Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Não mexam com o meu Atlético

25/04/2007


É sempre assim: toda derrota do Atlético me causa uma dor enorme. Nesses vinte e cinco anos como torcedor Rubro-Negro, as dores foram todas iguais e o que mudou em mim foi apenas o modo de reagir a elas.

Quando eu era pequeno, uma derrota num Atletiba me fazia chorar copiosamente. No dia seguinte à derrota, geralmente uma segunda-feira, e ainda com os olhos a denunciar a choradeira, qualquer provocação dos adversários me fazia retorquir as chacotas no tapa.

Minha mãe, ao me mandar para a escola, até que advertia: "Vê lá, Rafael, futebol é só um jogo!" -mas não tinha jeito: no final da tarde dessas segundas-feiras pós-Atletibas, eu invariavelmente chegava em casa com alguma escoriação e uma cartinha da Orientação Disciplinar narrando a briga, recomendando uma mudança de comportamento e me tirando o recreio por dois ou três dias.

Na adolescência, uma derrota do Atlético num jogo importante me fazia esmurrar as paredes de casa ou do estádio, se acaso lá estivesse. No dia seguinte à derrota, minha mão direita esfolada, inchada e roxa denunciava o quanto eu havia espancado o cimento por conta da frustração sofrida, do sonho acabado, da alegria adiada. Qualquer provocação dos adversários me fazia ter vontade de retorquir a socos toda chacota, mas com a mão naquele estado o que sobrava para mim era a resignação.

Durante a faculdade de Direito, entre 1993 e 1997, anos marcados pelos estaduais conquistados pelo Paraná, qualquer derrota do Atlético me deixava maluco de raiva. Nessa fase, eu comumente protagonizava acaloradas discussões com meus amigos coxas e paranistas, sempre em defesa do meu Furacão. Aliás, foram essas discussões, nos apertados corredores da Faculdade de Direito de Curitiba, que nos fizeram habilidosos na arte da oratória e da argumentação.

Por conta dessas defesas orais, sempre veementes e inflamadas, consegui ganhar alguma intimidade com a arte de falar em público e defender idéias, instrumentos tão preciosos ao advogado e ao professor que viria a me tornar. E olha que do lado adversário havia debatedores de altíssimo gabarito, a exemplo dos meus amigos Rodolffo Gardini e Marcelo Angioletti, dois coxas-brancas ferrenhos. Mas nunca fiquei por baixo: lutei o bom combate e defendi o Atlético em altos brados.

Durante os cinco anos de Direito, qualquer provocação dos adversários me fazia ter vontade de discursar, à Rui Barbosa, apresentando todos os argumentos que possuía em prol da boa causa Rubro-Negra: assim o fiz e o eventual nervosismo que essas boas discussões geravam era aliviado no hábito de fumar (e no intervalo eu fumava uns dois ou três marlboros vermelhos como agentes desestressores da minha raiva. Mas faço aqui um alerta: fumar mata e é hábito nocivo do qual me arrependo até hoje. Fumar é uma grande bobagem.)

E nesses anos todos, pude perceber um traço comum a todas essas provocações: foram - todas elas - de igual para igual, sem covardia, permitindo-me o direito sagrado de reagir a elas e de não aceitá-las. Quando pequeno, eu discutia com outro colega e saíamos no tapa. Na adolescência, eu podia socar os muros e paredes e ainda discutir com os colegas tentando fazer prevalecer minhas razões. Já adulto, vieram em meu socorro os discursos e as longas exposições de argumentos onde cada um tentava defender as suas cores: eu fazia de tudo para ver prevalecer as tintas vermelhas e pretas; eles suavam a camisa pela causa verde ou pelas coisas tricolores. Tudo de igual para igual, com direito à resposta, numa disputa leal. Bons tempos!

Ontem, ao folhear a Gazeta do Povo - jornal pertencente à RPC, grupo que por interesses econômicos se opõe ora ao Governo do Estado, ora ao Atlético Paranaense, ora a qualquer outra Entidade que lhe apresente idéias contrárias - me deparei com a seguinte notícia: "Paraná goleia o Atlético, por 3 a 1".

Pois bem, li a notícia, me senti provocado e por isso hoje venho a público condenar a tal reportagem e seu tom ostensivamente agressivo ao Atlético. Primeiro ponto: desde quando 3 a 1 é goleada? 3 a 1 é placar normal, equivalente na matemática a 2 a 0, e se 2 a 0 não é goleada, 3 a 1 também não será e isso é de uma simplicidade absoluta. Só a Gazeta do Povo viu uma goleada onde existiu, tão-somente, uma vitória do Paraná Clube (nem sequer os torcedores tricolores mencionaram o termo goleada, apenas a sempre tendenciosa Gazeta do Povo o fez, lamentavelmente, e dando provas públicas de sua total falta de isenção. E aqui eu pergunto: jornal sem isenção tem credibilidade? Claro que não, por isso não acredito na Gazeta, a exemplo do que fazem dezenas de milhares de leitores paranaenses).

Aliás, já que falei da parcialidade da Gazeta do Povo, trago de minha memória um episódio dos mais nojentos acontecido em 1990 quando da disputa do título estadual. A final de 90 se deu entre Atlético e o time verde. Duas partidas, ambas no estádio verde, e no final de tudo dois empates: 1 a 1, dia 1º/08/90; 2 a 2, dia 05/08/90, domingo. Atlético campeão paranaense de 1990, com todos os méritos, dentro do campo, na bola, na raça, ao melhor estilo Atlético Paranaense! Dois jogaços de emocionar, com direito a gol contra do Berg e tudo mais. Título mais do que merecido.

Acontece que os verdes não aceitaram aquela derrota e passaram a contestar o título do Atlético. O presidente coxa, Jacob Mehl passou a defender a necessidade de se jogar uma terceira partida para só então saber quem era o campeão estadual. Pura bobagem, coisa de quem não sabe perder. A idéia do Jacob, embora não encontrasse respaldo no regulamento do estadual-90, passou a ser veiculada, fortemente, pela Gazeta que, pasmem os senhores, concedia para o Jacob meia página e para o Farinhaque, poucas linhas para tratar do assunto (penso que a Gazeta acendeu a polêmica e a alimentou para vender mais jornais, até porque a Gazeta faz tudo por um bom punhado de moedas).

Essa bobagem protagonizada pelo Jacob e alimentada pela Gazeta meio que botou água no chopp atleticano, pois sempre havia aquela remota possibilidade de a gente ter de jogar uma terceira partida, sendo que o título já era nosso e ninguém queria abrir mão dele (uma terceira partida só poderia beneficiar o time verde, já que o caneco era nosso!). A Gazeta dava todos os espaços para a bobagem verde e quase nada para que nós mostrássemos que a realidade era outra, que o título já era nosso de fato e de Direito.

E essa incerteza ficou na minha cabeça por longos meses até que, numa tarde fria de junho de 1991, entrei numa banca de jornais ali da Praça Rui Barbosa e li, estampada na manchete bonita da Tribuna do Paraná, a grande notícia: ACABOU! STJD confirma: Atlético Campeão Paranaense de 1990! Na Gazeta, mal saiu uma notinha de canto de página anunciando a decisão do STJD. Quanta parcialidade, quanto ódio às coisas do Atlético, quanta pequenez do jornal que se autopromove "o maior jornal do Paraná"!

Quando ao folhear a Gazeta me deparei com uma cobertura jornalística digna da imprensa marrom, ou coisa do gênero, senti-me ofendido, nem tanto por mim, mas por saber que algum guri atleticano iria ler, se indignar, mas lhe faltariam palavras para expressar a revolta. Talvez seja em nome desses guris que hoje eu esteja escrevendo esta modesta coluna: se eles ainda não podem, e não sabem, fazer a devida censura ao jornal de edição tão ordinária, faço eu!

Essa nova maré de perseguição da Gazeta contra o Atlético começou quando o Furacão recusou a pífia oferta da RPC pela transmissão de seus jogos. Agindo em nome de seus interesses e de sua marca - muito mais valiosos do que os quarenta mil reais oferecidos pela RPC para a transmissão das partidas - o Atlético feriu os interesses comerciais da emissora e, por isso, foi inscrito no rol de inimigos da Rede Paranaense de Comunicação e passou a ser alvo de franca campanha contra as suas cores (aliás, a Gazeta tem em sua lista de inimigos muitos nomes que ousaram contrariar sua fome desmesurada por dinheiro, poder e mais dinheiro e mais poder. Já constam da lista nomes como o do Governador Roberto Requião, do Atlético Paranaense e agora o meu, provavelmente. Não dou a mínima, sempre li a Folha de São Paulo mesmo...).

O que eu não posso aceitar é a forma debochada com que esse pasquim quer tratar o Atlético. "Paraná goleia o Atlético, por 3 a 1" - ora, vão plantar batatas! Ou melhor: vão aprender um pouco de gramática, pois o jornal de vocês é um festival de erros de Português, do começo ao fim. Antes de denegrirem a imagem do Atlético, aprendam a diferença entre "taxar e tachar", "cheque e xeque", "caçar e cassar"...

Quanto à derrota sofrida no domingo, méritos ao Paraná, conseguiu nos superar, coisas do futebol. O importante na vida é a gente saber ganhar e saber perder e nunca, nunca mesmo, perder a elegância (pena a Gazeta não ter aprendido isso e agir sempre de forma tão deselegante por não admitir ser contrariada).

Hoje, mesmo sendo quarta-feira, três dias após o jogo, continuo com o peito ferido, pois meu Atlético querido ficou fora da final. É sempre assim: toda derrota do Atlético me causa uma dor enorme. Nesses vinte e cinco anos como torcedor Rubro-Negro, as dores foram todas iguais e o que mudou em mim foi apenas o modo de reagir a elas.

Neste exato momento, meu peito dói por conta da derrota sofrida (sofrida derrota), mas com Paulo Leminski, poeta atleticano, aprendi que: "Um homem com uma dor/é muito mais elegante/caminha assim de lado/como se chegasse atrasado/andasse mais adiante".

Carregando minha dor, vou caminhando - meio de lado - como se chegasse atrasado, como se andasse adiantado e, sem perder a elegância, faço aqui o meu protesto, pois nunca vocês irão me ver calado, principalmente se alguém, ou algo, ousar ferir as cores do Clube Atlético Paranaense!


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