Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

O que se fez do amor eterno?

17/08/2007


Estamos em crise. Ainda bem. Nada como uma boa crise pra botar as coisas no seu devido lugar e faz tempo que algumas coisas na vida do Atlético precisam ser melhor dimensionadas.

Nunca acreditei nos arroubos de euforia pós-vitórias, sempre desconfiei das estatísticas. Muitas vezes, sentado na arquibancada da Arena, olhava em volta e me questionava “onde estavam esses milhares de torcedores quando não chegávamos a dois mil no Pinheirão?” - mas achava legal o fato de o Atlético ter crescido tanto a ponto de poder contar com tantos aficionados.

Ocorre que – e isso não é novidade nenhuma – o ser humano é muito solidário quando tudo são vitórias, mas quando as derrotas aparecem é quase certa a debandada, o abandono. Não condeno aqueles que batem em retirada, pois sua atitude é humana e eu, como homem, falível e cheio de imperfeições, não sou ninguém para censurar meu semelhante, mas posso pedir, aqui, de uma vez por todas, que sigam mesmo o seu caminho e se afastem do Atlético.

Chegou a crise e com ela aquele velho chavão: “É a hora de separarmos os homens dos meninos”. Homens serão os que não se furtarem ao combate – ao bom combate, ao combate limpo, feito de ações e de idéias – meninos serão os que ainda estão verdes para a luta (prefeririam os delicados morrer, como diria Drummond). Chegou a hora de lutar e deixar as vaidades de lado. Chegou a hora de fazer do Atlético a grande razão, e que se dane a minha ou a sua razão pessoais.

Era gostoso o tempo em que a gente desfilava na XV com a camisa do Atlético depois de ser campeão brasileiro, né? Mas por acaso hoje você tem vergonha da camisa do Atlético? Se tem, é um direito seu, mas tenha a decência de pular do barco. Se hoje você se envergonha do Atlético, não queira sentir orgulho no futuro. Você que hoje se encolhe não serve: você é número, e eu não acredito em estatísticas.

Era legal aquele tempo em que a menina se maquiava toda e ia pro estádio louca pra ser flagrada por uma câmera de televisão “Filma eu, Galvão”, tinha até cartaz. Mas hoje nem dá vontade de pintar a cara de vermelho e preto, pois a Globo não tá nem aí pro Atlético, né? Hoje, o Atlético não dá mais IBOPE, né, guria? “Se for pra gastar quarentão e se pintar toda, eu vou à Eon!”.

Pois é pra lá que você deve ir mesmo: você e todas aquelas que se diziam fanáticas pelo Atlético, mas que, na verdade, queriam mesmo era uma baladinha diferente, quem sabe até com direito a flagra da TV Globo. Vocês também não servem: ofereçam a sua falsidade aos jovens embriagados que, nas madrugadas, procuram as grandes mulheres e, não as encontrando, contentam-se com vocês.

Também era legal quando o Atlético ganhava de todo mundo e inspirava as letras mais emocionadas. Naquele tempo, surgiram colunistas e torcedores-escritores aos montes. Todos jurando amor ao Atlético, amor eterno, aliás, mas agora que a crise se abateu, escondem-se, ocultam-se atrás dos seus importantíssimos e inadiáveis afazeres.

Não posso lhes censurar, acredito mesmo que suas vidas e empreendimentos particulares sejam, e muito, superiores ao Atlético, mas não venham, quando passar a tempestade, escrever suas odes ao Rubro-Negro: a hora é agora, depois será esforço supérfluo e inverossímil: se o Atlético não for para vocês prioritário, pulem do barco e vão priorizar outras questões. O que não dá para aceitar é o descaso, ou o utilitarismo em cima das cores do Atlético.

Nada como uma crise pra botar as coisas no seu devido lugar. Os que sempre juraram amor ao Atlético demonstrem-no agora; os que amavam apenas as vitórias do Atlético fechem-se em casa para assistir aos gols em reprise, até que tudo se normalize; os que apenas viam no Atlético um modismo procurem outras tendências, outras cores, outras formas. É hora de separarmos os homens dos meninos. Homens serão os que não se furtarem ao combate – ao bom combate, ao combate limpo, feito de ações e de idéias – meninos serão os que ainda estão verdes para a luta. Chegou a hora de lutar e deixar as vaidades de lado. Chegou a hora de fazer do Atlético a grande razão, e que se dane este ou aquele lado, desde que o Atlético saia fortalecido.

Dia desses – era sábado de manhã - um guri, de uns 16 anos, vendo-me encostado num balcão da Boca Maldita resolveu me abordar. Eu estava lá tomando meu cafezinho e trajava, orgulhoso, uma das minhas lindas camisas do Atlético. O guri se aproximou e fez lá seu comentário debochado acerca do desempenho do Atlético no atual brasileirão (falou inclusive desse tal fantasma do rebaixamento, além de coisas como meio-estádio, coronel, time de dono e outras sandices que ele houve por bem disparar ainda que de forma desconexa – e mesmo sem eu tê-lo chamado à conversa).

Após ouvir o rapaz, perguntei: “Qual é o seu time?” e ele, cheio de si, disparou: “São Paulo”. Dei um gole no cafezinho e tornei a perguntar: “E até onde você iria pelo São Paulo, guri?” – ele, quase que num ato reflexo, respondeu: “Com o São Paulo eu iria ao inferno!”. Outro gole e voltei a perguntar: “O que é o inferno pra você, guri?” – e ele, em novo espasmo: “É a Segunda Divisão!”.

Nesse momento, dei o último gole no café, olhei pra cara do pivete e disparei: “Pra onde você DIZ que irá com o São Paulo, por conta do seu amor, eu já ESTIVE com o Atlético pelo menos quatro vezes, por amor. Falar é fácil, fazer é que são elas, guri!” – e me afastei do balcão para ir tratar dos meus assuntos de adulto, deixando para trás o tal menino, agora aparentemente confuso, apesar de suas tantas certezas juvenis.

Chegou a hora de irmos ao inferno com o Atlético. Afinal, já passamos por lá tantas vezes e sempre saímos mais fortes, mais puros, mais merecedores do Céu. Já falamos muito de amor, já falamos muito de paixão: Falar é fácil, fazer é que são elas! Chegou a hora de sermos Atlético na saúde e na doença, afinal estamos no meio da crise, e, como a gente sabe, toda crise passa e existe somente para reforçar os laços de amor verdadeiro que unem as pessoas que realmente se amam e que iriam até o inferno por causa do seu amor!

Aliás, os verdadeiros atleticanos - não os atleticanos sazonais – sabem muito bem que inferno não é ir com o Atlético a uma eventual Segunda Divisão. Inferno mesmo é abandonar o Atlético pelo caminho. Inferno mesmo é viver sem o Atlético...


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