Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Em nome de Deus, peço paz

08/10/2007


Hoje, lendo o site da Placar, deparei-me com uma matéria de impacto, da lavra do Jornalista Ivan Azevedo, e que, pela relevância – e recorrência – do tema, faço questão de transcrever, na íntegra (http://placar.abril.com.br/materias/organizadas):

TORCIDAS ORGANIZADAS

Ódio, ignorância, intolerância. Conheça os detalhes da invasão do quartel-general da torcida organizada Gaviões da Fiel pelos são-paulinos da Independente. Uma história que começou com uma bola de bilhar - Por Ivan Azevedo

No fim do jogo, os integrantes da Torcida Independente entraram no ônibus e pegaram a estrada para a capital. Já dentro da cidade, por volta da 1 da manhã, saíram da Marginal Tietê e pegaram a avenida Rudge, no bairro do Bom Retiro, em direção ao centro, de onde cada um acreditava que iria para casa. Pouco à frente, porém, cerca de 80 corintianos da torcida Gaviões da Fiel esperavam o ônibus são-paulino. Os alvinegros armaram a emboscada em frente à sede da instituição cristã Legião da Boa Vontade (LBV).

Quando avistaram o ônibus com os são-paulinos, os "gaviões" tentaram pará-lo colocando-se à frente do veículo. As boas-vindas foram dadas com uma bola de bilhar, que estourou o pára-brisa do ônibus. Dionísio, o motorista, levou uma chuva de estilhaços. Como havia poucos integrantes e mulheres entre os torcedores, líderes da Independente ordenaram a Dionísio que arrancasse com o veículo.

Poucos dias depois do incidente, um muro localizado em frente à bilheteria principal do estádio do Morumbi apareceu pichado com os seguintes dizeres: "LBV 24/01/2007 É NÓIS Q. TÁ!". A frase remete à chapa política que foi derrotada na última eleição à presidência da Gaviões da Fiel, informando assim qual grupo protagonizara o “feito”. A mensagem com local e data da emboscada, acompanhado da frase cifrada, era uma provocação explícita aos são-paulinos. Um lembrete como quem diz: "Correram da briga!".

Dezoito dias depois do arremesso do caso LBV aconteceria o primeiro clássico do ano entre as equipes. A Independente queria vingança, mas o tempo era curto para planejar a ofensiva. Assim, a tropa de choque fixou a revanche para o dia do confronto seguinte: 14 de julho de 2007, um sábado.

A VINGANÇA

Na sexta-feira, véspera do clássico, integrantes da Independente discutiam na sede, localizada na Rua 24 de Maio, que o ataque aos corintianos seria ousado. Os são-paulinos escolheram enfrentar o maior "bonde" — como são chamados os grupos de torcedores brigões — da Gaviões da Fiel em seu próprio quartel-general. O local onde os alvinegros se encontram é em frente ao Sport Club Corinthians, mais precisamente no bar São Jorge.

O jogo estava marcado para as 20h30. Os "independentes" se juntaram no largo do Paissandu, no centro de São Paulo, por volta das 14h. Os líderes da operação ajustavam as últimas funções para os carros — eram pelo menos três veículos. Apesar de a maioria ir de metrô ao local da briga, os carros tinham papel fundamental. Eles passariam algumas vezes em frente ao bar para saber o número de "inimigos". Nos porta-malas estavam as armas: 20 barras de ferro e 30 cabos de enxada sem a parte de aço.

Às 16h20, o grupo de são-paulinos saiu do centro e pegou o metrô na estação República, seguindo em direção à zona leste. Eram aproximadamente 90 pessoas. O grupo se espalhou na plataforma da estação República do metrô. A intenção era não formar grandes grupos, para não atrair a atenção dos policiais — em dias de clássico, eles fazem patrulha preventiva no metrô.

Os automóveis chegaram primeiro e começaram a passar em frente ao bar São Jorge. Um carro da Polícia Militar estava estacionado no local. Segundo os “independentes”, eram cerca de 80 corintianos no bar.

No metrô, os são-paulinos desceram na estação Carrão e tomaram a avenida Celso Garcia. Nesse trajeto, os carros carregados pararam e abriram os porta-malas para a torcida se armar. Algumas barras estavam pintadas de vermelho, branco e preto. Os "independentes" seguiram pela Rua São Jorge, chegando próximo à Rua Santa Elvira, onde fica o bar São Jorge.

"NÃO É PRA MATAR"

Ao avistarem os são-paulinos, os corintianos começaram a gritar: "É os caras! É os caras!" (sic). O ataque começou. Alguns "gaviões" passaram a jogar garrafas de cerveja nos "independentes", outros entraram no bar para se proteger. A maioria, porém, correu. Os policiais que estavam no local chamaram reforços e começaram a disparar balas de borracha nos são-paulinos, sem muito efeito. A pancadaria teve início com um integrante da Gaviões que demorou a correr e acabou espancado. Quando os primeiros corintianos ficaram pelo chão, surgiu a ordem de um dos líderes da Independente: "Não é pra matar! Não mata!".

Muitos alvinegros começaram a pular o muro para dentro do clube do Corinthians. Outros carros da Polícia Militar chegaram rapidamente, já que o 8º Batalhão da PM fica próximo dali. Muitos tiros de borracha começaram a acertar os “independentes”, que continuavam atrás dos corintianos.

Um são-paulino foi alvo de cinco balas de borracha no peito. Mas a polícia não conseguiu o efeito necessário. Segundo alguns "independentes", os policias começaram a dar tiros de verdade para o alto, e só aí conseguiram efeito intimidador. Ao ouvirem os tiros, três são-paulinos entraram em uma academia de ginástica perto do bar. No início, os funcionários do local não queriam deixá-los entrar, até que um dos são-paulinos implorou: “Se eu sair, eu morro!” O grupo ficou dentro da academia até as 20h.

Os são-paulinos contam que sempre usam a mesma tática na hora de fugir. Logo após as brigas, se separam e cada um vai para um lado para tentar escapar da polícia. Alguns pegam táxi, outros entram no primeiro ônibus que aparece, outros pedem carona e alguns são resgatados pelos motoqueiros e pelos carros que, antes da briga, vigiavam os inimigos.

Dos cerca de 90 torcedores são-paulinos envolvidos na briga, 21 foram presos para averiguação. Outros 23 corintianos também foram detidos. Todos ficaram até quase 22h no 52º Distrito Policial. Quatro torcedores já tinham passagem pela polícia por outras brigas de torcida. Outros três corintianos foram levados ao Hospital Tatuapé, próximo ao local da briga. Apenas um deles, Piratini Tapejara de Salles Junior, conhecido como Pirata, foi internado em estado grave devido ao traumatismo craniano causado pelos golpes desferidos com barras de ferro.

Um são-paulino, Marcos Alves Afonso, foi autuado em flagrante. No dia 30 de julho, o promotor Raul de Godoy Filho denunciou-o por tentativa de homicídio duplamente qualificado — motivo fútil e agressão sem chance de defesa. "Se ele for condenado, pode pegar de oito a dez anos de prisão", diz Godoy Filho, que solicitou a permanência do são-paulino na cadeia enquanto responde ao inquérito.

A polícia ainda investiga o caso e tenta enquadrar os torcedores que foram detidos na averiguação no dia 14 de julho em artigos como rixa, desordem e depredação do patrimônio público. Enquanto isso não acontece, eles continuam indo aos estádios normalmente.

Nota da redação: a assessoria de imprensa da torcida Gaviões da Fiel se manifestou a respeito do incidente. De acordo com o comunicado enviado à Placar, os envolvidos não faziam mais parte da torcida na ocasião do confronto”.


Pois bem. Ao ler essa matéria, senti medo. Mais do que isso, senti medo e revolta. Futebol não é violência e amor nenhum pode ser medido – ou demonstrado – na porrada! O relato trazido a público pelo jornalista da Placar é a prova cabal de que a vida, para alguns, não vale nada. E quando a vida – nosso bem maior – passa a não valer nada, alguma coisa precisa ser feita com urgência.

Os mais exaltados defendem a extinção das Organizadas. Os mais sensatos defendem a organização delas, pois muitas ostentam o nome “organizadas” sem merecê-lo, porque, na verdade, são um amontoado de torcedores irresponsáveis e violentos dispostos a praticar seus crimes sob o manto da impunidade ou sob a proteção de uma bandeira que eles juram amar, mas que, de fato, apenas cobre atos dignos de cadeia e não de arquibancada.

E o pior é que na hora que a desgraça acontece, é comum alguém vir a público, em nome de uma organizada, e – à Pôncio Pilatos – lavar as mãos dizendo: “Os envolvidos não faziam mais parte da torcida na ocasião do confronto” – e dito isso todo o resto é impunidade. Esse estado de coisas não dá mais para suportar!

Particularmente, defendo as torcidas organizadas – sempre as defendi - pois reconheço nelas a expressão maior da explosão de alegria, reconheço nelas a legitimidade de gritar um gol, reconheço nelas a alma do verdadeiro torcedor que pinta o rosto para ir ao estádio com as mesmas cores que carrega no coração.

Sinceramente, acho que o futebol sem as organizadas perde muito de sua beleza e de sua força. Apesar de não ter vínculo com nenhuma delas – sempre fui apenas um admirador da beleza que proporcionam – defendo a existência de cada uma das organizadas de nossa capital e aqui defendo as facções dos três clubes de Curitiba.

Defendo as torcidas organizadas porque elas promovem ações sociais e humanitárias de inegável importância, como costuma acontecer em Curitiba com as principais facções da cidade: Os Fanáticos, Ultras do Atlético, Império Alviverde e Fúria Independente.

Essa rapaziada promove campanhas fantásticas de doação de sangue, de arrecadação de brinquedos, de roupas, de alimentos, além do grito forte que empurra seus times durante as jornadas mais espinhosas. Essa rapaziada merece todo o nosso aplauso, todo o nosso respeito, mas é preciso que os dirigentes dessas organizadas estejam cientes da enorme responsabilidade que eles têm.

Futebol é paixão e toda paixão reclama freios. Cabe aos dirigentes das organizadas serem os habilidosos comandantes de suas massas, ora acelerando o grito, ora arrefecendo o passo. É preciso cuidado nos critérios que estabelecem o ingresso dos associados. É preciso que se saiba ao certo – com nome, RG, CPF, endereço e domicílio – quem será o integrante a vestir a camiseta da organizada.

Repito: a sociedade – depois de uma desgraça – não vai aceitar ouvir a batida desculpa “Os envolvidos não faziam mais parte da torcida na ocasião do confronto” e agora, mais do que nunca, vivemos dias de forte paixão clubística pelas ruas.

O Atlético tem lotado a Arena na bonita recuperação que está protagonizando. O Coritiba, lutando por um espaço na Série A, tem enchido o estádio. O Paraná – lutando por sua permanência na Elite – não medirá esforços para lotar a Vila e receber o incentivo do seu torcedor. Tudo isso é fantástico, desde que o respeito à vida prevaleça, sempre.

Confesso que tenho medo que os maus exemplos vindos de algumas “organizadas” de centros como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte contaminem alguns espíritos mal formados aqui da nossa Curitiba. Tenho medo que algum marginal – travestido de torcedor – adira às práticas criminosas de outros bandidos travestidos com as camisas dos clubes dos grandes centros. Tenho medo que uma laranja podre ponha a perder o trabalho bonito da rapaziada boa dos Fanáticos, da Ultras do Atlético, da Império Alviverde e da Fúria Independente.

Futebol não é violência! Amor nenhum pode ser medido – ou demonstrado – na porrada! Futebol é esporte, é o sarrinho saudável que a gente tira da cara do amigo que perdeu o clássico, é a brincadeira entre colegas de trabalho, é a eterna discussão em torno de quem tem a maior torcida, a mais vibrante, o título mais importante, o estádio mais moderno, a camisa mais bonita, o maior craque do Estado, a estrela mais amarela, o recorde de público. Tudo isso é bom demais, tudo isso faz parte da vida e a vida é o nosso bem maior, presente lindo e generoso que nos foi dado por Deus. E é em nome Dele que eu peço paz!


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