Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

O domingo

20/04/2007


Ainda sob o impacto da inexplicável derrota contra o Atlético-GO, tento escrever esta coluna. Odeio escrever sob qualquer tipo de emoção. A alegria da vitória me faz exagerar na tinta vermelha. A tristeza da derrota me faz carregar na tinta preta. Quando isso acontece, tudo fica em desequilíbrio, pois o pavilhão atleticano deve ostentar o vermelho e o preto em porções iguais, numa dualidade perfeita de cores a representar outras tantas dualidades da vida: noite e dia; céu e inferno; amar e desamar; riso e pranto; verão e inverno.

Mas numa noite como esta, onde dormir me parece improvável, tento parar de pensar na derrota recém sofrida para me concentrar na decisão do próximo domingo, quando enfrentaremos o Paraná Clube, na Arena da Baixada, precisando de uma vitória simples sobre o quadro tricolor para chegarmos à final do Paranaense 2007.

E me concentrar significa ir buscar no fundo da memória qualquer boa história escondida. Do fundo da minha memória vos trago a narrativa de hoje, na esperança de transmitir a vocês a energia e a fé necessárias para empurrarmos o Atlético – no próximo domingo – para mais um belo triunfo diante do time paranista. Pois bem...

... Comecei a torcer pelo Clube Atlético Paranaense em 1982, poucos meses antes de comemorar o meu sétimo aniversário. Que ano mágico foi aquele, e que time mágico era aquele Atlético de Roberto Costa, Ariovaldo, Jair Gonçalves, Bianchi, Sérgio Moura, Jorge Luís, Detti, Lino, Nivaldo, Capitão, Ivair e cujas estrelas maiores eram Assis e Washington, o inesquecível Casal 20 (e me desculpem se esqueci alguém, mas já se vão vinte e quatro anos e o tempo é algoz da memória, sabemos).

Pois bem, em 1982 o campeonato paranaense esteve, desde o início, bipolarizado entre Atlético – numa fila que já durava doze anos – e Colorado, que havia sido campeão dois anos antes, numa final tumultuada que culminou com a proclamação de dois campeões estaduais no ano de 1980. Então, vão ouvindo.

O campeonato de 82 foi quente e o grande duelo era Atlético X Colorado que fizeram jogos antológicos dignos dos mais aguerridos CAP X CAF das décadas de 40 e 50.

Em 1982, os clássicos aconteciam no Couto Pereira e era bonito ver a massa atleticana ocupando os três anéis do estádio verde, com aquelas bandeiras rubro-negras freneticamente agitadas contra o céu azul de Curitiba.

Além das bandeiras, havia também as faixas estendidas ao longo das muretas das arquibancadas: coisa linda! Havia a enorme faixa dos Fanáticos; a faixa da Nação, cuja letra “o” era representada por um coração; mas eu gostava em especial da faixa dos “Guerrilheiros da Baixada”, pois achava um nome imponente para uma facção organizada. Certa vez, eles afixaram sobre a faixa um cartaz que dizia “Não à guerra nuclear” e que trazia o desenho do símbolo da paz. Um espetáculo, principalmente numa época marcada pela Guerra Fria, entre americanos e soviéticos.

Mas antes que eu me esqueça: ia dizendo que em 1982 o campeonato foi decidido entre Atlético e Colorado e eu tinha na ocasião seis, quase sete anos de idade. Desse estadual, lembro-me, especialmente, dos domingos de clássico Atlético X Colorado. O ritual que eu cumpria era mais ou menos este que passo a descrever: acordava, tomava café e depois ia à banquinha comprar a Gazeta em companhia do meu pai.

Eu mal sabia ler, mas não via a hora de pregar os olhos no caderno de esportes do jornal para saber mais detalhes do clássico, escalações, dúvidas nos times, esquemas táticos, etc. Após a leitura, vinha o almoço em família e era inevitável que se tocasse no assunto futebol.

Sempre receoso, eu perguntava ao meu pai: “Será que ganhamos hoje?”, ao que ele invariavelmente respondia: “Não sei, clássico é sempre clássico!” – e voltava a garfar seu macarrão, com olhar compenetrado, como se refletisse sobre sua frase, recém dita, como se nela houvesse algum tipo de filosofia a ser desvendada, sei lá.

Eu insistia: “Mas será que ganhamos? Acho que sim, né?” – e ele: “Depende. Futebol é feito de muitos fatores e o resultado depende de muita coisa” – e uma vez mais ele voltava à rotina dominical de enrolar o macarrão, sem pressa, como se ali houvesse um ritual a ser cumprido, ritual onde a pressa era algo inexigido.

Em minha curiosidade infantil, não sossegava, e voltava ao ataque avassalador das perguntas pueris: “Mas, pai, depende do quê?” – e ele, calmamente, dizia-me: “Depende do time, depende da sorte, depende do campo, depende da bola e depende até mesmo de mim e de você, pois sem torcida time nenhum é campeão. Mas certeza da vitória, ninguém tem, pois não existe vitória por antecipação”.

E após ouvir as palavras do meu pai, ia me aprontar para ir – junto com ele - a mais uma partida do torneio, pronto para invadir o estádio com espírito de guerrilheiro da Baixada, disposto a conquistar, no grito, a vitória que nos seria fundamental. Mas não sei o que acontecia que a gente não ganhava do Colorado, apesar de toda a torcida, apesar de toda a festa que era promovida por nós nas arquibancadas: o Colorado era o único time que ainda não havíamos vencido. Empatamos as quatro vezes em que os enfrentamos e eles diziam que “corríamos do pau”.

À margem dessas provocações, repeti meu ritual durante todo o ano de 1982: arrumava-me e ia aos jogos, como se dependesse de mim o triunfo atleticano! E fiz isso a cada jogo, como se fosse um soldado absorvido pelo ideal de guerrear em prol da causa atleticana. E o dia da batalha final se aproximava: já era quase 30 de outubro! A conquista do estadual se materializava, finalmente. Eu e meu pai estávamos em festa!

Ocorre que, às 23 horas do sábado dia 29 de outubro, tivemos de sair às pressas rumo ao Hospital Pequeno Príncipe, pois meu irmão mais novo apresentava um quadro súbito e preocupante de hipoglicemia aguda. Chegando lá, meu irmão foi imediatamente internado. Espetaram-lhe o pulso para a colocação do soro e meu desespero era grande, pois meu irmão fora o melhor presente que eu recebera das mãos de Deus, ainda que eu não tivesse feito nada para merecer presente assim tão especial.

Temi pela vida do meu irmão e lembro que naquela fiz a seguinte oração: “Meu Deus, faça o meu irmão ficar bom. Nem precisa o Atlético ser campeão amanhã, só quero que ele fique bom. Amém”. E dormi, e sonhei com o título, e acordei com vontade de abraçar o meu irmão, e acordei com vontade de ser campeão do Paraná.

Graças a Deus, na manhã de domingo, encontrei meu irmão quase refeito e, diante do milagre, pude voltar-me outra vez à decisão do campeonato e, cheio de uma força vinda sei lá de onde, li a Gazeta, pedi ao meu avô que me levasse para casa, vesti o manto sagrado e fui para o estádio verde, pronto para ser campeão, disposto a gritar os noventa minutos e só sair de lá depois de ver o Furacão erguendo a taça. Foi o que eu fiz.

Gritei como um louco os noventa minutos. Gritei aos quinze do primeiro tempo, com o gol do Lino; gritei aos dois do segundo tempo, com Washington; depois aos doze, com Nivaldo e, finalmente aos quarenta e um, explodi com Washington no gol do título Rubro-Negro, título do qual participei ativamente, em todos os jogos realizados em Curitiba, gritando e incentivando o meu Atlético como se de mim dependesse a conquista. E, de certa forma, dependia, pois time nenhum é campeão sem ter torcida. Era o dia 30 de outubro de 1982, domingo de sol em Curitiba, quando me sagrei campeão pela primeira vez! E que delícia é ser campeão!

E lhes disse tudo isso, para dizer mais: nos últimos anos – em razão das incontáveis e importantes conquistas – deixamo-nos levar por uma certa presunção, arrogância e onipotência que nos fizeram crer que a batalha se ganha antes mesmo da disputa e esse tal estado de coisas nos levou a acreditar que as vitórias vêm assim, naturalmente, como se nem precisássemos lutar. Que engano, puro e perigoso engano! E por causa disso amargamos na noite da última quarta-feira aquela derrota por 3 a 1 contra o fraquíssimo time do Atlético-GO. Perdemos porque fomos uns arrogantes, fizemos pouco do adversário e fomos derrotados (que a lição tenha sido aprendida. Assim espero).

Mas, deixando a derrota de quarta-feira de lado, volto-me ao campeonato estadual de 2007.

No domingo, estarão, frente a frente, Atlético Paranaense e Paraná Clube: aquele, campeoníssimo; este, tentando o bicampeonato. O Atlético atuando como dono da casa; o Paraná diante do tabu de nunca ter vencido na Majestosa Arena da Baixada. O Atlético tendo em sua História dois títulos estaduais conquistados sobre o Paraná Clube (2001 e 2002); o Paraná aterrado pelo peso de nunca ter sido campeão em cima do Atlético.

Parece-me absoluto o favoritismo atleticano, mas advirto que não será fácil chegarmos à final, não será automática nossa passagem, será necessário lutarmos muito e com determinação! Domingo, ou nós nos vestimos para ir à Arena com espírito de guerrilheiros da Baixada, ou corremos o risco de ficarmos pelo caminho.

Domingo, o Atlético Paranaense precisará de nós como nós atleticanos precisamos do Atlético Paranaense! Domingo será o dia da maior batalha! Será o dia de a gente decidir nosso futuro, nosso destino rumo a mais uma final de paranaense.

No domingo, o Atlético dependerá de mim e de você! E dependerá daquela senhora que reza à beira do rádio pedindo aos Céus que o seu Rubro-Negro obtenha mais um triunfo!

No próximo domingo, o Atlético dependerá do Ferreira, do Alex Mineiro, do Marcão, do Denis Marques e daquele torcedor abastado que torce pelo Atlético dentro de um camarote da Arena, com seu copo de uísque nas mãos que não param de tremer de tanto nervosismo.

O Atlético dependerá do Pai, do Filho e do Espírito Santo, dependerá de todas as crenças, todos os credos, todos os ritos, todos os terços: o Atlético dependerá de todos os meios!

Dependerá do grito e da fé de todos os meninos que estiverem dentro da Arena, e, sobretudo, dependerá do grito e da fé de todos os meninos que ainda estão dentro de nós, atleticanos crescidos, e que nunca esquecemos que numa certa tarde de domingo de 1982 fomos campeões paranaenses. Que numa certa tarde de 30 de outubro de 1982 fomos campeões paranaenses e fomos felizes, e fomos guerreiros, e fomos atleticanos, de corpo e alma!

Se no domingo de manhã o seu filho te perguntar, antes de ir à Arena, sobre a certeza da vitória, responda-lhe que: “Dependerá do time, dependerá da sorte, dependerá do campo, dependerá da bola e dependerá de mim e de você, pois sem torcida time nenhum é campeão. Mas certeza da vitória, ninguém tem, pois não existe vitória por antecipação”.

E depois de lhe dizer isso, deixe o resto com ele. Certamente ele fará, com seu grito de menino, sua guerra particular em prol do Furacão. Certamente ele conquistará, no grito, a vitória que nos é tão importante, a vitória que nos levará à final do campeonato, a vitória que nos devolverá o espírito de sermos – e merecermos ser – campeões do Estado do Paraná.


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