Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Aos alunos, com carinho

27/04/2007


Para quem é atleticano, um coração só não é suficiente. Mas como a gente tem apenas um coração, vamos, resignados, tentando amontoar as emoções dentro do peito, na medida do possível, sem que ele estale, como diria Drummond.

E que semana tivemos! Semifinal contra o Paraná, no domingo; jogo decisivo contra o Atlético-GO, na quarta; e haja fôlego para absorver tantas pancadas na aorta. Essa foi a semana de todos os atleticanos, porém a minha conseguiu ser ainda mais dramática, ainda mais repleta de emoções.

Além do domingo e da quarta-feira, dias em que nossos nervos experimentaram todo tipo de sensação limite, vivi na sexta-feira passada, dia 20 de abril, uma das maiores emoções da minha humilde existência.

Na sexta-feira passada, depois de três anos trabalhando como Professor de Português, tive de deixar o Colégio, tive de deixar meus alunos queridos e isso abriu um rombo no meu peito. No meu último dia, todos os alunos se reuniram no pátio para se despedir de mim. Ganhei uma carta de cinco metros, ganhei livros, ganhei canetas, cartões, cartinhas e uma linda camisa comprada com o dinheiro da vaquinha que eles fizeram.

Tirei um montão de fotos, muitas das quais foram parar no Orkut com legendas me atribuindo a condição de “Melhor Professor que Existe”, “Melhor Professor do Mundo”, “Inesquecível” e, em verdade, eu não mereço nenhum desses títulos honoríficos: fui apenas mais um professor, nada mais. O tempo vai mostrar isso àquela criançada. O tempo vai lhes dar ainda os grandes Mestres que farão a diferença. O tempo lhes irá mostrar que fui apenas um professor dedicado, que amava a sua profissão e que ensinava a insípida gramática aos melhores alunos que alguém poderia ter.

Desde sexta-feira passada, meu coração anda apertado de tanto amor, tanta saudade, tantas histórias para contar. E antes que o meu peito arrebente por conta dessa angústia desmesurada vou fazer o que mais gosto: contar histórias onde o Atlético, as crianças, a poesia e a esperança se encontram, formando uma coisa difícil de entender e de explicar e que eu chamo de vida, a minha vida, a minha história.

Dentre tantas histórias que já vivi, resolvi hoje lhes contar (talvez até já tenha contado) que, em 2002, namorei uma menina chamada Vana. Excelente pessoa de quem eu guardo somente boas recordações. A Vana me disse que, em 2000, o sobrinho dela – na ocasião com quatro anos – foi à Arena, em companhia do avô, assistir a um jogo do Atlético.

Naquele time, havia um atacante chamado Lucas. O garotinho também se chamava Lucas. Quando o Atlético entrou em campo, a torcida explodiu e, como de costume, gritou, a plenos pulmões, o nome de cada jogador. De repente, ouviu-se o coro: “Lucas, Lucas, Lucas!”. Nesse momento, o garotinho virou para o avô e disse, com os olhos brilhando de encantamento: “Vovô, eles estão gritando pra mim!”. Inocência: isto é a criança! Magia: isto é o Atlético Paranaense!

Em 2001, havia na minha rua um menino de sete anos de idade. Esse menino torcia pelo Atlético Paranaense e sabia a escalação do time na ponta da língua. Ele só não sabia que um tumor de Wilms (tumor renal), em estágio IV, estava acabando com sua vida. Ele me dizia que o Atlético ia ser campeão brasileiro e que ele ia ganhar uma camisa do Atlético com duas estrelas: “uma amarelinha e uma branquinha, melhor do que a camisa do coxa que só tinha uma estrela amarelinha e que já estava amarelinha de tão velha que era”. Em abril de 2002, havia na minha rua um orgulhoso menino campeão brasileiro.

Certa noite, ele dormiu envolto por uma camisa do Atlético que tinha duas estrelas, uma amarelinha e uma branquinha, melhor do que a camisa do coxa que só tinha uma estrela amarelinha e que já estava amarelinha de tão velha que era. Ele dormiu coberto por duas estrelas, as mesmas estrelas que foram brilhar com ele no Céu.

Desde abril de 2002, e já se vão cinco anos de ausência, a minha rua está deserta. Ao menos diante dos meus olhos. Mesmo sabendo que hoje ele está com Deus, sinto muita saudade desse meu amiguinho atleticano! Morte: é acreditar no término, sucumbir! Fé: é crer no eterno, ressurgir!

Em 1982, havia em mim um menino de sete anos de idade. Esse menino torcia pelo Atlético Paranaense e sabia a escalação do time na ponta da língua. Ele só não sabia que a vida era um campeonato duríssimo, desses em que as derrotas e vitórias se avolumam e se alternam tanto que a gente nunca sabe, na verdade, se somos campeões ou perdedores. Ele ainda nem sonhava em ser Professor ou Advogado. Ele só dizia que o Atlético ia ser campeão paranaense de 1982 e que ele ia ganhar uma camisa oficial do Atlético: “igual à camisa do Washington, que é o melhor jogador do mundo e artilheiro do campeonato estadual com 23 gols”. E ele foi campeão e ganhou a camisa vermelha e preta, a camisa com as cores dos seus sonhos. Passaram-se vinte e cinco anos...

... Nesta noite de 26 de abril de 2007, há em mim um menino. Ele escreve sua coluninha semanal envolto por uma camisa do Atlético que tem duas estrelas, uma amarelinha e uma branquinha. E ele é o cara mais feliz do mundo porque Deus lhe deu a graça de conviver três anos com crianças maravilhosas e inesquecíveis, como é inesquecível aquele amiguinho que foi morar no Céu!

Nesta noite de 26 de abril de 2007, passam pela minha cabeça esses últimos três anos e eu vejo o quanto vocês me fizeram feliz, o quanto nós fomos felizes. Um dia, crianças, vocês vão crescer e conhecerão as ciências mais refinadas. Haverá professores de Anatomia que lhes revelarão o corpo humano em minúcias. Mestres do Direito cuja oratória lhes encantará tanto que vocês vão jurar estar ouvindo uma outra língua (talvez a língua dos anjos de que nos falava Camões).

Vocês conhecerão Professores de cujos ensinamentos brotam prédios, usinas, monumentos, quase que por milagre, não houvesse por detrás disso tudo tantos cálculos. Crianças, vocês ainda vão ver e viver muita coisa, se Deus quiser. E aquele Rafael – “Melhor Professor que Existe”, “Melhor Professor do Mundo”, “Inesquecível” – vai acabar ficando na poeira dos gizes que ele usou, das histórias que contou, da estrada que ele percorreu e que, pela Graça de Deus, teve vocês, no meio do caminho.

Obrigado por tudo! Vocês estarão sempre comigo, dentro do meu coração Rubro-Negro. Para quem é atleticano, como lhes disse, um coração só não é suficiente...


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