José Henrique de Faria

José Henrique de Faria, 74 anos, é economista, com Doutorado em Administração e Pós-Doutorado em Labor Relations nos EUA. Compareceu ao primeiro jogo do Clube Atlético Paranaense em 1950, no colo de seu pai. Seu orgulho é pertencer a uma família de atleticanos e ter mantido a tradição. Foi colunista da Furacao.com entre 2007 e 2009.

 

 

José do que?

11/07/2007


Dia desses fui a um shopping da cidade de Curitiba, onde trabalha meu cabeleireiro, o Augusto Carvalho, com quem corto o cabelo há quase 15 anos. Lá encontrei um amigo, o José Roberto, que estava acompanhado de dois amigos seus. Assim que me viu, José Roberto abriu um sorriso e veio me dar um abraço.

- Faria! Há quanto tempo não nos encontramos. Como está você, meu amigo?
- Zé Roberto, meu caro, que bom encontrar você, disse eu.
- Faria, quero apresentar dois amigos meus de São Paulo. O José Luiz e o José Eduardo.
- Oi! Muito prazer.

A conversa continuou, mas eu fiquei imaginando se acontecesse de eu estar acompanhado de meus dois filhos mais velhos, o José Ricardo e o José Alexandre. Eu os apresentaria ao José Roberto, ao José Luiz e ao José Eduardo. Teríamos sido seis José. Imaginei, também, se não houvesse uma distinção entre nós, quer dizer, se não houvesse um segundo nome e um sobrenome. Como seria a apresentação? Poderia ser assim:

- José, há quanto tempo! Tudo bem?
- Tudo bem, José.
- Gostaria de lhe apresentar meus amigos, o José e o José.
- Muito prazer. Deixe-me apresentar meus filhos. Este aqui é o José e este outro é o José.

Imaginei nós seis e outros tantos que desconheço no Aeroporto Afonso Pena, quando de um aviso pelo alto-falante.

- Atenção, Senhor José, queira comparecer ao balcão da Companhia Aérea.

Iríamos nós e sabe lá quantos José. Mas, ainda bem que podemos nos distinguir. José Henrique, que sou eu, José Roberto, meu amigo, José Ricardo e José Alexandre, meus filhos, José Luiz e José Eduardo, amigos do meu amigo. Se não fosse assim, seríamos o José, que sou eu, o José meu amigo, o José e o José, meus filhos e o José e o José, amigos do meu amigo.

Daí foi inevitável me deparar com esta questão típica da 5ª. Comarca: se o Atlético deve ou não ser Paranaense. Quando o mundo gira em torno do umbigo a lucidez se transforma em pulsão de morte. O que é um Clube, entre tantos, que não consegue ter marca que o distinga, que não tem um nome e sobrenome? A prepotência instiga a 5ª. Comarca a achar que no mundo só existe um Atlético. Mas, uma simples consulta ao Dicionário Aurélio nos reserva uma surpresa. Atleticano é indicativo de "pertencente ou relativo ao Clube Atlético Mineiro (MG)", ou, "que é jogador ou torcedor dessa agremiação". Pior, no Aurélio consta que atleticano é "pertencente ou relativo ao Clube Atlético Ferroviário (PR)", ou "que é jogador ou torcedor dessa agremiação". O Clube Atlético Ferroviário, como sabemos todos, não existe mais, exceto no Aurélio. Depois de fusões, com Britânia e Palestra Itália, virou Colorado, o qual se fundiu com o Pinheiros (que já havia sido Água Verde e Savóia), tornando-se outra agremiação.

Assim como José, o Atlético sem identidade é mais um Atlético. Clube Atlético Mineiro (MG), Atlético Clube Goianiense (GO), Marília Atlético Clube (SP), Clube Atlético Juventus (SP), Ferroviário Atlético Clube (CE), Bangu Atlético Clube (RJ), River Atlético Clube (PI), Clube Atlético Sorocaba (SP), Atlético Clube de Guimarães (Portugal), Clube Atlético de Madrid (Espanha), Clube Atlético de Ibirama (SC) e por aí a fora. Que tal um jogo de Loteria Esportiva entre Atlético e Atlético? Dispensa-se o triplo.

O nosso Atlético é o Paranaense e não o Mineiro, o Goianiense, o de Marília, o Juventus, o Ferroviário, o Bangu, o River, o Sorocaba, o de Guimarães, o de Madrid ou o de Ibirama. Somos o Clube Atlético Paranaense, ou seja, temos nome e sobrenome. Gritar "Atlético" nos dias de jogo significa que escolhemos uma forma carinhosa de fazer valer nosso espírito de luta. Mas, isto não implica em um conceito egocêntrico. Ou será que o Atlético Mineiro deveria ser Clube Galo Mineiro? Alguém em Minas Gerais defende a idéia de que o seu Atlético seja igual a qualquer outro Atlético? Ou, de fato, fazem questão de que seu Atlético seja Mineiro?

Mas, aqui, no reino das araucárias, somos pretensiosos, prepotentes, presunçosos, adeptos de certo nacionalismo / regionalismo clássico. Nós somos Atlético, dizem os regionalistas, o resto é qualquer coisa mineiro, de Madrid, de Sorocaba, goianiense, etc. O Mundo inteiro deve se subordinar à nossa marca, ao nosso nome. Todos os Atléticos devem deixar de existir, a começar pelo Atlético de Madrid. Assim o nosso Atlético seria o único. Mas, em não sendo esta a realidade, precisamos nos distinguir. Afinal, que investidor apostaria seus recursos em uma marca que não tem distinção?

Está mais do que na hora de parar com esta visão xenofóbica (somos os únicos que têm direito a ser Atlético, somos os autênticos) e egocêntrica (somos o centro do mundo) e fixar nossa verdadeira marca: Clube Atlético Paranaense. Afinal, somos, de fato e definitivamente, o Clube Atlético Paranaense, desde março de 1924. Temos data de nascimento, nome e sobrenome. Temos uma estrutura de CT que é incomparável em toda a América Latina. Temos um Estádio, a Kyocera Arena, construída com recursos próprios, que será, quando pronta, ainda mais moderna que o "engenhão" do Pan, construído com recursos públicos. É como Clube Atlético Paranaense e não como Atlético que somos verdadeira e insofismavelmente, os únicos.

Atlético Paranaense.

Como Atlético, simplesmente, queremos ser o que não somos. Isto me faz recordar de uma fábula de Esopo. Uma mula era muito orgulhosa dentro do curral. Portava-se como se fosse o mais importante animal do grupo. Era pura vaidade e arrogância. Dizia a si mesma: meu pai com certeza foi um valoroso e belo "Raça Pura" e eu herdei toda sua graciosidade, resistência, espírito e beleza.

Pouco tempo depois, ao ser levada a uma longa jornada como simples burro de carga, sentiu-se muito cansada e exclamou desconsolada: "posso ter cometido um erro de avaliação. Talvez meu pai tenha sido apenas um simples Asno".

Moral da História: Ao desejar ser aquilo que não somos, estamos plantando em nós a semente da frustração. Devemos nos orgulhar do que somos e não do que imaginamos ser. A mula poderia ser a melhor mula do mundo se conseguisse entender, em primeiro lugar, que era uma mula. Se conseguisse entender que ela não era o que imaginava ser porque supunha que seu pai era "puro", mas que ela poderia ser o que queria ser se fizesse por merecer. Por isso, é muito melhor ser o melhor sendo totalmente aquilo que se é (Clube Atlético Paranaense) do que se acreditar diferente sendo aquilo que qualquer um pode ser (Atlético).


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