Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Quem ama não diz adeus

24/08/2007


Juliano Ribas, formidável colunista deste site, falando do Boluca e das especulações do velho e querido Boleslau, sapecou lá pelas tantas uma grande verdade: “Todos gostam de acertar previsões, é dessa vontade que se faz jornalismo esportivo”. Concordei na hora e, na mesma hora, lembrei-me de que na semana passada eu mesmo acabei por fazer grande previsão que, para minha satisfação, acabou se confirmando ao longo da não menos longa semana. Na última coluna, da sexta-feira, dia 17/08, escrevi o que a seguir transcrevo e boto entre aspas nem eu mesmo sei por quê.

“O ser humano é muito solidário quando tudo são vitórias, mas quando as derrotas aparecem é quase certa a debandada, o abandono. Não condeno aqueles que batem em retirada, pois sua atitude é humana e eu, como homem, falível e cheio de imperfeições, não sou ninguém para censurar meu semelhante, mas posso pedir, aqui, de uma vez por todas, que sigam mesmo o seu caminho e se afastem do Atlético.

Chegou a crise e com ela aquele velho chavão: “É a hora de separarmos os homens dos meninos”. Homens serão os que não se furtarem ao combate – ao bom combate, ao combate limpo, feito de ações e de idéias – meninos serão os que ainda estão verdes para a luta (prefeririam os delicados morrer, como diria Drummond). Chegou a hora de lutar e deixar as vaidades de lado. Chegou a hora de fazer do Atlético a grande razão, e que se dane a minha ou a sua razão pessoais.

Era gostoso o tempo em que a gente desfilava na XV com a camisa do Atlético depois de ser campeão brasileiro, né? Mas por acaso hoje você tem vergonha da camisa do Atlético? Se tem, é um direito seu, mas tenha a decência de pular do barco. Se hoje você se envergonha do Atlético, não queira sentir orgulho no futuro. Você que hoje se encolhe não serve: você é número, e eu não acredito em estatísticas”.

Em resumo, eu disse: “o Atlético merece amor de corpo e alma, incondicional, intenso. Merece, acima de tudo, respeito, nos bons e nos maus momentos. O Atlético merece ser amado, mas só as pessoas de fibra podem dar-lhe o amor que ele tanto merece”.

Pois bem, disse tudo isso e dividi opiniões. Uns me criticaram, outros me elogiaram, mas o que verdadeiramente me interessa é provocar no torcedor Rubro-Negro essa vontade de querer se ocupar do Atlético, dedicar-se ao Atlético, preocupar-se com o Atlético. Não me causam tristeza alguma as opiniões contrárias, tampouco os xingamentos ferozes e na maioria das vezes sem fundamento, porém, o pouco caso com as coisas do Atlético, isso, sim, me entristece. Aceito o grito, jamais o silêncio; aceito a fúria, jamais a fuga; aceito a derrota, desde que precedida da batalha. Mas o escapismo eu não aceito de ninguém, pois a covardia é inaceitável.

Enfim, descrevi dois tipos de torcedores: os que se entregam sempre e os que não se entregam nunca e disse preferir estes àqueles, até porque sou do time dos que nunca se entregam, dos que amam o Atlético profunda e emocionadamente, desde sempre e para sempre. E minha sorte foi tanta que nesta semana esses tipos que descrevi acabaram materializados nas palavras que dois torcedores resolveram tornar públicas.

Primeiramente, transcrevo as palavras do Doutor Ali Zraik, Médico, 74 anos, atleticano velho de guerra – como diria o meu amigo, e atleticano, Roberto Requião, a quem deixo aqui meu abraço e minha admiração (enquanto a Gazeta publica as bobagens dela, a gente vai construindo o Paraná digno da boa gente paranaense, vamos lutando o bom combate).

O Doutor Ali Zraik, em brilhante coluna intitulada “Fui atendido”, escreveu:

“Gente, a diretoria agiu prontamente e nos atendeu. O Ney Franco é da nova geração. Deve ser inteligente e não campeão de teimosia como o "Não tiro o Dinei" - sem perceber que estava queimando o coitado, que como todos, digo, todos os jogadores, estão mal orientados, fora de suas possibilidades. Mas, além dele, agora teremos o Maculan, que entende da coisa. Estou esperançoso. Vejam que a diretoria nos atendeu em tudo: pré-temporada, manutenção do Alex Mineiro, contratou gente com futuro, liberou a batucada... Não dá para reclamar. Ou vocês querem que o Petraglia vá marcar os gols que a equipe não está marcando? Confio em bons resultados, mas vamos ter de amargar cinco jogos infernais. Paciência, depois da tempestade vem a bonança. Precisamos ter raça.”

Ao ler o brilhante texto do Doutor Ali Zraik, pensei: “Isso, sim, é amor ao Atlético. Mais do que isso: é a prova maior da esperança e sabedoria, pois são palavras de quem já viveu uma vida inteira, seguramente com mais de seis décadas dedicadas ao Atlético. Pensei: “Esse é um atleticano de verdade, pois sendo torcedor há seis décadas, passou por momentos muito piores do que os vividos hoje, mas não desistiu. Esse sempre se orgulhou do Atlético, esse nunca pulou do barco, esse fez a grande diferença”.

Por isso deixo aqui meu abraço e minha admiração ao Doutor Ali Zraik que, a exemplo de milhares de torcedores, orgulha-se do Atlético e está sempre ao lado do Rubro-Negro, nos bons e nos maus momentos. Afinal, a vida – de verdade, real – é feita de bons e maus momentos essa dualidade que se alterna como se testasse os homens para depois dividi-los entre homens (na acepção da palavra, de fibra moral e de coragem) e meninos (assustados, mimados, malcriados, birrentos e fujões). O Doutor Ali é homem, na acepção do termo, é atleticano que não se entrega, que não desiste, que não vira as costas.

Todavia, se há os grandes homens, há também os meninos fujões e mimados. Por isso, transcrevo um trecho de uma coluna publicada na Gazeta da última terça-feira e que me deixou estarrecido, assim como chocou milhares de atleticanos apaixonados, como eu sou. A coluna, de autoria do cartunista Tiago Recchia, terminava com uma frase cortante pela frieza e pela ingratidão. Ele disse: “Adeus, Clube Atlético Paranaense” – e disse isso depois de escrever um texto-despedida em que se revelou torcedor atleticano fanático, mas que agora, depois de tantos sacrifícios seus, como comprar camisas, canecas e chaveiros (nossa, quanto sacrifício!), ele se despedia. Para quem não leu, transcrevo boa parte das palavras do Tiago Recchia:

“Este cartunista e dublê de cronista esportivo admite que já foi, em seus dias de ingenuidade e tolice, torcedor de um clube de futebol. Torcia apaixonadamente. Já pulou de felicidade e ódio nas arquibancadas de seu time. Subiu em mesas de bar para comemorar – ou protestar – algum lance de jogo. Já comprou camisa, bandeira e uma lista impensável de “souvenires”. Já arrastou amigos para o estádio. Persuadiu outros a louvar seu time. Já sentiu aquele arrepio que percorre a espinha e os pêlos dos braços quando seu time entrava em campo. Cantou o hino quase lacrimejando.

E já investiu um bom dinheiro nesta aventura amorosa. Hoje, gozando de mais juízo, adquirido pela maturidade, este cartunista e dublê passa ao largo de um campo de futebol. Chega. Perdeu a graça. Não dá mais. Lá se foi o tempo em que só enxergava o time, reverenciava suas cores, defendia seus dirigentes contra argumentos contrários, ponderando que os benefícios ao clube eram mais importantes do que qualquer suspeita de ilegalidade. Acabou. Este cartunista – e dublê – cansou. Ficará apenas com a crônica. Com os desenhos de Los 3 Inimigos. Tranqüilamente sentado em uma poltrona. Friamente verá os jogos apenas pela tevê, profissionalmente, e olhe lá.

Está definitivamente divorciado de seu clube de infância, de coração. Alguns vão achar que este cartunista não fará falta, que está indo tarde. Mas assim será. E, claro, não irá torcer por nenhum outro time. A experiência já foi dolorosa demais. Adeus, Clube Atlético Paranaense”.

Pois bem, noutros tempos - quando eu tinha meus 22, 25 anos e uma fúria indômita, própria dos advogados jovens - faria aqui um libelo ácido contra a atitude do Tiago Recchia. Chamaria o cartunista de pusilânime, pulha, poltrão e de outros adjetivos que porventura aparecessem na minha cabeça e que pudessem atingir em cheio os brios do ex-atleticano declarado, mas não me dedicarei a isso. Como escrevi na semana passada, há homens e meninos, há lutadores e derrotados, há os que se entregam sempre e os que não se entregam nunca, há atleticanos de sangue forte – como o Doutor Ali Zraik - e, desde a última terça-feira, há ex-atleticanos, de sangue quase leucêmico, como o Tiago Recchia.

Mas, Tiago, por que desistir só agora, e não quando fomos campeões brasileiros? Por que só agora, e não quando sacudimos a América na fantástica campanha da Libertadores de 2005? Por que só agora, e não nos dias de glória? Dizer adeus ao Clube Atlético Paranaense por ter horror – ou medo, não sei - do Mário Celso Petraglia? Jurar amor ao Atlético só nos momentos bons, e agora – nessa turbulência toda – dizer adeus e sair de fininho? Qual é a tua, Tiago? Conta aí: foi uma nova forma de expressão – algo como um autocartum de humor bizarro? Ou foi uma velha forma de expressão – algo que todos conhecemos e que se chama ingratidão? Conta aí, Tiago, acabou o amor, ou acabou o interesse?

Seja qual for a razão, acho que pouco importa, eu sou daqueles que acham que você não fará falta e que já está indo tarde. Fique aí, tranqüilamente sentado em uma poltrona, vendo os jogos apenas pela tevê, profissionalmente, e olhe lá. Mesmo sendo doloroso demais, nós – os ingênuos e tolos – vamos continuar amando o Atlético – na vitória e na derrota – como idiotas apaixonados, rindo e chorando como bestas, mas nunca iremos nos despedir do Atlético.

O Atlético, para nós, não é apenas um traço vermelho e preto, feito no papel, em troca de dinheiro. O Atlético, para nós, é um coração vermelho e preto batendo no peito, por amor. Talvez, Tiago, você não entenda isso tudo que eu estou escrevendo, e não é pelo fato de você ser um ex-atleticano que você não entende.

Você não entende porque, na verdade, você nunca foi um atleticano. Você foi - no máximo - uma caricatura de atleticano, como o Atleticón criado por você e que talvez seja o seu alter-ego. Você foi, na verdade, um atleticano de papel e mais nada. Você foi um autocartum de humor sem nenhuma graça e nada mais. Adeus, Tiago Recchia, você não fará falta e já está indo tarde demais.


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