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Rafael Lemos
Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.
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Você é a parte que falta
22/06/2007
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Um milhão de torcedores ama o Atlético Paranaense e pelo menos outro milhão odeia o Atlético. Quem é muito amado também é muito odiado e, até aqui, novidade nenhuma, apenas o velho mundo de sempre com sua moeda onde o amor é cara e o ódio, coroa.
Somos um milhão de apaixonados Rubro-Negros, e só temos a nós. Somos muitos, é verdade, mas não podemos nos dar ao luxo de promover divisões dentro de nossas fileiras: precisamos de todos. A minha razão e a sua razão pouco importam quando a razão é o Clube Atlético Paranaense.
Mesmo antagônicas, as razões devem confluir para o ponto que for mais benéfico ao Atlético e, desde que o Atlético saia ganhando, pouco há de importar de onde partiu a tese vencedora. Não deve haver espaços para vaidade, hoje o Atlético precisa de todos, sem exceção. Hoje, todo atleticano é protagonista desta História que vem sendo escrita há 83 anos.
E é inegável que, neste momento em que estamos vivendo, a maior prioridade atleticana é o término da Arena. Dia desses, da varanda do quarto andar de um dos edifícios situados ao redor do estádio, fiquei observando a imensa área que dará lugar à majestosa segunda fase do Complexo Esportivo do Clube Atlético Paranaense.
Terreno grande, espaço dos mais nobres, chão de onde brotará o pedaço que falta para completar o sonho. Obra orçada, inicialmente, em 30 milhões de dólares. Dinheiro grande, sonhos custam caro e o grande desafio é, no plano da realidade, captar todo esse recurso.
Daquela varanda, concluí que a segunda fase de obras do Complexo Esportivo do Clube Atlético Paranaense é tarefa para todos os atleticanos, indistintamente. E enquanto olhava aquele espaço, veio à minha lembrança a bela história da construção do estádio Beira-Rio, de propriedade do Internacional de Porto Alegre.
O Internacional fez seus primeiros treinos, em 1909, num terreno da Rua Arlindo, mas nem chegou a jogar ali, ficando no local apenas um ano. Depois, mudou-se, em 1910, para um campo que hoje ficaria entre o Hospital de Pronto Socorro e o Colégio Militar, na "Várzea", que tinha até "um elegante pavilhão" para mil pessoas. Expulso da Várzea, o Inter foi procurar um outro campo, e, em 1912, o presidente do clube, Júlio Seelig, alugava a Chácara dos Eucaliptos, na Azenha, hoje entrada da Avenida Carlos Barbosa, confluência da Azenha com Germano Hasslocher.
Na Azenha, o time jogou até 1928 quando o Asilo da Providência, dono da Chácara dos Eucaliptos, resolveu vendê-la, dando preferência ao Inter, embora o preço fosse alto. No dia 15 de abril de 1931, o Inter inaugurava o "majestoso" Estádio dos Eucaliptos. O Estádio dos Eucaliptos, com suas arquibancadas de madeira, foi inaugurado no dia 15 de abril de 1931.
Em 12 de setembro de 1956, foi doado ao Inter o terreno para construção do Beira-Rio, mas o Inter estava ganhando, na verdade, um terreno dentro da água, pois o aterro só começaria em 1958. As primeiras estacas foram batidas em 1959. Em 1965, as obras chegaram a parar e só continuaram com a ajuda do Banco da Província do Rio Grande do Sul. Em 1966, o Beira-Rio ainda era ironicamente chamado de "bóia cativa".
O time do Inter perdeu muito nesta época, porque o dinheiro era quase todo repassado à construção do estádio. "A gente torcia pelos pedreiros", lembram muitos colorados, e muito material de construção foi doado pela torcida (consta que até o Falcão, mais tarde ídolo colorado, chegou a trazer tijolos para a construção).
O Beira-Rio, oficialmente "Estádio José Pinheiro Borda" em homenagem ao imigrante português presidente da comissão de construção (falecido antes do término da obra), foi inaugurado dia 6 de abril de 1969. Finalmente, o Inter pôde recuperar a hegemonia no futebol gaúcho. Terminou com o hepta do Grêmio e construiu seu octacampeonato, com o primeiro título dos oito sendo levantado em 1969, mesmo ano da inauguração do Gigante da Beira-Rio.
O Beira-Rio foi construído, em grande parte, com a contribuição direta da torcida, que trazia tijolos, cimento e ferro para a obra, inclusive do interior gaúcho. Havia programas especiais de rádio para mobilizar os torcedores colorados em todo o Rio Grande do Sul. A essa mobilização estadual se deve a própria expansão territorial do Inter que passou de “time do povo de Porto-Alegre” a “time do povo do Rio Grande do Sul”.
Uma das ações mais comoventes dessa época de construção do Beira-Rio foi a colocação de centenas de garrafões de vidro e de plástico defronte ao Estádio dos Eucaliptos para que os torcedores mais humildes pudessem depositar suas notas amarrotadas de um cruzeiro.
Aos poucos, os garrafões iam sendo recheados com as notas de um cruzeiro que eram depositadas, com amor, pelos colorados (como os garrafões ficavam permanentemente em frente ao estádio, todos podiam dar sua colaboração, mesmo aqueles que não tinham condições de comprar o ingresso para assistir aos jogos podiam fazer suas doações). O Beira-Rio é fruto dos esforços de todos os colorados, sem exceção, e, por isso, é a materialização do orgulho e da força daquela torcida.
Hoje, o Atlético – a exemplo do Inter – precisa de todos para ver materializado o seu sonho e o seu orgulho. Para um torcedor apaixonado, colaborar com a construção do seu estádio é uma forma de entrar para a História. Mesmo sendo uma colaboração humilde, é uma forma de o torcedor poder dizer “Eu ajudei a construir a Arena, eu pertenço a essa conquista, essa conquista me pertence”.
E essa noção de fazer parte – dentro de suas possibilidades – da vida do clube é que faz incendiar a paixão no peito de cada torcedor. É essa noção de fazer parte da vida do clube que faz com que o torcedor comum firme seu compromisso com as coisas do clube. É como se a paixão, sempre unilateral, ganhasse uma nova dimensão, bilateral, sinalagmática, onde o torcedor precisa do clube, como o clube precisa do torcedor. E não há nada mais frutífero do que o amor correspondido.
Somos um milhão de apaixonados Rubro-Negros, só temos a nós e somos muitos! Precisamos de 30 milhões de dólares e precisamos de todos os atleticanos. Precisamos captar esse recurso e, para tanto, contamos com uma Diretoria atuante que irá buscar linhas de crédito, as mais diversas. Contamos com uma Diretoria que já atua no sentido de ampliar o número de sócios, hoje na casa dos 3.500 adeptos. Empresários doarão quantias generosas, torcedores irão adquirir novos camarotes, cadeiras e pacotes. Disso tudo advirá a quantia necessária à edificação da parte que ainda falta do imenso sonho atleticano. E todas essas ações são legítimas, válidas e eficazes na materialização do acalentado sonho vermelho e preto.
Mas como o Atlético pertence também aos mais humildes, que estão loucos para colaborar e que têm legitimidade para tanto, peço à Diretoria que ofereça a esses torcedores a oportunidade de depositar suas contribuições numa conta aberta especificamente para acolher essas doações mais populares. Essa conta será como os garrafões de vidro e de plástico dispostos à frente do Estádio dos Eucaliptos e que tanto ajudaram a erguer o Gigante da Beira-Rio. Hoje, o Atlético precisa de todos, sem exceção.
E aí, quando chegar o dia da definitiva inauguração da Arena da Baixada, cada torcedor atleticano – esteja ele onde estiver - poderá dizer, com os olhos marejados e o peito transbordando de orgulho: “Eu ajudei a construir a Arena, eu pertenço a essa conquista, essa conquista me pertence, eu faço parte dessa História”.
Hoje, na Arena, você, atleticano, é a parte que falta. Mas eu sei que se você for chamado se fará presente em nome do futuro dos nossos sonhos, em nome da nossa realidade, em nome da nossa paixão que é o Clube Atlético Paranaense.
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