José Henrique de Faria

José Henrique de Faria, 74 anos, é economista, com Doutorado em Administração e Pós-Doutorado em Labor Relations nos EUA. Compareceu ao primeiro jogo do Clube Atlético Paranaense em 1950, no colo de seu pai. Seu orgulho é pertencer a uma família de atleticanos e ter mantido a tradição. Foi colunista da Furacao.com entre 2007 e 2009.

 

 

Colonialismo tupiniquim

26/05/2007


Abro os jornais nas páginas de esporte e freqüentemente leio que algum bom atleta está ou estará deixando o Clube para jogar em uma equipe de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul ou Minas Gerais. Não é de hoje. Faz muitos anos que este movimento colônia-império ocorre. Recentemente, foram Aloísio e Dagoberto para o São Paulo e o Marcos Aurélio para o Santos. Não quero entrar no mérito das quizilas que houve em torno dos casos, mas apenas citá-los. Agora, em um dia Denis Marques está indo para o Palmeiras. No outro dia, quem vai é o Alex Mineiro. Marcão está arrumando as malas para ir jogar no Internacional. Mesmo que nada aconteça, as notícias revelam sempre a síndrome de quinta comarca de que se padece por estas terras das araucárias.

Desejamos entrar no seleto grupo de elite, mas não ficamos com os jogadores que levam torcedores ao estádio, que fazem com que se tenha vontade de torcer, que preocupam os adversários, que dão notoriedade ao clube. Pouco importa os motivos, pois eles sempre existem e serão justificados com uma boa argumentação racional. Não lembro, no entanto, de ter lido uma notícia ao estilo "Zé Roberto troca o Santos pelo Atlético Paranaense", "Atlético Paranaense contrata Alexandre Pato junto ao Internacional" ou "Lúcio e Juan retornam ao Brasil para jogar no Atlético Paranaense". Tirando o exagero, não li e acredito que não lerei. A rota por aqui tem mão única. É um jogador excepcional, é um gênio, é um goleador, então o caminho é a Avenida das Torres em direção a São José dos Pinhais e ao Aeroporto Afonso Pena. Mas, é preciso ir logo, por força do apagão e das irrecusáveis ofertas do imperialismo tupiniquim.

Talvez (só para efeito de argumentação, mas pode-se usar "certamente") o futebol tenha se tornado um mercado no qual o jogador é uma mercadoria que se compra barato, agrega-se valor e se vende caro. Especialmente nestes tempos em que proliferam empresários de atletas que vivem como hospedeiros das virtudes dos seus representados. Faz-me lembrar aqueles dois personagens de Carlo Collodi (na verdade, Lorenzini), a Raposa e o Gato, que seduziram Pinóquio com a promessa de um mundo maravilhoso, mas que de fato desejavam vendê-lo ao circo. Se for isto, ir ao campo tem o mesmo sentido do que ir em uma feira de exposição. É claro que existem negócios (bons e maus negócios), mas esta não deveria ser a atividade principal de um clube de futebol, apenas uma conseqüência. É claro que existem projetos (CT, Estádio, Ginásio) e os mesmos representam um patrimônio do clube que deve ser mantido e desenvolvido. Mas, também é claro que existe uma torcida que é a razão da existência histórica do clube e que deve ser preferencialmente considerada em todas as decisões e é neste sentido que é preciso investir contra a visão imperialista que ainda impera no reino do futebol.

Mas, o colonialismo tupiniquim não afeta somente o trânsito de jogadores da colônia para o império. Depois de 17 anos no ar, o programa local Mesa Redonda, em sua edição de domingo à noite, certamente líder de audiência dos aficionados do futebol de todo o Paraná e de vários pontos do Brasil, foi substituído, por decisão da rede JB que (adquiriu a CNT), por um programa em rede nacional de entrevistas com o apresentador Clodovil. O programa conduzido pelo apresentador-deputado Clodovil é uma destas inexplicáveis demonstrações de como o raro mau gosto, com perguntas pacóvias, em um ritmo vagaroso e desanimado, com temas desinteressantes e cansativos, pode ter um exagerado tempo em rede nacional, enquanto um programa local de grande audiência, com tradição, é simplesmente desprezado. Somente a visão imperialista da rede com relação ao papel de reprodução da colônia pode explicar tal desatino.

Não tenho idéia de qual é o índice de audiência do programa do apresentador-deputado, mas apenas o desrespeito pelas coisas locais já é suficiente para formar juízo. Eis que a síndrome da quinta comarca ataca a autonomia da competência regional. Já são raros os programas locais (mais raros ainda se forem suprimidos os noticiários) e ainda os que existem, são eliminados em favor de um programa que não agrega absolutamente nada ao conhecimento, à cultura, à diversão, à arte. Perdem-se as discussões comandadas por Fernando Gomes, com Sicupira, Valmir Gomes, Walter Xavier e convidados, perdem-se os gols, os lances, os tira-teimas, para a chatice que representa um deputado-apresentador preconceituoso, pedante e inconveniente. O império impõe à colônia sua visão de mandarinato.

Tudo isto me faz recordar o poema feito por um pastor evangélico alemão, Martin Niemoller (1892-1984), preso por Hitler em 1938, durante a ascensão nazista.

"Primeiro eles vieram atrás dos comunistas,
E eu não protestei, porque não era comunista.
Depois, eles vieram pelos socialistas,
E eu não disse nada, porque não era socialista.
Mais tarde, eles vieram atrás dos líderes sindicais,
E eu calei, porque não era líder sindical.
Então foi a vez dos judeus,
E eu permaneci em silêncio porque não era judeu.
Finalmente, vieram me buscar,
E já não havia ninguém para protestar."


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