Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Baixada: a casa de todos

11/05/2007


Caiu o muro. Muros não deveriam existir por nada. Muros envergonham e separam. Muros são obstáculos à visão, folhas brancas para os antipoetas escreverem os antiversos. Muros são o avesso, nunca o direito. Muros são os soldados de pedra, gigantescos, que se perfilam sobre as fronteiras cuidando para que ninguém ouse ultrapassar a linha, romper a barreira e intentar o sonho. Muros são mãos espalmadas diante dos pássaros a lhes negar o direito – sagrado – do vôo, sua natural vocação.

Caiu o muro na Água Verde, muro que não deveria ter existido por nada. Muro que envergonhava e separava. Muro que obstaculizava a visão, folha branca – depois pintada de vermelho e preto - onde não cabia poesia alguma, apenas um antiverso que dizia “Não jogue objetos no gramado, sob pena de sanções do STJD”. Muro que era o avesso, muro que nunca foi o Direito.

Muro feito de soldados mercenários – grandes covardes que se perfilavam sobre a fronteira com crianças em idade escolar no colo, como se elas fossem uma espécie de escudo - cuidando para que ninguém ousasse ultrapassar a linha, romper a barreira e intentar o sonho. Se avanço houvesse, eles gritariam “Temos crianças!” – e não há exército no mundo capaz de avançar contra inocentes. Grande chantagem, recuo sempre inevitável. Mãos espalmadas diante da gente atleticana a lhe negar o direito – sagrado – do crescimento, sua natural vocação.

Caiu o muro, nada mais nos separa do sonho: é nossa a terra, finalmente! E só quem teve a terra por tantos anos negada sabe lhe dar o justo valor. Essa terra, que nos é sagrada posto que é a continuidade física do nosso solo quase secular ali na Baixada da Água Verde, dará base sólida à parte do sonho que resta ser edificada. Sobre essa faixa de terra, construiremos o que falta para nossa casa acolher, num só abraço, todos os seus filhos. E nunca mais haverá muros a nos obstaculizar a visão, a nos causar vergonha, a nos separar do sonho, a nos impedir o vôo.

Caiu o muro. Doravante, temos diante de nossos olhos uma folha em branco e diante de uma folha em branco podem surgir os mais diversos olhares, os mais diferentes projetos para a conclusão de nossa Arena.

Os olhos afetos à simetria das construções verão naquele espaço a necessidade de se reproduzir, com exatidão, as estruturas já edificadas e inauguradas em junho de 1999. Se essa visão simétrica lograr êxito, teremos: reta oposta – inferior e superior – e os mesmos espaços destinados aos camarotes e cabines. Sob o ponto de vista da Engenharia Civil, projeto perfeito; sob a visão mercadológica, projeto ideal. Eu mesmo não me oponho a essa proposta, mas vou me aventurar a lançar outra, mais poética e – talvez por isso – menos viável já que a poesia em nossos dias é cada vez mais indesejada.

Nos meus planos, a segunda fase da Arena até que poderia ser simétrica, em forma de reta oposta inferior e superior, assim como simétricas seriam as torres de sustentação e a própria estrutura metálica usada como cobertura. Até aqui não faço reparo àquele projeto simétrico que mencionei e que – imagino – seja o favorito dos Engenheiros e Arquitetos.

Mas no projeto dos meus sonhos – ou dos meus delírios – a segunda fase não comportaria camarotes e cabines radiofônicas, televisivas, ou seja lá que outra mídia possa utilizar esses espaços. Na minha segunda fase haveria espaços dedicados exclusivamente às torcidas organizadas do Atlético.

Talvez destinasse a essas torcidas apenas a reta inferior, ou a superior, mas nada de camarotes ou cabines para atrapalhar as organizadas. Nesses espaços, as organizadas poderiam se expressar livremente, com batuques, papéis picados, bandeiras, faixas, adereços de mão, fumaça de extintores e sinalizadores. Enfim, poderiam usar todos os recursos que sempre usaram para embelezar o espetáculo e que, de uns tempos para cá, foram sendo proibidos por pura frescura, a meu ver.

Estádio de futebol não é hospital, não é igreja, não é salão de chá para senhoras. É local de festa, barulho, batuque, gritos, cores, palmas e todo tipo de expressão que possa botar o time para frente, desde que essas atitudes de incentivo não se convertam em atos de violência e desrespeito aos demais torcedores.

O que eu não aceito é que questões meramente mercadológicas retirem da Arena a força da Fanáticos ou da Ultras. Essas facções - que já fizeram muito pelo Atlético - precisam ser atendidas quando da construção da segunda fase da Arena. Elas - ao lado de nós, torcedores comuns, ou avulsos, ou não-organizados – dão alma à Arena e botam o Caldeirão pra ferver em altas temperaturas. Abrir mão de uma Fanáticos forte e de uma Ultras com todo gás é retirar do Atlético e da Baixada boa dose de sua potência.

Penso que essa segunda fase de obras é uma grande oportunidade para se corrigir imperfeições do projeto original (ninguém parou para pensar que as organizadas ficariam como obstáculos visuais aos camarotes) e é uma grande oportunidade para se redimensionar os espaços dentro da Arena: os mais abastados ocupando os camarotes, o torcedor comum (ou avulso, ou não-organizado) ocupando a grande parte dos assentos do estádio e as organizadas ocupando espaços destinados a elas, sem camarotes atrás, sem cabines de imprensa e sem restrições para o batuque, para as bandeiras e para a festa em geral.

A Engenharia brasileira, que já construiu Itaipu e a Ponte Rio-Niterói, pode muito bem projetar um estádio capaz de acomodar nossas torcidas organizadas sem que elas atrapalhem e sem que elas sejam atrapalhadas.

O Atlético precisa da força total da Fanáticos, da Ultras e de outras facções que possam vir a surgir. Na verdade, o Atlético precisa de todos nós e agora que caiu o muro da Água Verde não há mais espaço para divisão: a ordem agora é unir esforços e construir um Atlético forte para todos, dentro da casa que acolhe toda a nação rubro-negra num gigantesco abraço.


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