Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

De estrelas e de esperanças

09/05/2007


Era uma menina. Dezesseis anos. Levava no ventre outra menina: Esperança. O noivo saira do norte do Paraná rumo a Curitiba. Precisava de um emprego que lhe desse a condição de sustentar sua família.

A gravidez se desenvolvia e nenhuma notícia chegava à moça. Esperança crescia no ventre daquela menina que também crescia. Abandono. Desespero. Por fim, resignação: ele não voltaria, ela estava só ou, por outra, restara-lhe a Esperança. Era a hora. A menina se dirigiu ao Hospital Regional, levando o pouco que tinha numa sacola branca de alças vermelhas. Esperança era tudo o que ela carregava.

Veio a hora. Parto difícil. O bebê sofrera ruptura de traquéia e brônquio. Parto traumático: uma complicação rara. Esperança era um caso de neonato a termo nascido de parto fórceps que apresentou nas primeiras horas de vida enfisema subcutâneo, pneumomediastino. Foi necessário o uso de oxigenioterapia em altas concentrações. A broncoscopia revelou-se sugestiva de lesão traumática no brônquio principal direito. Não foi possível fazer mais nada. Esperança morreu, poucas horas após o parto.

A menina-mãe, sem saber da luta que Esperança travara contra a morte, restabelecia-se na enfermaria. Seu peito doía pelo acúmulo de leite e de angústia. Não via a hora de tomar nos braços a filha e dar-lhe o alimento sagrado pela primeira vez, como se assim pudesse estabelecer um vínculo indissolúvel, feito de amor, de afeto e de fé.

A mais antiga das enfermeiras lhe trouxe a notícia: Esperança não resistira ao parto. Ruptura de traquéia e brônquio. Essa foi a causa da morte. A menina-mãe ouviu tudo de cabeça baixa e lágrimas molharam o peito dolorido pelo acúmulo de leite e de saudades. A menina-mãe, levantando-se do leito, caminhou passos lentos e juntou aqui e ali seus poucos pertences, sua bolsa branca de alças vermelhas e o pouco de vida que ainda lhe restava.

Estava indo embora quando a mais antiga das enfermeiras lhe trouxe a notícia: uma jovem não resistira ao parto. Morrera de eclampsia, ao dar à luz uma menina. A menina recém-nascida não tinha mais ninguém. A menina-mãe, que acabara de perder sua Esperança, também não tinha mais ninguém.

Ao aconchegar a menina recém-nascida nos braços, a menina-mãe sentiu-se completa, sentiu-se leve, sentiu-se grande e era tanta a alegria que ela resolveu chamar a menina de Estrela. Estrela, dormindo tranqüilamente, tinha no rosto a paz vinda do amor e um tom de rosa que enchia de vida sua feição.

Naquela noite, a menina-mãe - que preparara seu coração para receber a Esperança - adormeceu com uma linda, e inesperada, Estrela sobre o peito. E foi feliz como ninguém poderia ser.

Era uma nação. Um milhão de torcedores. O peito aberto pronto para receber uma segunda Estrela Amarela: Bicampeonato Brasileiro. O campeonato de 2004 se desenvolvia obedecendo aos planos mais otimistas. Tudo era certeza.

Jogos difíceis, resultados improváveis, coisas inexplicáveis e a duríssima resignação: a segunda Estrela Amarela estava adiada e o peito, antes aberto em festa, fechava-se de dor, angústia, tristeza e perplexidade.

Nação de coração ferido. No peito, uma ausência, uma lacuna e um vazio enorme, do tamanho de uma estrela. Estava morta a esperança.

Mas eis que agora, no ano venturoso de 2007, parece ocorrer, uma vez mais para essa Nação, o milagre supremo: vem surgindo, para essa gente guerreira, outra estrela. Uma estrela que traz consigo a cura para aquele coração rubro-negro tão machucado pela perda do campeonato brasileiro de 2004. Uma estrela que preenche o vazio, que afasta toda tristeza, que conserta a História e que faz reviver a Esperança.

Seremos campeões da Copa do Brasil 2007 e em nosso peito há de brilhar mais uma estrela iluminada pelos raios da esperança. E cada atleticano será feliz como ninguém mais consegue ser.

Então, que venha o Fluminense, freguês antigo, dia 09/05/07, quarta-feira, na Kyocera Arena, 21h45. Há vinte mil atleticanos prontos para gritar na Arena, a plenos pulmões, "É Campeão"!

Há um milhão de atleticanos prontos para escrever a História, prontos para consertá-la e construí-la, com a força advinda da esperança que não morre nunca no peito da gente rubro-negra.


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