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Rafael Lemos
Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da LÃngua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.
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Pois todas as nossas iras são de amor
06/07/2007
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É preciso que algum atleticano invente uma lÃngua capaz de (re)unir o povo que anda disperso pela Baixada do Batel, transformada em Babel. É preciso que algum atleticano crie um novo Esperanto, uma nova Esperança. "Ainda que eu falasse a lÃngua dos homens e falasse a lÃngua dos anjos, sem amor, eu nada seria". É preciso amor, é preciso amar, sob pena de a gente ser nada.
É preciso que algum atleticano invente uma lÃngua capaz de (re)unir o povo que anda disperso pela Baixada. É preciso que algum atleticano crie um novo Esperanto, uma nova Esperança, mas esse atleticano - que pode estar em mim ou em você - anda oculto, anda omisso ou anda descrente demais e a gente pode constatar isso lendo, diariamente, a Furacao.com, maior site dedicado à s coisas do Atlético.
A Furacao.com, por conta da credibilidade conquistada em uma década de boa informação, converteu-se em autêntico termômetro do sangue forte de que nos fala o belo Hino. Reparem: quando o Atlético vai bem, o número de torcedores a escrever no "Fala, Atleticano" diminui; e aumentam os Colunistas. Na fase boa, os torcedores falam em conquistar as Américas e os Colunistas publicam textos com assiduidade e inspiração estratosféricas. Na fase boa, o amor pelo Atlético é jurado em prosa e verso. Todos falam a mesma lÃngua, onde "amar" e "amor" são vocábulos correntes.
E reparem: quando o Atlético vai mal, o número de torcedores a escrever no "Fala, Atleticano" aumenta; e os Colunistas, embora sem redução numérica, passam semanas, até meses, sem publicar nem uma linha sequer. Na fase dura, os torcedores falam em "segunda divisão do brasileiro", "balcão de negócios", "fora, Petraglia" e alguns Colunistas passam ao largo, talvez carentes de palavras doces em face do momento amargo. Na fase escura, o amor pelo Atlético perdura? Que nada! Cada atleticano fala uma lÃngua, recriando, no Batel, uma nova Babel em torno da Baixada. E - em todas essas lÃnguas - "amar" e "amor" são vocábulos inexistentes.
"Ainda que eu falasse a lÃngua dos homens e falasse a lÃngua dos anjos, sem amor, eu nada seria". É preciso amor ao Atlético, é preciso amar a Camisa Rubro-Negra, sob pena de a Gente Atleticana ser nada. É preciso que algum atleticano crie um novo Esperanto, uma nova Esperança, e esse atleticano pode estar em mim ou em você. Talvez esse atleticano esteja, hoje, no sujeito oculto, antes tão determinado; esteja no torcedor omisso, esquecido de qualquer compromisso com sua paixão; talvez esse novo atleticano esteja, agora, no silêncio do descrente que um dia gritou pelo seu Furacão.
É chegada a hora de estufar o peito e deixar muito bem claro para todo mundo que a gente é atleticano em tempo integral. É chegada a hora de erguer a cabeça e olhar os adversários nos olhos, sejam eles quem forem, e lhes deixar bem claro que nós amamos o Atlético, e não as vitórias do Atlético, apenas. É tempo de a gente acordar Atlético, almoçar Atlético, dormir Atlético.
É tempo de falar (e bem) do Atlético entre nós, no cafezinho da Boca Maldita. Falar do Atlético com os outros, no cafezinho do escritório. Falar do Atlético até dormindo, enquanto sonhamos com a volta de qualquer timaço que ficou preso no passado e gravado na memória (nos nossos sonhos é comum a reedição dos grandes jogos, nos nossos sonhos Assis e Washington ainda marcam gols memoráveis). Da mesma forma que o movimento gera movimento, nossa corrente positiva também há de gerar uma atmosfera positiva sobre a Baixada e aà a fase ruim vai se dissipando, até sumir, definitivamente.
E alguém vai me censurar "Rafael, mas como é que a gente vai fazer isso tudo se o time que a gente vê em campo anda mal das pernas, anda jogando uma bolinha pequena, anda até dando sono?" - e eu direi, uma vez mais, que o que importa, nessa altura do campeonato, é o amor ao Atlético e, como sabemos, o amor é cego. Há tempos, escreveu o nosso amigo LuÃs de Camões:
"Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
Ligeiro, ingrato, vão, desconhecido,
Sem falta lhe terá bem merecido
Que lhe seja cruel ou rigoroso.
Amor é brando, é doce e é piedoso;
Quem o contrário diz não seja crido:
Seja por cego e apaixonado tido,
E aos homens e inda aos deuses odioso.
Se males faz Amor, em mi se vêem;
Em mim mostrando todo o seu rigor,
Ao mundo quis mostrar quanto podia.
Mas todas suas iras são de amor;
Todos estes seus males são um bem,
Que eu por todo outro bem não trocaria."
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