José Henrique de Faria

José Henrique de Faria, 74 anos, é economista, com Doutorado em Administração e Pós-Doutorado em Labor Relations nos EUA. Compareceu ao primeiro jogo do Clube Atlético Paranaense em 1950, no colo de seu pai. Seu orgulho é pertencer a uma família de atleticanos e ter mantido a tradição. Foi colunista da Furacao.com entre 2007 e 2009.

 

 

Racionalismo aplicado

12/09/2007


Existem dois tipos de torcedores que, às suas maneiras, alimentam estranhos cenários. Os pessimistas, que independentemente do desempenho do time sempre acreditam que nada dará certo, que o pior está por vir, que o futuro é sombrio e que o desastre é certo. A desgraça é o seu lema. Os otimistas, que apesar do mau desempenho do time sempre acreditam que tudo vai melhorar no próximo jogo, que a primeira vitória depois de cinco derrotas seguidas representa a certeza de uma recuperação segura, que negando as evidências acham que tudo será resolvido quando nada indica que assim será. São tipos esquisitos, excêntricos. Um não sabe conviver com o sucesso e o outro não sabe lidar com a dor da derrota. Nenhum dos dois nos serve, nenhum deles é bom conselheiro.

O filósofo Gaston Bachelard nos fala em “O racionalismo aplicado”, publicado em 1949, sobre a necessidade de que a razão atue entre a experiência e a teoria. É preciso que a pessoa possa se situar em uma posição em que o domínio da realidade é dado pela compreensão precisa da situação que ela pretende conhecer e é deste modo que a pessoa determina com mais rigor sua experiência. Se todos pudéssemos parar para refletir sobre isto, seria mais simples encarar a verdade de frente, não alimentando ilusões e fantasias, de um lado, nem tampouco desgraças e horrores, de outro.

O time de futebol profissional do Clube Atlético Paranaense neste ano de 2007, na atual situação, é tecnicamente frágil. Perdemos nossa grande referência, Alex Mineiro, e não achamos ningém à sua altura. Continuamos com o velho drama dos laterais ou alas, como queiram, que são fracos nos fundamentos (cruzamento, jogadas de linha de fundo, passes, dribles e marcação). Com a chegada do Ney Franco já se pode ver um novo esquema de jogo, uma nova vontade de jogar, o que aponta para um cenário em que se vislumbra a possibilidade de escapar da zona de rebaixamento. Mas, é preciso contratar urgentemente jogadores competentes pelo menos para as duas funções mencionadas.

No ataque, é realmente impressionante a capacidade que os atacantes possuem de perder gols feitos, ou de matar jogadas por erros básicos (por exemplo, chutam quando deveriam passar e passam quando poderiam chutar). Não há treinador que possa fazer milagres. Não sabemos ainda do que são capazes os novos atacantes contratados, inclusive o recém anunciado Marcelo Ramos, mas torcemos muito para que resolvam nossos problemas de finalização e não sejam decepções como tantas outras.

Na gestão de futebol profissional, a solução encontrada, nas circunstâncias, foi a melhor. Portanto, o que nos manda o racionalismo aplicado de que falava Bachelard, é admitir que estamos melhores agora do que estávamos até há algumas semanas, mas que temos uma equipe tecnicamente frágil e deficiente e não há treinador que possa fazer com que os jogadores joguem mais do que podem e sabem. Reconheçamos que os jogadores estão todos empenhados, ou seja, não é por falta de esforço e de vontade que o Clube Atlético Paranaense se encontra na situação em que está.

Tampouco adianta escrever colunas enaltecendo duas vitórias seguidas como se, finalmente, fossemos superar as dificuldades e alcançar o céu, apenas para criar um clima de otimismo e para motivar a torcida. Nossa torcida não precisa de motivação. Nós sabemos nosso papel. Os jogadores estão cientes do que devem fazer. Todos estão empenhados. Mas, é sempre importante não esquecer: estamos pagando, e muito caro, por erros cometidos no planejamento do ano. O time é este. Precisamos completá-lo para almejar alguma coisa melhor do que lutar para não ter que decidir a permanência na primeira divisão baseado em critérios de desempate.

Sejamos realistas. Das treze partidas que nos restam, pegamos em casa cinco nada fáceis: Palmeiras, Botafogo, Vasco, Grêmio e São Paulo. Não significa que não possamos vencer estes times. Não significa que não possamos vencer todos estes jogos. Mas, é preciso reconhecer que há possibilidades de que isto não ocorra. Fora de casa, pegamos pelo menos três difíceis, até mesmo pelas circunstâncias: Cruzeiro, Corinthians e Flamengo. Sobram cinco partidas. Em casa teremos Paraná, América e Sport. Fora, teremos Náutico e Juventude.

As projeções indicam, por hora, tomando como base um aproveitamento de 43%, que o Clube Atlético Paranaense necessita, no mínimo, para não depender de ninguém, somar mais 17 pontos, ou seja, algo como 5 vitórias e 2 empates ou qualquer outra combinação, ainda que seja preferível a vitória em caso de desempate. Não é tão difícil como parece, mas não é tão fácil em se tratando do time que temos. Com 17 pontos alcançaríamos 46, ou seja, um aproveitamento de 40%. Até o monento, nosso aproveitamento foi de 38,7%. No ano de 2006, o Palmeiras escapou do rebaixamento com 44 pontos, ou seja, com 38,6% de aproveitamento, enquanto o Clube Atlético Paranaense ficou em 13º. lugar com 48 pontos e 42% de aproveitamento. Com 40% de aproveitamento, o Atlético Paranaense passaria os próximos 13 jogos lutando nos últimos lugares para se manter na primeira divisão e torcendo para que seus adversários diretos, Juventude, Náutico, Flamengo, Paraná, Figueirense e Atlético Mineiro tenham um desempenho relativamente pior que o seu próprio. São três vagas em aberto para a segunda divisão, já que o América parece ter se apoderado de uma delas.

Sem nenhum pessimismo aterrorizante e nenhum otimismo infantil, resta-nos seguir em frente, com nosso racionalismo aplicado na análise dos fatos e com nossa incomparável paixão e entusiasmo na torcida durante o jogo, para mais uma vez ajudar o Atlético Paranaense a sair da situação em que se encontra, porque independente de quem o colocou lá, nenhum de nós deseja que ele fique onde está. Temos que fazer o que devemos fazer.

Conta-se que um monge e seus discípulos iam por uma estrada e, quando passavam por uma ponte, viram um escorpião sendo arrastado pelas águas. O monge correu pela margem do rio, meteu-se na água e tomou o bichinho na mão. Quando o trazia para fora do rio o escorpião o picou. Devido à dor, o monge deixou-o cair novamente no rio. Foi então à margem, pegou um ramo de árvore, voltou outra vez a correr pela margem, entrou no rio, resgatou o escorpião e o salvou. Em seguida, juntou-se aos seus discípulos na estrada. Eles haviam assistido à cena e o receberam perplexos e penalizados.

Mestre, o Senhor deve estar muito doente! Por que foi salvar esse bicho venenoso? Por que não deixou que se afogasse! Veja como ele respondeu à sua ajuda: picou a mão que o salvava! Não merecia sua compaixão!

O monge ouviu tranqüilamente os comentários e respondeu:

Ele agiu conforme sua natureza e eu de acordo com a minha.


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