Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Valério Hoerner Júnior

05/05/2007


Sou um cara normal: igual a você, leitor; igual a todo mundo que anda nas ruas, que toma um cafezinho no balcão da Boca, que lê as manchetes dos jornais afixados nas bancas da XV; sou eu cara comum, até demais. Diria que chego a ser um cara sem graça, sem atrativos, de tão comum que eu sou.

E sendo assim, tão igual a todos, tenho muitos ídolos. Ter um ídolo - na minha opinião - é admirar, é - no fundo - querer ser igual, não a todo mundo, mas igual àqueles que a gente admira.

Embora eu seja avesso a conceitos acadêmicos, encarrego-me de afirmar que o ídolo é aquele no qual nos vemos retratados, é aquele que faz o que a gente gostaria de fazer, é a realização dos nossos próprios anseios, é aquele que materializa o sonho, que faz o impossível virar possível - ou ao menos parecer possível - o ídolo é aquele cara que nos serve de referencial, de exemplo, de espelho. E eu tenho muitos ídolos, muitos e nas mais diversas áreas. Orgulhosamente, apresento a vocês alguns dos meus ídolos.

Carlos Drummond de Andrade. Ah, como eu queria ter escrito "O Enterrado Vivo", em especial aquela estrofe: "É sempre no meu trato o amplo distrato Sempre na minha firma a antiga fúria Sempre no mesmo engano outro retrato".

Chico Buarque de Hollanda. Ah, quem dera ter saído de minha pena os versos da lindíssima canção "Angélica", cuja estrofe mais sofrida me parece ser: "Quem é essa mulher Que canta sempre esse lamento? Só queria lembrar o tormento Que fez meu filho suspirar".

Jesus Cristo. Ah, como eu queria ter aprendido a amar o próximo como a mim mesmo; a dividir o pão; a perdoar as faltas e a morrer - sem medo - para salvar meu semelhante. Ah, como eu queria aprender a perdoar aqueles que me ofendem. Para o homem comum, não é fácil viver o Evangelho, mas é preciso perseverança.

E nessa minha lista de admirados, cabem outros tantos ídolos: Oscar Niemeyer, Vinicius de Moraes, Charles Spencer Chaplin, Leonel Brizola, Mário Quintana, Paulo Leminski, John Lennon, Paul McCartney.

Meu avô materno - Félix Pedro, meus pais e meu irmão Flávio. O maior dirigente do futebol do Paraná em todos os tempos, Mário Celso Petraglia. Pelé e a Doutora Joeci Camargo - Juíza da 4ª Vara da Família de Curitiba, dona de uma biografia comovente e de uma trajetória das mais brilhantes dentro da Magistratura brasileira.

Doutor Cláudio Xavier, atual Secretário de Estado da Saúde, o homem público mais dedicado que conheci, dono de um Humanismo dos mais puros, sempre preocupado em melhorar a vida do seu semelhante, um ser humano iluminado, um dos poucos que aprendeu a amar o próximo como a si mesmo, a dividir o pão e a perseverar na Fé.

E nessa minha lista de admirados, sempre houve lugar para um gigante chamado Valério Hoerner Júnior.

Para imensa honra deste pobre Rafael que vos escreve, fui colega desse Monstro Sagrado Paranaense quando dividíamos o espaço de Colunistas no site RubroNegro.Net, de propriedade do meu amigo Franco a quem deixo aqui um afetuoso abraço, além da eterna gratidão por ter me oferecido espaço tão nobre, durante 14 meses, naquele site dedicado ao Atlético.

Pois bem. Sempre li as colunas do meu colega Valério Hoerner Júnior no RubroNegro.Net e essas leituras sempre me enchiam os olhos de lágrimas. Às vezes, eram lágrimas vertidas por conta do valor poético dos escritos; às vezes, eram lágrimas de riso; freqüentemente, apenas lágrimas de um fã que, sonhando em ser escritor, podia perceber claramente o quanto de talento lhe faltava e o quanto de talento sobejava ao Mestre Valério, dono de uma verve admirável.

Rendido ao talento do Mestre Valério Hoerner Júnior, passei a ler todas as letras por ele produzidas e cada texto deste gênio me acrescentava cultura, informações e fazia crescer em mim a vontade de escrever, fosse sobre o Atlético, sobre o Direito ou sobre a vida geral. Cada texto do Mestre aumentava minha admiração por ele. E assim as coisas estavam postas: ele, o ídolo; eu, o fã. Ele, o Mestre; eu, apenas professor. Ele, Jurista; eu, um simples advogado.

Ocorre que numa manhã dessas, meados de abril, chega à caixa de mensagens deste apenas Rafael um e-mail enviado por, acreditem, Valério Hoerner Júnior! Ao clicar na mensagem, pensei: "Xi, o homem deve ter achado uma dezena de erros de Português e vai me corrigir o traço!" - mas respirei fundo e abri a mensagem.

Para o meu espanto - que já era enorme só por ter recebido um e-mail do meu ídolo - o conteúdo da mensagem era elogioso e o Mestre dizia, acreditem, ler as minhas colunas e gostar delas.

Para o meu espanto - que já era absoluto - o Mestre me pediu o endereço completo, com CEP e tudo, para que me pudesse enviar duas obras. Para o meu encantamento, poucos dias depois chegaram a minha casa um volume da Biobibliografia da Academia Paranaense de Letras - obra escrita por Valério Hoerner Júnior em parceria com os Acadêmicos Túlio Vargas e Wilson Bóia - e um exemplar do magnífico "O Nó da Língua", este de autoria de Valério Hoerner Júnior, leitura que recomendo a todos que se dedicam a escrever.

Nas duas obras a mim oferecidas, o Acadêmico Valério fez constar dedicatórias emocionantes e que só poderiam vir das mãos generosas do meu colega dos tempos de RubroNegro.Net, Valério Hoerner Júnior.

As colunas do Professor Valério lá no RubroNegro.Net sempre me enchiam os olhos de lágrimas. Às vezes, eram lágrimas vertidas por conta do valor poético dos escritos; às vezes, eram lágrimas de riso; freqüentemente, apenas lágrimas de um fã que, sonhando em ser escritor, podia perceber claramente o quanto de talento lhe faltava e o quanto de talento sobejava ao Mestre Valério, dono de uma verve admirável.

As dedicatórias apostas pelo Mestre nos livros que me remeteu encheram os meus olhos com as lágrimas da gratidão. Lágrimas de um fã que, contrariando qualquer lógica, viveu - ao menos por um dia - a fantasia de sentir-se ídolo do seu ídolo.

A você, Mestre Valério Hoerner Júnior, ocupante da Cadeira nº. 40 da Academia Paranaense de Letras, Advogado, Professor Universitário e Atleticano, dedico esta humilde coluna. Ah, quem dera ter saído da minha pena toda a sua obra.

Mestre Valério Hoerner Júnior, muito obrigado! E para que o leitor possa ter a dimensão do gênio que é o Professor Valério, transcrevo adiante uma de suas colunas, verdadeira página de ouro no livro da história do nosso Atlético Paranaense. A coluna intitulada "A Glória e o Ocaso", foi publicada originalmente no RubroNegro.Net, no dia 08/08/05.

"O campeonato foi aquele de 1968, o super-esquadrão montado por Jofre Cabral: Muca, Charrão, Bellini, Gilberto, Pardal, Sidney, Jair Henrique, Dorval, Zé Roberto, Milton Dias e Nilson. Isto para o campeonato paranaense. Para o Roberto Gomes Pedrosa, designado por consenso por ter vencido o Torneio Jofre Cabral e Silva, que havia falecido em Londrina, no VGD, em 2 de julho torcendo pelo seu Atlético, clube que presidia, vieram outros craques, Célio e Nilo do Coritiba, e Madureira e Wilmar do Ferroviário; Zé Carlos do Água Verde, e mais Djalma Santos e Sicupira.

Mas isto é outra história, a que quero contar aconteceu no campeonato paranaense, não sei bem se foi contra o Britânia, ou contra o Primavera. Do primeiro, ganhou de 4 a 0; do segundo, 4 a 1. Talvez o placar de quatro tenha me confundido. Creio ainda que o técnico era, se bem me lembro, Nestor Alves.

Os jogos começavam às 15h30.

E já eram 15h30, o adversário e o trio de arbitragem no campo e o Atlético nada. Quando isso acontecia, os juízes ficavam apitando, chamando a atenção do time atrasado. Parece que havia um código, três apitadas, sei lá. E nada de o Atlético entrar. De repente, entrou. Mas somente com dez jogadores. Faltava o Zé Roberto. Aí, correu pela tribuna das sociais, aquela antiga que foi demolida para dar lugar à do Farinhaque, que ninguém encontrara o Zé, que uns diretores foram atrás dele sabe deus onde. No meio do campo, o juiz ouvia as lamúrias de diretores que haviam ficado para agüentar o tranco. O Zé já estava vindo, por favor... Vamos esperar mais um pouquinho...

É quando aparece o Zé Roberto cercado por diretores do Clube. Desde a entrada, foi ovacionado pela torcida que via aquele ídolo ter sido retirado da cama há poucos minutos... Olhos fundos, rosto amassado. Ele ria e dava com as mãos, no melhor sinal de satisfação. A galera vibrava. Adorava o Zé. Os diretores também riam e o juiz, em campo, deu um suspiro de alívio. Não podia segurar o início de um jogo por causa de um só jogador... Os diretores pagaram a mulher que dormia com o Zé numa boca quente qualquer e dava pra ver, nitidamente, que o Zé ainda estava meio bêbado.

Foi para o vestiário, mas o juiz começou a partida. O Zé entraria quando estivesse pronto. Deviam ser quase quatro horas da tarde.

Zé Roberto se vestiu e apareceu no buraco do túnel. A ovação foi maior ainda. Agora, de todo o estádio. E o juiz autorizou sua entrada.

Na primeira bola, não conseguiu matar e deixou que ela fugisse pela linha lateral. Todo mundo ficou meio quieto. Será que estava meio bêbado mesmo? Ocorreu, então, uma falta próxima à área adversária e o Zé quis bater. Na verdade, quem batia comumente era o Nilson Borges. Mas o Zé quis. Arrumou a bola na grama e num toque espetacular botou na gaveta. A festa foi total! Mesmo bêbado o Zé era o Zé. E jogou o fino da bola até o fim, fazendo mais um gol de craque e participando das jogadas dos outros dois.

Zé Roberto foi sempre um espetáculo à parte.

*** Em 1969, Zé Roberto voltou para o São Paulo. Depois jogou no Coritiba, dando-lhe tantas ou mais alegrias que ao Atlético. E já nos anos setenta, não me lembro precisamente em que ano, Zé Roberto estava um caco. Embora ainda jogasse, ninguém mais o queria. Anos de abuso, contusões mal curadas, remédios, álcool, desvarios, noitadas. Era este o retrato de um gênio do futebol. Talvez o maior craque que tenha jogado no Paraná. Um verdadeiro assombro.

O Atlético então deu-lhe a mão nesse final de carreira. Contratou-o. Deu-lhe tratamento médico e o pôs para treinar. Definitivamente, não era o mesmo. Tudo mostrava isso, até a cara do Zé. Havia, porém, no íntimo de cada torcedor rubro-negro, aquele fio de esperança: se jogasse vinte por cento do que jogara já estava bom. E foi anunciado o retorno do Zé Roberto.

Numa tarde, no estádio Durival Brito e Silva, o Atlético o poria em campo. Não lembro o adversário nem o ano, justamente porque me ficou gravada apenas a imagem daquele momento. Entrou o time em campo e o Zé, ovacionado, parecia agradecer aquela chance. Sua fisionomia era de felicidade e confiança. Ele voltava a vestir a camisa rubro-negra. Poucos minutos e ele é lançado. Levanta a perna para matar a bola e desaba no chão, deixando a bola correr. E sai de campo contorcendo-se e apoiado em ombros amigos, talvez tão pesarosos quanto ele. Mais uma vez foi aplaudido e agradeceu com as mãos, dirigindo-se à boca do túnel, àquela torcida angustiada, mas consciente do grande e último momento concedido a Zé Roberto num campo de futebol.

Foi uma retirada triste, mas coberta de dignidade".

Assim escreveu o Mestre Valério Hoerner Júnior, meu ídolo, aquele no qual me vejo retratado, que faz o que eu gostaria de fazer, que realiza meus anseios, que materializa o sonho, que faz o impossível virar possível - ou ao menos parecer possível - que me serve de referencial, de exemplo e de espelho.


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