Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Só os heróis duram para sempre

04/06/2007


Quinta-feira, 31 de maio. Dor de cabeça e dor no fundo dos olhos. A boca parecia anestesiada. Saí da frente do computador, desci as escadas até chegar ao ambulatório da Secretaria Estadual da Saúde. A Ana mediu minha pressão: 16 por 12. Daí ela me deitou na maca e foi até a cantina pedir um chá de capim-limão para eu tomar. Fiquei olhando o teto do ambulatório. Dor de cabeça, dor na nuca, dor no fundo dos olhos, peito oprimido – parecia haver um saco de cimento sobre o meu esterno – a boca anestesiada e um olhar fixo no teto. Êta vida besta, meu Deus: se eu tivesse morrido naquela tarde, partiria desta vida sem ser notado e, pior, sem ter notado a vida. Tudo passa tão rápido.

A Ana me trouxe o chá, tomei-o sem vontade alguma. Não fosse o carinho da Ana em oferecer o chá eu bem que tinha deixado tudo pela metade. Tomei tudo, em consideração a ela. Enfermeira dedicada, perguntou-me acerca dos meu hábitos de vida e de saúde. A cada resposta uma reprovação. Colesterol alto, sedentarismo e cigarro: era pra eu cortar tudo isso. Comecei pelo cigarro. Há uma semana não fumo. A falta do cigarro é terrível nos primeiros dias de abstinência. A falta do cigarro leva a gente a ter vontade de matar alguém e esmurrar paredes. Felizmente, há muito mais paredes à disposição para os meus socos do que vítimas em potencial para o homicídio. O cigarro é uma droga destrutiva que precisa ser banida de uma vez por todas da nossa sociedade, sem hesitações, sem meio-termo.

Uma semana sem fumar, mau humor do cão, vontade de resolver tudo na pancada e o mundo exterior produzindo notícias 24 horas por dia. A cabeça a ponto de explodir: pressão nos mesmos 16 por 12, segundo o aparelho que comprei para medi-la sem sair de casa. A tevê bombardeando a minha cabeça: “Mãe joga recém-nascida na valeta, em Colombo” – vontade de trucidar uma desgraçada dessas! Operação Navalha, Renan Calheiros, trabalhador assassinado no shopping, crianças fumando crack na madrugada de São Paulo, biografia do José Genoíno, o Erário sendo sugado por maus brasileiros, parasitas, tumores cancerígenos dentro da carne da nação. 16 por 12 de pressão. Depressão.

Dagoberto. Feito pelo Atlético. Venerado pela torcida atleticana. Respeitado pela massa vermelha e preta. Aliciado por outra massa. Longa novela. O guri jurava amor eterno, beijava a camisa, fingia lealdade. Quando chegou ao Atlético não era nada. Foi transformado num monstro. Monstros são cruéis. O piá foi cruel com a torcida, com o Atlético, com nossa História. Foi cruel com as crianças que se vestiam de Dagoberto pra bater sua bolinha nos parques, nas quadras, nos campos. Quando a gente passa dos dezoito anos, começamos a ser responsáveis por todos os nossos atos. O Dagoberto não foi vítima dos seus empresários, ele foi co-autor de todos os atos danosos, e dolosos, perpetrados contra as cores Rubro-Negras. Dagoberto quando chegou ao Atlético não era nada; ao sair, era menos ainda. Traição.

Marcão, o Deus da Raça Rubro-Negra, deixa o clube por conta de uma oferta irrecusável do Internacional de Porto Alegre. Fiquei pensando: o que seria de mim se o meu Deus, a quem rezo todos os dias, me abandonasse pra ir atrás de uma proposta irrecusável? Deus que vai atrás de uma proposta irrecusável não é Deus, é homem e, com tal, pronto a cair em tentação. O dinheiro é uma grande tentação: levou-nos o homem, por 120 dinheiros, moedas suficientes para comprar um homem, mas jamais para comprar um Deus. Deuses não se vendem, nem se compram, nem se deixam levar pelo tilintar das moedas. Ainda bem que o Deus a quem rezo todas as noites nunca me abandonou. O Deus da Raça Rubro-Negra não era Deus e, se tinha Raça, ficou provada que não era Rubro-Negra. Decepção.

Alex Mineiro, uma das peças mais importantes da maior conquista do Atlético em seus 83 anos de História. Quando chegou ao Atlético, estava em baixa. Aqui encontrou uma torcida apaixonada, um clube estruturado e um destino que, só Deus sabe explicar por quê, colocou ao seu alcance a autoria de oito gols decisivos em apenas quatro partidas. Alex Mineiro ajudou a bordar uma estrela amarela na camisa do Atlético; o Atlético fez a estrela de Alex Mineiro brilhar. Hoje, Alex Mineiro é um dos maiores expoentes da vida do Atlético. Hoje, Alex Mineiro jura amor eterno ao Atlético e diz querer ficar. Mas que amor é esse que, para ser eterno, para valer ficar, cobra um milhão de reais? Na minha terra gentil, onde o bom filho não foge à luta, quem cobra caro em troca de amor não se chama ídolo, mas, sim, prostituta. Por um milhão de reais, eu fico com a Hebe Camargo e juro amor eterno!

Alex Mineiro, não há dinheiro no mundo que possa comprar a posição que você, com tanto empenho e todos os méritos, conquistou dentro do Clube Atlético Paranaense. Não se deixe seduzir pela fortuna material. Quando a gente passa dos dezoito anos, começamos a ser responsáveis por todos os nossos atos. Você não vai poder dizer ter sido vítima do seu empresário: se você capitular diante da generosa oferta será co-autor de todos os atos danosos, e dolosos, perpetrados contra as cores Rubro-Negras, será mais um traidor!

Amigo Alex, depois dos trinta anos – como é o nosso caso - a pressão da gente pode chegar a 16 por 12, a gente pode morrer de repente. Aconteceu comigo dia desses. Êta vida besta, meu Deus: se eu tivesse morrido naquela tarde, partiria desta vida sem ser notado e, pior, sem ter notado a vida. Tudo passa tão rápido! Só aqueles que escrevem seu nome na História é que ficam eternizados. Você escreveu seu nome na História do Clube Atlético Paranaense. Você está fadado à eternidade. O dia que você morrer, será notado, será homenageado. Eu, quando menino, queria ser jogador do Atlético, para encher os adversários de gols, para levantar a taça mais importante e colocá-la na galeria do meu Atlético Paranaense.

Quando eu era menino, vestia a camisa do Atlético com tanto amor que, apesar de ser um perna-de-pau nato, conseguia romper defesas, marcar meus gols e honrar o manto que me cobria o peito. Por causa do Atlético, quebrei duas vezes a perna, tive luxação no dente, levei botinadas como se fosse um cachorro sarnento, dei botinadas como se visse no adversário um cão danado: por causa do Atlético eu vivi, e sonhei, e sofri e vou morrer um dia, mesmo sabendo que não serei lembrado, mesmo sabendo que não entrarei para a História deste Clube que eu amo e que é uma das grandes razões da minha existência.

Você, Amigo Alex, conseguiu ser, na vida real, o que tantos meninos atleticanos – hoje homens feitos – só conseguiram ser na dimensão do sonho, ou na dimensão de uma pelada perdida nos dias da infância. Você foi o herói que nós queríamos ser em prol das coisas do nosso Atlético! Depois de ser herói, você admite correr o risco de se tornar vilão e de ter o nome manchado na História Rubro-Negra? Se cada um desses meninos pudesse ter nas mãos um milhão de reais, comprariam esse lugar precioso que você ocupa na História Atleticana.

Se você tivesse nas mãos um milhão de reais e oferecesse esse um milhão a cada um desses meninos atleticanos, ouviria, de cada um deles, a mesma negativa. Nenhum desses meninos lhe venderia a honra de ser um grande, e eterno, herói atleticano. Nenhum atleticano botaria a perder a honra que é ocupar a galeria dos grandes heróis atleticanos. Nenhum atleticano venderia o seu sonho, principalmente depois de ele ter virado uma bela realidade, materializada na forma de uma estrela amarela que, quis Deus e o destino, estivesse ao alcance das mãos (e dos pés) de um guri chamado de Alexander Pereira Cardoso, chamado de Alex Mineiro, ou simplesmente chamado de herói por um milhão de Atleticanos. E esse um milhão de Atleticanos vale muito mais do que um milhão de reais. Fica, Alex Mineiro. Tudo passa tão rápido, só os heróis duram para sempre!


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