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Rafael Lemos
Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da LÃngua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.
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Das coisas que aprendi com o tempo
10/04/2007
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Tenho quase trinta e dois anos e o sentimento do mundo. Alguém vai me perguntar: "tá, e daÃ?", "qual a vantagem de ter quase trinta e dois anos?" - e eu vou responder que a grande vantagem de ter quase trinta e dois anos é se encontrar naquele ponto onde já vivemos o suficiente para não julgarmos nosso semelhante e ainda não vivemos o bastante para perdermos a esperança. Trinta e dois anos é como um ponto de equilÃbrio, é a verdadeira meia-idade, é quando estamos velhos demais para acreditarmos no amor à primeira vista e jovens demais a ponto de crer num segundo olhar de amor (ah, elas sabem nos convencer, sempre).
Eu tinha dezessete anos, acabara de entrar na faculdade de Direito, e como todo jovem que acaba de entrar na faculdade, achava que sabia tudo. E como julgava saber tudo, era o juiz mais severo, nada e ninguém me escapava. Julgava meus pais, meus colegas, meus professores, meu paÃs e carregava na ponta da lÃngua todas as grandes verdades, as verdades capazes de mudar o mundo. Só eu escapava ileso aos julgamentos daquele impiedoso juiz que eu era, quando tinha dezessete anos.
Quando eu tinha dezessete anos, meus amigos tinham dezessete anos, e éramos todos juÃzes da vida alheia e nosso grande sonho era mudar o nosso mundo, mesmo que o mundo ao redor continuasse o mesmo, e mudar o nosso mundo era ganhar dinheiro. Para nós, a medida do homem era o dinheiro que ele era capaz de gerar ou amealhar ao longo de seus dias. Quando se é jovem, os horizontes estão a poucos palmos do nariz e a nossa visão é estreita, é mÃope, é quase cega.
Foi esse impulso que me fez - aos vinte e três, vinte e cinco anos de idade - deixar Curitiba algumas vezes rumo a São Paulo. São Paulo é grande, era maior do que eu imaginava. São Paulo, na realidade, era ainda maior que nos meus sonhos. Estive em São Paulo muitas vezes, e não cheguei a conhecer São Paulo. São Paulo é assunto pra uma vida inteira e talvez mais.
Conheci a São Paulo dos catálogos de turismo. Conheci os cartões-postais. Estive muitas vezes no All of Jazz ouvindo uma boa música e tomando um bom uÃsque. Estive outras tantas vezes na Cervejaria Continental que oferecia chopps jamais saboreados em Curitiba (tinha até chopp de framboesa, coisa de deixar qualquer bom apreciador EMBEVecido).
Estive no Café Photo e no Bahamas. Estive na companhia das mais lindas mulheres. Gastei com essas mulheres dezenas e dezenas de reais - até centenas - e o resto do dinheiro eu desperdicei. Aos vinte e cinco anos eu achava que São Paulo era tudo de que eu precisava: daria para mim dinheiro, posição social, sofisticação e tudo aquilo que não havia em Curitiba, mesmo que nem eu conseguisse explicar o que era. São Paulo era o meu destino e eu - viajante crédulo - embarcava às cegas para a capital bandeirante.
As coisas não saÃram do jeito que eu imaginara. Não que isso seja regra, afinal São Paulo é o palco de incontáveis histórias de sucesso, mas comigo se deu o contrário, ou talvez tenha se dado a regra, não sei, mas São Paulo não foi - para mim - mais do que ilusão. A gente é alvo fácil da ilusão quando tem vinte e três, vinte e cinco anos. Eu também me iludi. As grandes propostas de emprego me apresentavam cifras tentadoras que logo se diluÃam por conta do alto custo de vida.
As grandes corporações tinham tudo: prédios na Avenida Paulista, vidros espelhados, tapetes de se afundar os pés, secretárias bonitas que falavam inglês, francês e a lÃngua dos negócios, máquinas de fazer café para todos os gostos, computadores que cabiam na palma da mão. Só nunca vi mão estendida, nem uma máquina capaz de fazer o café igual ao da minha mãe que era sempre no ponto que eu gostava. De repente, aquilo tudo me cansou e eu vi que o dinheiro que eu ganhava não me fazia feliz e eu me sentia vazio, como se faltasse alguma coisa que eu tinha deixado em Curitiba, que só podia haver em Curitiba, coisa que não tinha em São Paulo, por mais que eu procurasse.
Num fim de tarde, andando pela Avenida Paulista, carregando processos recém retirados da Justiça Federal, me dei conta do tamanho imenso de São Paulo: eu já tinha andado quase uma hora inteira e não tinha jeito de eu chegar a Curitiba. Aquilo tudo me cansou e eu vi que o dinheiro que eu ganhava não me faria feliz e eu me sentia vazio, como se faltasse alguma coisa que eu tinha deixado em Curitiba. Resolvi voltar e voltei.
No caminho de volta, lembro-me de ter olhado - pela última vez - o nome São Paulo escrito na fachada do Aeroporto de Congonhas, já era noite. O avião começou a taxiar pela pista, ganhou a cabeceira, disparou naquela reta interminável e de repente estávamos no céu escuro de onde ainda pude ver luzes brilhando na imensa cidade feita também de cimento, ferro, promessas, progressos e ilusão.
Hoje vivo em Curitiba e sou feliz. Tenho quase trinta e dois anos. Ter quase trinta e dois anos é como um ponto de equilÃbrio, é a verdadeira meia-idade, é quando estamos velhos demais para acreditarmos em ilusões e ainda jovens para construir nossos sonhos (ah, e os sonhos vão nos mover sempre).
Ter quase trinta e dois anos é não ser juiz da vida de ninguém, mas é ter uma certeza: nenhum de nós consegue escapar das duas maiores forças que existem no Universo - Deus e o Tempo!
Foi Deus quem me mostrou a importância de se ter humildade e o tempo se encarregou de me provar que quem vive com humildade consegue ser grande, verdadeiramente. Houve um tempo em que eu achava Curitiba pequena demais, pobrezinha demais, provinciana demais. Hoje, descobri que estão aqui minhas riquezas e não troco minha terra por nada!
Tenho quase trinta e dois anos, não sou juiz de ninguém, mas lamento muito ao ver os moços - de vinte e três, vinte e cinco anos - indo buscar tão longe algo que talvez nem exista, indo buscar tão longe algo que talvez só exista aqui, em Curitiba, essa terra onde a frente é fria, a carne da polaca é morna, o leite é quente e um certo Caldeirão ferve na temperatura que o Diabo gosta.
Ter quase trinta e dois anos é carregar algumas certezas: ninguém consegue escapar de Deus e do Tempo! São Paulo é tão grande que a gente anda, anda e nunca chega a Curitiba. Às vezes a gente vai buscar distante algo que talvez nem exista, ou algo que, talvez, só exista aqui.
Algumas certezas: o arrependimento é dor que não passa, o tempo não volta nem pára, só em Curitiba há um Caldeirão que ferve na temperatura que o Diabo gosta, sob as bênçãos de Deus. Quando se é jovem, os horizontes estão a poucos palmos do nariz e a nossa visão é estreita, é mÃope, é quase cega.
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