Jones Rossi

Jones Rossi, 46 anos, é repórter do Jornal da Tarde, em São Paulo, e um dos fundadores do blog De Primeira. Foi colunista da Furacao.com entre 2005 e 2008.

 

 

Um dia sem leite

10/03/2007


Cenário: dia 11 de fevereiro, logo após o Atletiba, ônibus Nsa. da Luz. Um grupo usando camisetas da Fanáticos entra ônibus adentro pulando a catraca. Com ameaças, faz todo mundo se levantar. “Vocês são todos vagabundos, estão passeando mesmo, vamos levantar aí”, diziam. Uma das “vagabundas”, segundo os dizeres dos ilibados torcedores, tinha acabado de sair de uma jornada de 12 horas de trabalho pesado em um hospital, provavelmente até cuidando de parentes de alguns deles.

Não bastasse estar cansada, a autora do relato que agora reproduzo também havia dado à luz havia poucos meses. Está em fase de lactação. Ela hesitou em levantar. A hesitação não durou muito. Três pessoas com a camisa da Fanáticos sentaram ao lado dela, em apenas um banco, e, assim, a obrigaram a ficar de pé, como os outros passageiros. Claro, os três podem até não pertencer à torcida, mas usam seus símbolos para propagar o terror. Símbolos que estão à venda na sede da torcida.

Os cobradores e motoristas, com medo de represálias, deixam os criminosos entrar e aprontar no ônibus. Quem está dentro, de origem humilde, tem medo de ir à polícia. Pode ficar pior caso depois eles sejam reconhecidos onde moram.

O resultado foi que a mulher ficou com o leite empedrado, e naquela noite seu filho passou fome, sem o leite da mãe. De família pobre, qualquer dinheiro é contado. Comprar uma caixa de leite pode comprometer o orçamento daquela semana. Quero ver a Fanáticos protestar contra isso...

Esta história acima é o mais fiel retrato do anacronismo que constituem as organizadas e da miséria intelectual, educacional e principalmente moral que assola nosso país. Quem, como eu, já pegou ônibus após um Atletiba, sabe o terror que esses marginais espalham. Império, Fúria e Fanáticos parecem entrar em uma competição cega de ignorância e selvageria.

(O pior é que, por e-mail, recebi outros episódios tão revoltantes como este. Não os coloquei aqui pois só tive tempo de apurar - e garantir que se tratava de algo verídico - o caso acima.)

Mas nem tudo no Brasil precisa de tratados sociológicos para ser resolvido. Essa história de que acabar com as torcidas organizadas não vai diminuir a violência é balela. A força dessas quadrilhas vem do fato de estarem em grupo. Sem poder se identificar através de camisetas e outros símbolos - e, como conseqüência, sem o apoio dos pares - dificilmente exibiriam a mesma coragem. Alguém aí já viu torcedor organizado aprontar sozinho?

Mas não espere que os políticos locais proíbam tais facções criminosas. Afinal, há gente que já fez parte das organizadas até na câmara municipal. E até o presidente da Fanáticos criou para si mesmo uma comunidade no Orkut pedindo votos para vereador em 2008 (http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=26642269). Cabe aos torcedores que gostam do Atlético, do futebol, e de suas famílias se perguntarem se vale a pena apoiar essa turma.

Por causa da coluna anterior, já fui até ameaçado de morte. Esta, com certeza, não me trará mais popularidade. Mas terá valido a pena se o torcedor parar de cair na conversa mole das organizadas. De todas elas.


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