José Henrique de Faria

José Henrique de Faria, 74 anos, é economista, com Doutorado em Administração e Pós-Doutorado em Labor Relations nos EUA. Compareceu ao primeiro jogo do Clube Atlético Paranaense em 1950, no colo de seu pai. Seu orgulho é pertencer a uma família de atleticanos e ter mantido a tradição. Foi colunista da Furacao.com entre 2007 e 2009.

 

 

A importância das diferenças

31/07/2007


Prisioneiro, como tantos outros passageiros, do chamado "caos aéreo" que tomou conta dos aeroportos no Brasil, eu estava, um dia destes, esperando a chamada para meu vôo quando, na mesinha lateral das cadeiras, encontrei uma revista de uma empresa aérea. Li um artigo cujo autor não me recordo no momento, mas que me chamou a atenção pelo conteúdo. Hoje, preocupado com os problemas que enfrenta o Clube Atlético Paranaense, lembrei desse artigo.

Como todos nós sabemos, nas organizações existem atividades voltadas principalmente à inovação, à criação, ao planejamento, às estratégias, enfim, ao desenvolvimento e aos cenários futuros. Existem, também, atividades voltadas principalmente à execução, ao cuidado com os detalhes, à manutenção, à correção de instrumentos de gestão. Ambas as tarefas não são apenas imprescindíveis e complementares, mas absolutamente conectadas e interdependentes.

Não há futuro sem presente e sem as lições do passado, ao mesmo tempo em que não se pode investir energia no presente correndo o risco de desperdiçá-la justamente porque a mesma não está voltada a um futuro projetado, a uma situação almejada, a objetivos desafiadores a serem alcançados. Desta forma, estas duas atividades diferentes, a da inovação estratégica e a da execução operacional, são necessárias e importantes, de tal maneira que uma não é melhor ou pior que a outra, uma não é mais ou menos relevante que a outra.

A diferença entre estas atividades é que: (i) a atividade de execução operacional precisa mostrar resultados imediatos, pois é avaliada constantemente pelos que a exercem (auto-avaliação), pelos que dela dependem ou que a ela recorrem e (ii) a atividade de inovação estratégica só apresenta resultados a médio e longo prazo, é apenas parcialmente avaliada no percurso - o que lhe permite reavaliar seus procedimentos - e somente no final do processo é que pode receber uma avaliação definitiva (tendo como parâmetro o que foi programado), pois se trata de uma atividade de risco, uma aposta no futuro, um investimento em um cenário que pode ou não ser bem sucedido e que não depende totalmente de sua coordenação.

O sucesso depende (i) dos acertos nas atividades operacionais, (ii) da dinâmica dos ambientes interno e externo e (iii) das escolhas estratégicas. A primeira pode ser em grande medida controlada e corrigida. A segunda é imponderável e, portanto, deve ser permanentemente monitorada para que se possa antecipar às tendências objetivas e subjetivas, sabendo-se que não existem garantias de acerto, mas apenas precauções para a redução de riscos. A terceira depende da leitura dos ambientes interno e externo, do grau de acerto das apostas no futuro (e daí vem o "risco"), da experiência acumulada, da sensibilidade, do capital de relações sociais e políticas e do acesso aos centros de decisão e de poder institucionalizados pela prática das relações sociais.

Em uma organização de futebol, como é o caso do Clube Atlético Paranaense, as atividades de inovação estratégica vêm sendo realizadas com bastante sucesso há cerca de uma década. Há um projeto que, em termos de objetivos, não tem comparação com qualquer outro de qualquer clube brasileiro. A execução deste projeto vem sendo feita com eficácia em sua parte de infra-estrutura, gestão financeira, planejamento, logística, administração propriamente dita, relações internacionais e institucionais (parcerias). Em termos de futebol profissional, em que pesem as vitórias extraordinárias que levaram ao Campeonato Brasileiro de 2001, ao Vice-Campeonato Brasileiro e ao Vice-Campeonato da Libertadores da América, o Clube Atlético Paranaense ainda tem muitos objetivos a alcançar.

Em minha última coluna (um sincero desabafo de um torcedor que chegou "No Limite" muito mais do que um colunista), disse que "chegou a hora de fazer uma revolução (...). Técnico, comissão, jogadores, gestores do futebol". Confirmo o que disse. Entendo que os responsáveis pelas atividades de inovação estratégica precisam atuar com intensidade na parte de execução operacional. Disse, na última coluna, que "infelizmente, é necessário que a situação se transforme em tragédia para chamar a atenção e clamar por providências que não são tomadas, porque todo o aparato institucional é um receptáculo de acomodação". O que é o aparato institucional?

Por aparato institucional se entende a tradição, a mística da Arena (o Clube Atlético Paranaense é imbatível em seus domínios), a força da torcida (o Clube Atlético Paranaense joga com 12 jogadores em casa), a infra-estrutura (o Clube Atlético Paranaense tem o melhor e mais moderno CT do Brasil e um dos melhores do mundo). Todo este aparato tende a ser um receptáculo de acomodação. Jogadores, comissão técnica e gestores do futebol profissional imaginam que podem levar vantagem apenas pelo fato de ter tal aparato institucional a seu favor. Mas, o jogo se ganha jogando. O aparato institucional contribui e muito, mas não decide. Torcida ajuda, mas não ganha jogo. A mística da Arena ajuda, mas não ganha jogo. Uma equipe frágil não se mantém apenas apostando neste aparato. Daí vem a tragédia, que clama por providências.

Objetivamente: o Clube Atlético Paranaense não possui um time de futebol profissional compatível com seu projeto de futuro, não possui uma comissão técnica suficientemente competente para desenvolver uma equipe competitiva e não possui gestores do futebol profissional eficazes para organizar, comandar e formar o grupo de trabalho exigido para alavancar a execução operacional com qualidade. Há carências.

É importante ter claro que uma organização começa a sonegar seu futuro quando não resolve seu presente, quando equívocos nos processos operacionais presentes ocorrem sem que faça uma avaliação de suas conseqüências para o futuro. Uma organização destrói sua perspectiva de sucesso quando simplesmente não faz hoje, e bem feito, o que deve fazer, não dá continuidade às iniciativas de transformação, não faz manutenção dos bons programas, não cuida das rotinas. Se em termos administrativos e de infra-estrutura o Clube Atlético Paranaense tem sido exemplar, em termos de futebol profissional o mesmo não ocorre em igual nível.

Uma organização começa a problematizar o seu sucesso quando as suas pessoas não fazem todas e todos os dias as suas tarefas com entusiasmo, com dedicação, comprometimento, perseverança, qualidade e empenho. Uma organização abdica de seu futuro planejado quando ela mesma, com sua estrutura e sua cultura, com seus mecanismos e seus habitus, não se torna o palco propício para a construção.

Neste sentido, ao mesmo tempo em que se valorizam as atividades de inovação estratégica, é necessário valorizar as atividades de execução operacional. Nas atividades administrativas de uma empresa, falamos de coisas simples: telefones mal ou não atendidos, pessoas tratadas sem os devidos cuidados e sem educação e civilidade, lavatórios sem os procedimentos higiênicos necessários, equipamentos sem manutenção, processos que descumprem prazos, estes são exemplos de como o dia-a-dia pode comprometer ou projetar o futuro de uma organização. Os resultados são aferidos permanentemente, mas as cobranças nem sempre encontram respostas imediatas.

No futebol profissional as atividades operacionais visíveis são os jogos, os resultados são aferidos permanentemente e as cobranças são imediatas e públicas. A competição é intensa e não se pode perder tempo. Se as vitórias não aparecem, se não há regularidade, se os jogadores não correspondem, se a equipe técnica não dá conta das suas atribuições e se os gestores operacionais do futebol profissional não atingem seus objetivos, é necessário uma descontrução, de maneira a poder fazer uma reconstrução. É preciso, enfim, uma revolução. Isto para que o insucesso de hoje não comprometa, de forma irremediável, os objetivos, os projetos e os planos estratégicos de amanhã.

É fundamental, portanto, que a organização também valorize todos aqueles que antes de pensar no futuro, fazem o presente de modo exemplar, todos aqueles que têm uma saudável vocação operacional. Trata-se de convocar, contratar e preservar os bons, os imprescindíveis, os que fazem com que o cotidiano seja bem sucedido, alegre, motivador.

Desde há algum tempo a área de direção vem, muito adequadamente, enfatizando o papel das atividades de inovação, criação, transformação, elaboração de estratégias. Contudo, é necessário que esta mesma ação se faça visível no plano operacional do futebol profissional.

É fundamental garantir a integração e interdependência das atividades de execução operacional com as de inovação estratégica, atribuindo a ambas o mesmo valor, ressaltando que suas diferenças não devem permitir que se venha a enaltecer uma em detrimento de outra. Não custa repetir: sem um presente bem conduzido não há como se alcançar um futuro desejado e sem uma orientação segura para o futuro desejado, qualquer ação operacional será possível e permitida, mesmo aquelas inúteis e prejudiciais, pois não haverá caminho e tampouco objetivos a serem perseguidos e alcançados.

Os jogos confirmam o desempenho irregular do time, ou seja, da área de execução operacional. É necessário que a área estratégica atue sobre a área operacional do futebol profissional, dotando seu quadro de gestores, comissão técnica e jogadores, de profissionais muito mais competentes, compondo-a com pessoas que tenham mais capacidade para garantir um presente compatível com o futuro almejado. É preciso providências urgentes, é preciso mudar hoje para poder continuar comandando o projeto de futuro, mudar qualitativamente hoje para não lamentar amanhã. Sinais estão sendo dados. Se darão certo, não se sabe. Mas, que é preciso agir, não há dúvida.

Sobre a batalha campal de Porto Alegre. Se a legislação punisse qualquer jogador "A" que por atitude inconseqüente, proposital ou não, afastasse outro jogador "B" de suas atividades pelo mesmo tempo em que "B" ficaria afastado, talvez se reduzisse a prática da violência e se valorizasse o futebol, o esporte, a arte.


Este artigo reflete as opiniões do autor, e não dos integrantes do site Furacao.com. O site não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.