José Henrique de Faria

José Henrique de Faria, 74 anos, é economista, com Doutorado em Administração e Pós-Doutorado em Labor Relations nos EUA. Compareceu ao primeiro jogo do Clube Atlético Paranaense em 1950, no colo de seu pai. Seu orgulho é pertencer a uma família de atleticanos e ter mantido a tradição. Foi colunista da Furacao.com entre 2007 e 2009.

 

 

Na prática a teoria é o que, mesmo?

06/03/2007


É muito comum ouvir pessoas afirmando que “na prática a teoria é outra.” Mas, é outra o que? Outra prática? Não pode ser, porque não há nenhum sentido pensar que a prática não é aquilo que ela é, mas outra coisa. O que pode ocorrer é que a prática compatível com uma dada teoria não seja bem realizada e, neste caso, não adianta colocar a culpa na teoria. Então, pode-se concluir que na prática a teoria somente pode ser outra teoria.

Muita gente parece ter algum tipo de preconceito com relação à teoria. Dizem “isto é teoria, eu quero ver como é de verdade...” Mas, uma teoria é apenas uma forma de explicar uma realidade, seguindo algumas exigências da ciência. A teoria não é mágica, não é religião, não é infalível. O filósofo Spinoza dizia que o conceito do cão não é o cão. O conceito, assim como a teoria, é a maneira como o pensamento se apropria de uma realidade, de uma prática. Nós não podemos colocar o cão dentro do cérebro, não é? Mas, podemos colocar seu conceito, ou seja, podemos pensar genericamente em um mamífero carnívoro do tipo dos canídeos (que inclui cão, lobo, etc.). Entretanto, não seria possível produzir o conceito do cão se não existisse um cão.

Por que, então se diz que na prática a teoria é outra? Por pelo menos três grandes motivos: (i) porque aquela teoria que está sendo usada não serve, pois não tem nenhuma relação com aquela prática; (ii) porque aquela teoria, na prática, até poderia servir, mas está desatualizada, ultrapassada e já não explica a realidade; (iii) porque, na prática, a teoria está incompleta, é parcial ou contém falha. No primeiro caso, será necessária outra teoria. Nos outros casos, pode-se rever ou atualizar a teoria existente, mas ela não será a mesma que era originalmente, pois na prática será outra.

Vejam o caso de Galileu. Quando concluíu seus estudos mostrando que o "Centro Planetário" era o Sol e não a Terra, que era a Terra que girava ao redor do Sol assim como todos os planetas, Galileu foi chamado a Roma em 1611 para defender-se da acusação de heresia. Sua teoria era, na época, revolucionária. Hoje, quem imagina que poderia ser diferente? Ora, Galileu não inventou sua teoria do nada, mas de seus estudos da realidade, da prática.

Quando um treinador utiliza um esquema de jogo, de alguma forma, utiliza uma teoria. Ele pode usar o clássico 4-2-4, com ponteiros e laterais ou sua variante 4-3-3, em que um ponteiro (geralmente o esquerdo) recua para ajudar o meio. Pode usar a teoria do 3-5-2, do 3-6-1 ou do 4-4-2. Por que um treinador escolhe um sistema? Porque certamente acredita que é o melhor. Contudo, se escolhe com base na prática, temos uma situação, mas se escolhe com base exclusiva no sistema, podemos ter apenas uma especulação. Aí, neste caso, as pessoas podem dizer: “o treinador queria fazer uma coisa, mas na prática a teoria é outra.” O treinador deve escolher o sistema de jogo baseado na prática, ou seja, baseado: (i) na qualidade dos jogadores que tem. Se não tem nenhum jogador que saiba jogar na função de volante de contenção e terceiro zagueiro com perfeição, se os laterais não atacam ou se quando atacam não existe noção de cobertura, na prática aquela teoria do 3-5-2 não funciona; (ii) na capacidade de variação para um esquema (uma teoria) diferente conforme o andamento do jogo, conforme o adversário se comporta. Uma teoria deve ser capaz de olhar a realidade como alguma coisa viva. O adversário não é um objeto estático. Lá também tem outro treinador, jogadores, estratégias e vontade de vencer; (iii) na condição dos jogadores conseguirem entender as teorias (os esquemas) e terem competência e habilidade para poder variar conforme as circunstâncias do jogo.

Não existe um melhor sistema, uma melhor teoria, mas aquela que melhor explica uma realidade ou orienta uma prática. A teoria nasce da prática e a orienta. O nosso treinador Vadão, que é também um estrategista, tem mostrado que sabe bastante de teoria. O grupo de jogadores trabalha bem os esquemas. A afinação, a harmonia, o entrosamento e a vibração de uma orquestra são responsabilidades do maestro. A equipe do Atlético Paranaense tem jogadores que podem atuar em diferentes teorias (sistemas de jogo), mas na prática, os laterais descem menos do que deveriam e a cobertura ainda não é a que gostaríamos de ver. O Alan Bahia, que está jogando muito, andava fazendo o papel de terceiro zagueiro (sic), antes da entrada do Erandir. O sistema de jogo ainda tem problemas na defesa, não por culpa dos jogadores da zaga, mas da teoria que tem sido adotada, que tem falhas de concepção.

A falta de um sistema eficaz de cobertura, a indefinição de algumas funções durante o jogo, as variações de jogadas que ainda são um tanto tímidas e dependentes da genialidade de Alex Mineiro (principalmente), Ferreira e Evandro, mostra que a nossa orquestra ainda toca com algum improviso. Acredito, como todos, que o Atlético Paranaense pretende chegar ao título do paranaense e da Copa do Brasil (esta é sua prioridade). Mas, para que o rubro-negro chegue onde nós desejamos que ele chegue, temo que ainda esteja faltando conciliar teoria com prática. O que falta, não me parece que depende do grupo de jogadores (claro que precisamos urgentemente de um ótimo lateral esquerdo), mas da condução do competente maestro Vadão. No jogo contra o Paraná, Vadão mostrou que o Atlético pode fazer muito, pode jogar bem, pode até sobrar em campo. Mas, nem sempre tem sido assim. Às vezes o rubro-negro passa sufoco. Talvez, a prática do Vadão ainda esteja devendo à sua teoria ou, na prática, a sua teoria precise ser outra.


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