nos EUA. Compareceu ao primeiro jogo do Clube Atlético Paranaense em 1950, no colo de seu pai. Seu orgulho é pertencer a uma família de atleticanos e ter mantido a tradição. Foi colunista da Furacao.com entre 2007 e 2009.

 

 

Se

15/10/2007


Na semana retrasada fui dar uma volta na Boca Maldita, de cuja confraria sou conselheiro. Lá, fui apresentado, por um amigo comum, a um ex-jogador de futebol e hoje comentarista de rádio e TV . Trata-se do SE. Não sei se todos lembram ou já leram a respeito, mas o SE foi um atleta fantástico. Eu já tinha ouvido muito falar dele, de suas virtudes, de sua capacidade. Inclusive, tive oportunidade de ver vários vídeos em que SE aparecia. Um craque. Como comentarista, às vezes o ouço falar, mas pelo jeito ele nem sempre fala como jogava.

Lembro do SE naquela jogada em que SE a bola não tivesse batido na trave, teria sido um belo gol. E aquela outra, então! SE o goleiro não desvia a bola com a ponta dos dedos ela teria entrado na gaveta. Tem mais uma, que foi de deixar qualquer torcedor muito bravo. SE o auxiliar não tivesse assinalado, diga-se de passagem, erroneamente, aquele impedimento, teria sido uma das mais belas jogadas bem trabalhadas da história do futebol. Isto tudo eu vi em vídeos. Ninguém me contou!

Pois o SE, quando virou comentarista, passou a dar opiniões tão sensacionais quanto estas jogadas que mencionei. Na verdade, SE fez escola e hoje são muitos os seus admiradores e seguidores. SE é um modelo para muita gente. Entretanto, eu tenho lá minhas cautelas. Uma das suas opiniões com a qual eu mais me incomodei foi justamente sobre o Atlético Paranaense, meu clube de coração (de coração, de razão, etc.). SE não tivesse cedido o empate naquele jogo fatídico contra o Grêmio Portalegrense nos últimos minutos, após estar vencendo por 3x0 e SE tivesse vencido o Botafogo, que, como o Grêmio, estava segurando a rabeira da tabela de classificação, teria sido bi-campeão brasileiro de futebol. Confesso que este SE me deixou chateado com tais lembranças.

Outra opinião do SE que também me incomodou foi aquela sobre a Libertadores. SE o São Paulo não tivesse sido covarde e SE tivesse jogado a primeira partida na Arena, o Atlético Paranaense teria sido Campeão da Libertadores. Para me deixar mais aborrecido ainda, SE afirmou que SE um determinado dirigente não tivesse tido tanta inveja e SE tivesse informado a CONMENBOL que o seu estádio poderia continuar sendo o nosso quintal, as coisas poderiam ter sido diferentes. Esta foi difícil.

Confesso que, pessoalmente, SE me pareceu um sujeito simpático, bem humorado, embora um tanto fatalista e às vezes pessimista demais. Enquanto tomávamos um cafezinho SE fez uma análise, a seu estilo, é claro, do futebol atual. Falou muito dos árbitros, dos dirigentes e dos jogadores. SE os árbitros fossem competentes; SE os dirigentes planejassem melhor; SE os bons jogadores não fossem para o exterior, SE os patrocínios fossem bons, o Campeonato Brasileiro seria melhor do que o italiano e o espanhol, disse SE.

Para alimentar nossa conversa sobre generalidades, perguntei a SE, a partir de toda a sua experiência, o que ele achava do Atlético Paranaense hoje. Afinal, SE não apenas foi um atleta, mas era um respeitado formador de opinião. SE não se fez de rogado e foi logo fazendo seu famoso discurso.

SE o Atlético Paranaense, disse SE, não tivesse tomado aquele gol bobo no Mineirão contra o Atlético Mineiro; SE não tivesse perdido em casa para o Goiás que não ganhava de ninguém; SE tivesse ganho aquela partida fácil contra o Fluminense na Arena; SE não tivesse empatado contra o Náutico na Arena, quando o Náutico estava na pior; SE não tivesse sido um dos dois clubes a perder para o América em Natal; SE tivesse ganho do Figueirense em casa no segundo turno; SE o árbitro não tivesse assinalado aquele pênalti inexistente contra o Internacional no Beira-Rio, o Atlético Paranaense estaria com 53 pontos, quer dizer, em segundo lugar no Campeonato. SE disse isto antes do emocionante jogo contra o Vasco. Depois, SE começou a falar dos pontos que o São Paulo ganhou, mas que SE não fosse devido à sorte, poderia ter perdido.

Realmente, sua análise é uma viagem pelo imaginário sonhador. Há tempos eu não escutava uma análise tão “lúcida”. E assim continuamos conversando sobre futebol e outras amenidades. Perguntei se SE havia ido aos jogos contra o Paraná, Atlético Mineiro, Botafogo e Palmeiras na Arena e ele me disse que não. Isto confirmou minha tese sobre SE desde o momento que eu o conheci: SE era uma espécie de azarado, pois todo o jogo que ele ia o SE aparecia e sempre contra nós.

Ao me despedir, SE me olhou fixamente e disse que SE focinho de porco fosse tomada seria difícil ver televisão. Muito engraçado! Ri apenas para não perder o amigo que acabara de fazer. Não resisti e lhe perguntei: além de ex-jogador e comentarista, você também pretende ser “filósofo” do futebol? SE deu um sorriso enigmático e não me respondeu.

Domingo, fui almoçar na churrascaria na Arena e depois fui torcer pelo meu Atlético Paranaense contra o Vasco. Foi complicado, mas no final foi muito bom. A torcida, mais uma vez, foi de emocionar. Quando voltei para casa, voz rouca de gritar “Atlético”, toca o telefone. Adivinhem! Era o SE. Foi logo dizendo: SE o goleiro do Vasco não falhasse... Nem deixei SE terminar de falar. Perguntei. Você foi ao jogo SE? Não, disse ele. Andei pelo Nordeste. Estive em Recife e fui comentar o jogo contra o Náutico. Depois fiquei por lá e fui para Fortaleza e depois para Maceió. Estou telefonando aqui de Floripa, disse SE. Minha tese se confirmou de vez: se SE não é um pé frio, é um quase. Não resisti e voltei a perguntar a SE: você é um “filósofo” que acredita que é a idéia que cria a realidade? SE me respondeu: Até que meio quase não. Quanto mais, principalmente!

Aí, não dá. Desliguei o telefone e continuei comemorando a realidade sem SE. Afinal, com esta torcida, com garra e certo padrão de jogo da era Ney Franco, o Atlético Paranaense pode não ser um primor de time, pois tem lá suas deficiências, mas voltou a nos fazer ter satisfação de ir ao jogo, cantar, gritar, buzinar e voltar para casa mais alegres esperando a próxima vítima na Arena. Na Arena, porque ainda precisamos cantar de galo no terreiro do vizinho.

Na sexta-feira empatamos com o Juventude. Menos mal. No sábado, fui para Florianópolis visitar meu filho Alexandre e minha nora Josi e curtir minha futura neta, Estela, que se prepara para chegar em janeiro. Domingo cedo, toca e celular. Era o SE. Rapaz, disse ele, SE não fosse o Viáfara... Perguntei de pronto ao SE: você foi comentar o jogo em Caxias? Não, respondeu ele. Acompanhei pela TV a cabo. Fui designado para comentar o jogo de sábado em Curitiba. Sinceramente, pensei eu, não desejo torcer contra ninguém (isto é só um modo de falar. Vocês entendem, não é?), mas que o SE continue a comentar os jogos dos outros times da terrinha e nos deixe seguir nossa vida em paz rumo a lugares mais nobres!

* - Este comentário vale-se de recursos metafóricos de argumentação e não se refere a nenhum ex-jogador e comentarista em particular.


Este artigo reflete as opiniões do autor, e não dos integrantes do site Furacao.com. O site não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.