Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Se o produto encalha, a culpa é do consumidor?

15/06/2007


Juarez Villela Filho, em sua mais recente coluna - Por que o Atlético tem tão poucos sócios? - respondeu à nota apócrifa publicada no site oficial do Atlético criticando a pouca adesão aos planos de sócios. O Juarez, como sempre, ofereceu-nos um grande texto, cheio de bons argumentos e de coerência. Ao final, lançou ao Mauro Holzmann a pergunta desafiadora: "Se o produto encalha na prateleira, a culpa é do consumidor?".

A questão é boa e carece de resposta, ou respostas, posto que é tema controvertido, daqueles que dividem opiniões, acaloram os debates e fazem surgir inúmeras correntes de pensamento. Embora a indagação tenha sido feita ao Mauro Holzmann, resolvi dar aqui minha resposta, e que, em linhas gerais, é a seguinte...

O Mauro Holzmann, homem de marketing e que já serviu ao poderoso Clube dos Treze, vê o futebol como um produto, onde consumidores adquirem de tudo, desde chaveiros até pacotes de ingressos para as temporadas. Nesse contexto, o próprio Atlético não seria mais do que um produto, uma marca, um logotipo impresso em camisetas, canecas, cinzeiros, e em toda sorte de artigos possíveis de serem disponibilizados aos consumidores brasileiros.

Essa parece ser a concepção dele, mas não é a minha e seguramente não é a de muitos torcedores que têm o direito de pensar diferente da cúpula atleticana, sem que sejam vistos como opositores, torcedores de ocasião ou menos atleticanos.

Entendo que o futebol é uma paixão, e não um produto. Somos torcedores e não consumidores e a razão que me leva a pensar assim é bastante simples: consumidores compram por necessidade; torcedores consomem por paixão.

Mesmo não querendo, você é obrigado a comprar uma escova de dentes, pois existe a necessidade imperiosa de se manter a saúde bucal. Ontem mesmo, tive de comprar uma, pois a minha estava com as cerdas deformadas. Não queria ter desembolsado doze reais naquela escova, mas não tive opção. A necessidade é inadiável.

No último mês de janeiro, tive uma amidalite que me levou cento e cinqüenta reais em dinheiro vivo na compra de antibióticos, mas tive de comprá-los, pois havia uma necessidade absoluta e a necessidade é inadiável. O consumidor necessita de um produto e compra, pois não lhe resta escolha: é comprar ou comprar.

Entretanto, defendo a idéia de que futebol é paixão e que, por isso mesmo, não tem consumidores, e sim, apaixonados, e isso é muito diferente, ao menos no meu ponto de vista. O torcedor consome por paixão, não por necessidade, e o grande ponto a ser atacado pelo nosso marketing esportivo é: como intensificar essa paixão.

O torcedor pode deixar de ir ao estádio, pois ir ao estádio sempre esteve longe de ser uma necessidade. Porém, saciadas as necessidades básicas, primárias ou inadiáveis, vamos chamar assim, o torcedor pode, sim, voltar-se à sua paixão e nela injetar boa parte do dinheiro que lhe sobejar, se é que dinheiro sobeja hoje em dia. Mas quem é que investe numa paixão morna, fria, debilitada? Ninguém!

Tomem o exemplo das mulheres, sempre sábias e saborosas: quando querem nos obter algo, produzem-se, maquiam-se, perfumam-se, metem-se naqueles vestidos provocantes, pintam a boca de vermelho e depois dizem bem baixinho que amam a gente e a gente burro acredita e lhes entrega até alma, como se já não fosse suficiente ter lhes dado o coração.

A paixão exige apelo, exige sedução e essa é a grande lição que aprendemos com as mulheres, essas verdadeiras víboras que vertem veneno em cada beijo e que o inoculam em nossas veias enquanto nos esvaímos de paixão (agora fui fundo, eu ainda acabo na Academia Brasileira de Letras, nem que seja tirando a poeira dos livros do imortal, e horroroso, Paulo Coelho. Minha querida Bruna Zonatto, você vai me desculpar, mas Paulo Coelho é dose pra cavalo!!! ).

E é aí que está: quais são os apelos atualmente existentes para vender o Atlético aos seus apaixonados torcedores? O que há no nosso Atlético em 2007 para poder nos seduzir? Nada e aí a paixão fica morna, fica fria, fica burocrática e cai naquela mesmice onde um jogo é só mais um jogo e nada mais. Fica faltando um tempero, uma mágica, um diferencial daqueles que movem o torcedor apaixonado a querer mais e sempre mais.

O último ano do Atlético e de sua relação com a torcida foi de um marasmo incomparável, e me perdoem a expressão: foi de uma absoluta falta de tesão. A coisa andou como naqueles casamentos em que o sexo e as compras do mês são listados na coluna das obrigações, ao lado do pagamento da prestação da casa, do carro e do colégio das crianças e a coisa não pode continuar assim.

Ir à Arena já não nos desperta grandes interesses até porque a gente sabe que vai ver em campo um time burocrático, sem vibração, sem ousadia, com raríssimos lampejos de bom futebol, como aconteceu em 2006. Ademais, o primeiro semestre de 2007 não nos apresentou nada de novo: em campo, futebolzinho sonolento, jogadores carimbando a bola, partidinhas pra encher lingüiça, pra encher o saco, mas não pra encher os olhos. Coisa feia, em resumo.

Poxa, sair de casa para ver um Atlético protocolar é dose. Sair de casa para ver a torcida se auto-consumindo é de arrebentar. Sair de casa para pagar "trinta, quarenta conto" e assistir a um jogo do campeonato paranaense chega a ser deboche se antes não for crime contra a economia popular. Adquirir um plano de sócio nessas circunstâncias? Quem haverá de fazer?

Qualquer estudante de primeiro semestre de Economia sabe que existe a tal lei da oferta e da procura. Produto muito procurado vale mais; produto menos procurado vale menos. Muita oferta: produto barato; pouca oferta: produto caro. Coisa rara vale muito, coisa comum vale menos. Pois é, mas nossa Diretoria não vê as coisas desse jeito, bota na vitrina um time sem atrativos e quer que a torcida entenda que isso é normal. Poxa, o torcedor não é burro, tampouco despreza o valor do seu dinheiro!

Sendo o torcedor um apaixonado, ele quer pagar para ver um time sedutor, encantador, mágico e não para ver um time burocrático, sem encantos, que mal faz o feijão com arroz e pensa ter servido à massa caviar.

Querem agitar a massa, querem multiplicar os sócios e incendiar a paixão? Então façam ao menos uma contratação de impacto e nesse ponto lembro o início de 1990, um ano mágico para o Atlético que, naquela época, nem sequer tinha 10% da estrutura atual.

O Farinhaque detonou a bomba: um atacante de renome nacional estaria vindo para o Atlético. Foi isso que explodiu em letras vermelhas na manchete da Tribuna do Paraná. Pronto: o povão ficou numa ansiedade só. Especulávamos pelas esquinas quem seria o atacante, quando chegaria, etc. Noutro dia, mais uma manchete: Matador chega hoje ao Atlético. Não deu outra: a massa se mobilizou como pôde para recepcionar o craque no Afonso Pena.

Eu fui num dos ônibus que se encontravam na frente do velho Joaquim Américo, prontos para partir ao encontro do craque. Lá, acabou-se o mistério: Kita desembarcou, no meio da galera, vestiu a camisa do Atlético, beijou o manto e prometeu gols, títulos e amor eterno. O povão não se agüentava, levava o Kita nos ombros, gritava o nome do cara e faltou pouco pra gente trazer o Kita nas costas de São José dos Pinhais a Curitiba. Era a paixão, numa de suas expressões mais eloqüentes!

No final das contas, o Kita nem foi o atacante mais incisivo do nosso Atlético em 1990, mas a chegada dele - naquela tarde - encheu-nos de energia para passar por cima de qualquer um. O povão vivia em êxtase, em transe, mobilizado para chegar às alturas. E olha que foi um ano difícil, tivemos de mandar jogos em três estádios de Curitiba, e nada nos arrefeceu o ânimo.

Éramos uns loucos, uns apaixonados, uns cegos de amor pelo Atlético que correspondia em campo como se jogasse a cada partida uma decisão. Assim, fomos campeões do Paraná e vice-campeões da Série-B. A paixão era tanta que a Tribuna do Paraná batia recordes de vendas a cada segunda-feira, pois o Atlético estava encantador, sedutor, arrasador (lembram do carrasco Dirceu? E do gol do Berg? Sessenta mil Tribunas vendidas a cada segunda-feira! Aquilo tudo era pura magia, puro encantamento...).

Longe de mim ser o dono da verdade, mas entendo que futebol é uma paixão, e não um simples produto. E mesmo que seja um produto é daqueles que só se pode vender sob o signo da paixão. Somos torcedores, e não consumidores. E a razão que me leva a pensar assim é bastante simples: consumidores compram por necessidade; torcedores consomem por paixão.

Mesmo não querendo, a gente é obrigado a comprar uma dúzia de ovos, pois existe a necessidade imperiosa de se fazer uma omelete para o jantar. Mas para se consumir futebol é preciso paixão, das grandes, daquelas que fazem a gente comprar a camisa, vestir a camisa, mas, sobretudo, amar a camisa não como um produto de prateleira, mas como a segunda pele, a segunda alma, como a própria vida, ou mais!

P.S.: Como se sabe, a Furacao.com é o site mais acessado pelo povão atleticano. Vem daí a imensa força do site, força conquistada por conta da credibilidade plantada e cultivada ao longo de todos esses anos de excelentes serviços prestados à causa Rubro-Negra. Na carona desses acessos, venho pedir, publicamente, que vocês, queridos leitores, visitem dois sites:

http://www.apacn.org.br
http://www.doepequenoprincipe.org.br

A APACN, Associação Paranaense de Apoio à Criança com Neoplasia, está ajudando o meu amiguinho Caio, de cinco anos, a se curar de uma doença neoplásica bastante agressiva. Conforme o combinado, Caio, o Tio Rafa deixa aqui um beijo pra você e pra todos os amigos aí da APACN. Quando você melhorar, o Tio te leva lá na Arena, com direito a coca-cola e pastel (e com direito à vitória do Atlético, se Deus quiser!).

O Hospital Pequeno Príncipe - referência para o atendimento pediátrico de alta complexidade (cirurgias cardíacas, oncologia, transplante renal, hepático, cardíaco, entre outros) - sempre necessita de apoio e é fundamental a nossa doação que não precisa ser, como vocês verão no site, em dinheiro.

Consumidores compram por necessidade; torcedores consomem por paixão; seres humanos doam por amor.


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