Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Amar, verbo intransitivo, tempo presente

08/06/2007


Há quem me chame de romântico, principalmente quando o tema é futebol. “Rafael, você é um romântico!” – dizem aqueles que querem, na verdade, dizer “Rafael, você é um grande idiota. O futebol já não é aquele dos tempos de Pelé, de Garrincha e do amor à camisa!”.

Há quem me chame de poeta, principalmente quando o tema é futebol. “Rafael, você é poeta!” – dizem aqueles que querem, na verdade, dizer “Rafael, você é um grande imbecil. O futebol é relva, não é rima; é meta, não métrica; é grito, não é declamação. Às favas o Armando Nogueira, o Nelson Rodrigues, o Pelé e o Garrincha: futebol é resultado, como diriam o Morsa e o Godói!”.

Os que me chamam assim estão cobertos de razão: sou um romântico incorrigível, um poeta – autor de versos horrorosos, mas sou – e sou um grande idiota, um grande imbecil e mais: um saudosista, um sonhador, um cara que ainda consegue ver beleza nas coisas simples, nos pequenos gestos, nas palavras escritas ou ditas, um cara que ainda consegue ver um traço de beleza no silêncio.

Os que me chamam de “grande idiota, perfeito imbecil” são bem diferentes de mim. Eles têm dinheiro, posição social, falam bem, vestem-se com elegância, distinguem todo tipo de vinho pelo cheiro, cor, safra, geografia. Eu, na minha imbecilidade, classifico os vinhos entre brancos e vermelhos, depois os subdivido entre doces e sem-açúcar.

Feita a classificação, bebo – feliz da vida – os meus vinhos vermelhos e brancos: o que me importa mesmo é a companhia, é a companheira, principalmente se ela estiver usando uma calcinha vermelha ou preta. Depois o tempo se encarrega de classificar as companheiras entre inesquecíveis e inexpressivas. Revendo a minha vida amorosa, todas as namoradas e as ficantes, as que duraram meses ou dias, lembro-me que ela se chamava Karen, lembro que faz tanto tempo e não me lembro de mais nada. Quem é romântico se decepciona com facilidade, e não aprende (sempre no mesmo engano outro retrato).

“Grande idiota, perfeito imbecil”: mereço a fama nada meritória, por preferir o drible ao gol; o mar ao porto; a luta à vitória. Sou idiota por acreditar em coisas que todos julgam extintas: a verdade, a paixão, a amizade, o amor a uma mulher, o amor a uma camisa. Mesmo contrariando o mundo, sigo acreditando nessas coisas que me dizem superadas. Sem elas, em verdade, essa nossa vida não vale nada, não vale nada.

Mas hoje, este idiota se enche de brios para dizer, de fronte alta, que ainda existe amor à camisa, como nos tempos idos de Pelé e de Garrincha. Este idiota, que sempre acreditou nas coisas que custavam o preço de um sorriso sincero, vem a público declarar que aqui em Curitiba, capital do Paraná, sem vocação capitalista, um guri chamado Alex Mineiro, contrariando qualquer lógica mercantilista, recusou o rio de dinheiro carioca e deu uma banana pra bolada paulista. E ficou aqui, por amor à camisa do Clube Atlético Paranaense.

Hoje, este idiota – pelo menos por um dia – pode se jactar dizendo a todos que promoviam a zombaria: “Existe, sim, amor à camisa. Vocês lembram? Eu disse que ele permaneceria!” - e, à Zagallo, direi que muito terão de me engolir: Alex Mineiro ficou, para orgulho de nossas cores e para redenção do futebol que há muito se ressentia de um grande exemplo de amor à camisa como esse protagonizado pelo nosso amigo Alex Mineiro.

Quem sabe essa atitude anacrônica do Alex Mineiro - de amar à camisa num tempo em que o futebol é feito apenas de dinheiro e por dinheiro – ainda possa virar moda, ainda venha a ser comum. Se isso acontecer, teremos jogadores menos ricos, clubes menos comprometidos financeiramente, ingressos mais baratos, o povão mais pobre de volta aos estádios que estarão mais cheios de pessoas, de alegria, de lirismo, de magia e de sonhos – como nos tempos idos de Pelé e de Garrincha.

Porém se essa atitude anacrônica do Alex Mineiro for apenas um fato isolado, nem vou ligar: são realmente muito poucos neste nosso mundo que sabem exercer a arte de ver beleza nas coisas simples, nos pequenos gestos, nas palavras escritas ou ditas, são realmente poucos os que aprenderam a dificílima arte de amar. Amar uma mulher, amar uma camisa, amar sem exigir recompensas. Amar, verbo intransitivo.

Há quem me chame de romântico. “Rafael, você é um romântico!” – dizem aqueles que querem, na verdade, dizer “Rafael, desista! O futebol já não é aquele dos tempos de Pelé, de Garrincha e do amor à camisa! A vida não tem mais poesia! As mulheres querem só dinheiro. Rafael, não existe mais o amor!”. Podem falar, não lhes dou mais atenção.

Contrariando o mundo feio dos pragmáticos, e respaldado pelo belo exemplo de amor incondicional protagonizado pelo nosso Alex Mineiro, sigo acreditando nessas coisas que me dizem superadas. Sem elas a nossa vida não vale nada e, afinal de contas, o que seria da vida de um romântico, de um poeta, sem mulher, amor e futebol?


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