Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Renovar é preciso

31/08/2007


Nasci em 1975, cem anos depois do previsto. Sou velho - pelo menos, sinto-me velho - era pra eu ter nascido em 1875, mas, sabe-se lá por que, nasci com esse atraso secular. Não é fácil viver num século diferente do nosso, principalmente quando se está cem anos atrás dos outros, contudo, vou vivendo, dia após dia, tirando o atraso.

Aparentemente, estou adaptado aos tempos modernos. Utilizo o computador e todas as suas engenhocas internas e externas (os softwares, hardwares, pendrives e outros agregados que promovam os upgrades e os ganhos de velocidade web afora). Durante bom tempo utilizei o celular, como manda o figurino: tirei fotos, enviei e-mails e torpedos, baixei músicas, consultei a previsão do tempo, passei café expresso e – numa exploração avançadíssima de suas funções – fiz e recebi ligações.

É engraçado a gente testemunhar a popularização do uso dos celulares justamente numa época em que as pessoas têm tão pouco a dizer às outras – conforme pude constatar durante as ligações móveis por mim recebidas (quanta bobagem!). Por isso, preferi desabilitar o aparelho em homenagem à absoluta falta de assunto que me interessasse.

Dos tempos em que portava o celular, restou-me uma sentença irrecorrível: o que liga duas pessoas falando ao celular não é a radiofreqüência, e, sim, a futilidade (embora eu reconheça que há poucas e louváveis exceções nesse grupo. Porém, de resto, é uma gente fútil, uma gente que fala, fala, e não diz nada).

Aparentemente, estou adaptado aos tempos modernos. Visto ternos fabricados em série, mas comprados nas boas lojas do ramo, e sinto uma saudade enorme dos tempos em que ia ao alfaiate, tirava as medidas, escolhia o tecido e o corte. Bons tempos. A gente comprava o tecido na Hudersfield – ali perto da Biblioteca Pública - e depois tínhamos a Rua XV à disposição, servida pelo melhores alfaiates da cidade.

Eu costumava ir ao saudoso Rodrigues, ali na Praça Osório, décimo andar, onde era recebido com um abraço quase paterno, até porque o Rodrigues era um velho amigo da família, tendo em sua clientela meu pai, meu avô, tios, primos e outros tantos amigos que invariavelmente encontrávamos por lá quando de nossas visitas. Saudades, coisa de velho: nasci em 1975, cem anos depois do previsto. Sou velho, antiqüíssimo, ancião. Nasci com esse atraso secular, nem sei por quê.

Esses dias, concentrado em frente ao computador, ia redigindo lá um parecer jurídico acerca de licitações, contratos e convênios. Concentrado no tema, e desligado dos amigos que estavam a minha volta, ia escrevendo e cantarolando as minhas músicas de sempre, dessas que compõem a trilha sonora permanente que toca na cabeça de um homem.

Desligado de tudo, eu ia cantando: “Bate outra vez, com esperanças o meu coração, pois já vai terminado o verão, enfim. Volto ao jardim, na certeza que devo chorar...”. Depois emendei: “Rua Nascimento Silva, 107, você ensinando pra Elizete as canções do Canção do Amor Demais. Lembra que tempo feliz, ai, que saudade, Ipanema era só felicidade, era como se o amor doesse em paz”. E uma terceira: “Acabou o nosso Carnaval, ninguém ouve cantar canções, ninguém passa mais brincando feliz e nos corações saudades e cinzas foi o que restou". Quando me dei conta, estavam olhando pra mim, horrorizados: o Renato, a Raquel e a Gisele – todos os três na casa dos quarenta e oito, quarenta e nove anos. Percebendo que a surpresa deles tinha a ver como meu vetusto repertório, tentei disfarçar: “Me namora, pois quando eu saio sei que você chora, e fica em casa só contando as horas, reclama só do tempo que demora, abre os braços vem e me namora”.

Foi em vão. Eles, entre risadas, sentenciaram: “Esse Rafa é velho” – e eu concordo: sou velho, antiqüíssimo, ancião, mas tento, a duras penas, adaptar-me aos novos tempos, pois a adaptação é o preço a ser pago por todo aquele que pretende continuar vivo, bem vivo e cada vez melhor, na medida do possível. Adaptar-se e procurar sempre o aperfeiçoamento são obrigações de todos, sem distinção, são obrigações vitais e ninguém pode ficar de fora.

E nessa linha de raciocínio, chego ao futebol, que há tempos está a exigir adaptações às tecnologias e aos tempos modernos. Como se sabe, o futebol é esporte mais do que centenário e é dirigido por uma turma não menos centenária: os velhinhos da FIFA, entidade de prática e mentalidade tão conservadoras que bem que poderia se chamar PHIPHA. Aliás, a FIFA e a International Board - corpo legislativo da FIFA - são Entidades morosas, burocráticas, pouco resolutivas e que acabam por engessar o esporte, infelizmente.

Vivemos um tempo em que as câmeras, a pretexto de garantir segurança, estão por todos os lados. Há vigilância eletrônica na entrada dos bancos, dentro dos elevadores, nas recepções dos prédios públicos e privados, nas escolas e, pasmem, até mesmo dentro dos consultórios médicos. Dia desses, um amigo me confidenciou uma cena no mínimo insólita. Ele, que já passou dos 50 anos de idade, foi ao médico a fim de se submeter ao exame de próstata (aquele do toque retal).

Despindo-se atrás de um biombo, colocado num canto do consultório, pôde perceber a presença próxima de uma câmera e, sobre ela, o famoso aviso: “Sorria, você está sendo filmado”. Sorrir com as calças na mão, a caminho do exame de próstata, quem há de? A que ponto chegamos!

O fato é que – voltando uma vez mais ao triste episódio do pênalti fora da área do último sábado, no Beira-Rio, e que tanto nos prejudicou – não consigo entender por que não adotam, de uma vez por todas, o uso das câmeras de televisão no futebol como instrumento de auxílio às arbitragens. Acabariam os problemas.

Na hora da dúvida, o jogo seria paralisado para que o trio de arbitragem pudesse consultar as imagens. Consulta breve ou demorada, não importa: o trio poderia ir até um monitor, assistir ao replay – até que as dúvidas fossem dissipadas – e depois voltar ao gramado para manter sua decisão, ou reformá-la, agora com bases mais sólidas, posto que as imagens traduzem a verdade sob todos os ângulos.

Se no último sábado o árbitro tivesse se valido de um monitor de tevê, provavelmente sua decisão de marcar o pênalti seria revista, salvo se ele estivesse agindo com estrita má-fé. Se ele – diante das imagens – desistisse de marcar pênalti para marcar falta, teríamos nos livrado do grande prejuízo que foi perder aquele ponto, em Porto Alegre.

Se ele – apesar das imagens – continuasse com sua convicção de marcar a penalidade máxima, deixaria evidente sua má-fé e seria muito mais fácil para o futebol brasileiro se livrar de um árbitro notadamente mal-intencionado, venal e nocivo ao esporte.

Adotar os recursos eletrônicos como auxiliares das arbitragens no futebol brasileiro é medida das mais urgentes e que pode – e deve – ser instituída já pela CBF e pelo seu STJD, sob pena de outros tantos episódios, iguais ou piores, acontecerem – curiosamente em momentos decisivos dos campeonatos, notadamente contra os times que se encontram fora do eixo, freqüentemente em prol dos interesses dos clubes do eixo.

Não dá mais para o futebol brasileiro ficar esperando as decisões da FIFA e de sua International Board: eles são velhos demais e estão cem anos atrasados em relação às tecnologias modernas e às necessidades do futebol moderno. O futebol brasileiro pode, sim, tomar as rédeas da mudança e implementar o uso das câmeras em seus campeonatos, afinal de contas sempre nos orgulhamos de ser “o País do Futebol” e “o País do Futuro”.

Pois que o futuro comece hoje, no máximo amanhã, ouçam o pedido deste velho que nasceu em 1975, com cem anos de atraso, e que quando não tem ninguém por perto olhando, gosta de soltar a voz: “Covarde sei que me podem chamar, porque não calo no peito essa dor. Atire a primeira pedra, ai, ai, ai, aquele que não sofreu por amor”.

Mas se por acaso tiver alguém me olhando, eu disfarço: “Se ela dança, eu danço; se ela dança, eu danço. Falei com o DJ”. Afinal: “o Rafa é velho!”, como dizem os meus amigos, ao que acrescento: velho e esperto como aqueles que viveram muito. Velho e esperto como aqueles que hoje - no auge de seus setenta, oitenta anos - utilizam com naturalidade os computadores e os celulares, mas andam pela Rua XV com seus ternos de alfaiate, feitos sob medida, para ficarem mais elegantes para as meninas que passam, num doce balanço, no caminho do amor, a caminho de amar (e quando o velho e o novo se encontram o mundo só tem a ganhar).

Dedico esta coluna ao meu Amigo Olívio Batista, um jovem atleticano de 63 anos, com quem mantenho intensa correspondência por conta deste nosso querido Atlético. A você, Olívio, o meu afetuoso abraço o qual estendo ao seu netinho que, com apenas 4 anos, já é Rubro-Negro dos mais entusiasmados.


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