Dary Júnior

Dary Pereira de Souza Júnior, 53 anos, é pantaneiro de Corumbá, está no jornalismo desde 1987 e canta na banda Terminal Guadalupe. Era flamenguista, mas virou a casaca de tanto ir à Arena da Baixada – e sempre paga ingresso. Foi colunista da Furacao.com entre 2004 e 2005.

 

 

A primeira vez de Claudinha

19/03/2003


“Olha só!”. Eu tinha de olhar. As unhas estavam pintadas com as cores da nova paixão – dela. Uma, vermelha. Outra, preta. A ordem seguia assim até fechar a conta dos dez dedos. Sorriso surpreso, comentei: “Pôxa, você encarnou mesmo o espírito rubro-negro”. Claudinha se enfeitou porque era a sua estréia como torcedora atleticana. Ela nunca havia visto um jogo oficial de futebol. Seria inesquecível, como toda primeira vez.

Arena da Baixada, 21:20. Lá estava ela, instalada no quinto degrau da arquibancada, de onde os olhos giravam para descortinar um novo mundo. Passado o reconhecimento da arquitetura do estádio, Claudinha pôs-se a observar aquela fauna colorida e barulhenta ao redor. Entre torcedores organizados e desorganizados, a neoatleticana riu dos palavrões que começavam antes mesmo de a bola rolar e cobrou: “Não tem telão, né?”.

Não, Claudinha. Telão para quê? Para o replay dos piores momentos do primeiro tempo? Melhor, não. Sem o aparato tecnológico, ela só viu os três gols do Sport uma vez. Nildo, Cléber e Valdir Papel. Irritado com o fiasco do nosso time em campo, pensei em voz alta: “Tomar gol de um jogador chamado Valdir Papel é fim de carreira”. Minha amiga ouviu e emendou um “com certeza”. Ora, ora. Gostei. Essa menina sabe das coisas.

No intervalo, nada de sair do lugar. “Você pode ir ao banheiro – se quiser. Aqui não é o Couto Pereira”, deixo claro. A esta altura, diante do resultado, o único prazer era fustigar o nosso maior rival por ignorar que mulher também faz xixi. “Que lindo”. Não entendi. “Alá, ó”. Era a lua, cheia de luz. O contraponto perfeito para o futebol sem brilho que o Atlético cometia. Um avião corta o céu do estádio e vejo aquilo como um bom presságio. “Vamos decolar”, imagino.

Vem o segundo tempo e a equipe pernambucana pressiona pelo quarto gol. Assustada, Claudinha acusa o sufoco adversário: “Não pode, não pode”. Indelicado, abaixo a cabeça e encaro seu par de tênis. “Eles estavam na geladeira?”. Ela deixa escapar um sorrisinho amarelo. Parei por aí porque o Furacão finalmente fez estragos na defesa adversária. Ilan usou a cabeça duas vezes. Ainda está 3 a 2, mas a torcida volta a ficar do lado do Atlético.

Os últimos minutos são tensos. O Atlético perde chances de gol e testa o coração da torcida ao ceder contra-ataques que só não prosperam porque o tal Leão da Ilha do Retiro tem um tal de Valdir Papel (!?). Acabou. Perdemos, mas estamos vivos na Copa do Brasil. Um 2 a 0 lá e vamos para a próxima fase. “Foi bom para você?”. Claudinha responde que nem doeu. “Aos poucos eu vou entrando mais no clima”. Essa menina realmente sabe das coisas.


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