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José Henrique de Faria
José Henrique de Faria, 74 anos, é economista, com Doutorado em Administração e Pós-Doutorado em Labor Relations nos EUA. Compareceu ao primeiro jogo do Clube Atlético Paranaense em 1950, no colo de seu pai. Seu orgulho é pertencer a uma família de atleticanos e ter mantido a tradição. Foi colunista da Furacao.com entre 2007 e 2009.
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A perdigueira e a codorna
26/02/2007
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Cena Um. No tempo em que a caça era liberada, em que não havia preocupação com o equilíbrio ecológico, em que o IBAMA ainda não existia, em que os clubes de Caça e Pesca eram aprazíveis locais de degustação de carnes exóticas, fui convidado a caçar codornas em uma fazenda em Ponta Grossa. Tio Nenê me deu uma rápida lição, pois eu era neófito nesta função, e emprestou-me uma espingarda com cartuchos de chumbo. A lição era simples: o cachorro, no caso uma perdigueira muito boa caçadora, seguiria na frente; assim que encontrasse a codorna, ela “amarraria” a caça, o que eu logo saberia, pois ela ficaria na clássica posição de três patas no chão, a pata dianteira direita encolhida e preparada para a próxima ação, o focinho apontando na direção exata da caça e o rabo reto. Eu teria, então, que gritar “vai”, ao que a perdigueira avançaria sobre a codorna que de pronto saltaria a uma altura de cerca de um metro e voaria em paralelo ao chão, fazendo um barulho característico de asas batendo. Eu apontaria minha espingarda e, com aquela boa dose de chumbo, atiraria e derrubaria a codorna. A perdigueira iria buscá-la e me entregaria e eu a agradaria para que ela soubesse que fez um bom trabalho. Tudo combinado, lá fui eu.
Cena Dois. Um grupo de profissionais ligados à prática do futebol (preparadores, auxiliares e treinadores), reúne seus jogadores para algumas instruções. Um olho na bola e outro no adversário! Mas, não vão marcar a bola, hein! Tem que marcar o jogador, não deixá-lo se antecipar, chegar junto, aliás, chegar antes dele. Bola alçada na área é nossa. Você fica no primeiro pau. Você no segundo. Você cuida do meio, você de quem vem de trás. Você volta e fica em cima do zagueiro deles. Atenção na movimentação! Vamos pegar o rebote. Tudo combinado? Então vamos lá.
Cena Um. Bem instruído, fui caçar codorna. Não demorou muito e a perdigueira amarrou a primeira codorna. Gritei “vai” e ela obedeceu. A codorna levantou vôo, eu atirei e errei. Seguimos. Veio a segunda codorna. A perdigueira amarrou, gritei “vai”, a codorna levantou, atirei e novamente errei. E assim foi na terceira e na quarta codornas. Então, a perdigueira sumiu. Deve ter perdido a paciência e me deixou entregue à minha evidente incapacidade. Fui julgado por uma perdigueira como alguém que não era digno de sua dedicação e experiência.
Cena Dois. Na primeira bola alçada à nossa área, gol do adversário. Seguimos adiante. Na segunda bola, um escanteio despretensioso, gol do adversário. E assim vieram a terceira, quarta, quinta, nona, décima oitava, um ano inteiro de 2006, dez vezes em 2007 e tantas bolas alçadas à nossa área e gol do adversário. Passamos a ter pesadelos. Cada escanteio era um sofrimento, cada falta vinda da lateral era um suplício, cada jogada pelos lados do campo era um pavor. Não podíamos sumir como a perdigueira, mas perdemos a paciência.
Eu nunca mais fui caçar codornas. Fiquei convencido de minha inabilidade. E quanto aos marcadores, jogadores, treinadores, preparadores, que durante dias, semanas, meses, treinam (pelo menos é o que nos garantem), e continuam levando gols ridículos e infantis de cabeça? Se todos desejam continuar na profissão, já não é hora de parar de explicar e começar a mostrar resultados? Já não é hora de parar de dizer “vamos continuar treinando para corrigir estas falhas”? Ou, então, “este jogo faz parte do passado, agora vamos nos preparar para o próximo, vamos conversar com o professor” (não conversavam antes?) “e ver o que vamos fazer para melhorar”.
O sistema de defesa do Clube Atlético Paranaense precisa urgentemente melhorar e não se resolverá este problema apenas falando. Não aceito a idéia de que seja deficiência de jogador. Especialmente agora com o retorno de Marcão e com a vinda de Rogério Corrêa. Quando o instrutor é bom e o cachorro é bom, o problema é do caçador. Mas, quando o cachorro e o caçador são bons, então é o instrutor (em especial o experiente e bem sucedido) que precisa refletir sobre seu fazer, sobre seus métodos. Se não, um dia a perdigueira desiste, a torcida se aborrece e não adiante pedir paciência, porque esta, que como se sabe é uma “virtude que consiste em suportar as dores, os incômodos, os infortúnios etc., sem queixas e com resignação”, tem seus limites.
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