Em dez anos de Atlético, Cireno Brandalise colecionou muitos gols, três títulos e algumas confusões. Ponta-esquerda habilidoso, era valente e irreverente, o que lhe garantiu um lugar cativo na história do clube. Defendeu a camisa rubro-negra por uma década e quando saiu, recusou-se a ir para outro time. Segundo o próprio Cireno, ele não teria clima para vestir a camisa de outro clube depois de tanta identificação com o Atlético. Entrou para a história como autor de gols belíssimos e também como protagonista de várias brigas. Provavelmente tenha sido o primeiro catimbeiro do futebol paranaense, com misto de manha e astúcia. Assim era Cireno: amado pelos atleticanos, odiado e temido pelos rivais.
Cireno começou a carreira no juvenil do Guarani, de Ponta Grossa, quando chegou à cidade vindo de Mallet. No início, atuava como centroavante, mas logo foi deslocado pela ponta-esquerda em função da carência do elenco do Guarani. Sua habilidade e ginga logo chamaram atenção dos dirigentes de outros clubes. Em uma excursão com um grupo de escoteiros para o Rio de Janeiro, chamou a atenção de dirigentes do Vasco da Gama, cuja proposta foi recusada em função da distância de casa. Mesmo assim, decidiu levar o futebol a sério, vindo para Curitiba na tentativa de arrumar um bom clube. Chegou ao Atlético em 1942, seguindo um conselho do presidente do rival Britânia, Osvaldo Martins, seu amigo dos tempos de Ponta Grossa.
Os primeiros meses na Baixada foram difíceis para o jogador, demorando para se firmar no time. Desconhecido das principais figuras do Atlético, Cireno acabou não recebendo muitas oportunidades. Aceitou então um convite de amigos que jogavam no Juventus e, durante uma semana, treinou nos dois clubes. O Atlético só decidiu pela sua contratação quando ele estava quase tomando o rumo dos polacos.
Por influência do presidente Claro Américo Guimarães, conseguiu um emprego na empresa dos irmãos Candido e Erasmo Mäder, garantido-lhe a renda suficiente para se manter como jogador. Foi quando recebeu um convite para jogar no Corinthians. Passou um mês treinando em São Paulo, mas o presidente atleticano não aceitou liberá-lo, afinal nunca o tinha visto jogar.
De volta a Curitiba, foi reconhecido por Clarito nas arquibancadas da Baixada e convidado a participar do jogo daquele dia, a estréia rubro-negra no Campeonato Paranaense de 1942 contra o Brasil. O goleiro Caju, líder do time, aceitou Cireno na equipe e determinou que ele jogaria como centroavante. Cireno marcou três gols e o Atlético venceu por 3 a 1.
Da conquista de 1943, Cireno pouco participou, graças a uma grave contusão no joelho. Naquele tempo, a ruptura dos ligamentos representava o fim da carreira. Não para Cireno. Ele lutou e conseguiu "driblar" a contusão. Passou a jogar com um protetor no joelho e apredeu quais movimentos poderia fazer sem sentir dor. Foi jogando assim que se tornou um dos maiores jogadores da história do futebol paranaense.
A partir de 44, já adaptado, conseguiu uma vaga no time titular e só saiu de lá quando pendurou as chuteiras. Participou ativamente do título de 45. Mas seu nome ficou cravado na história do clube e do futebol paranaense pela brilhante participação no Furacão de 49, considerado até hoje o melhor time do futebol do Estado.
No mesmo ano em que o Furacão encantava os quatro cantos do Paraná, Cireno viveu o ápice de sua carreira. Foi um dos primeiros jogadores paranaenses convocado para a Seleção Brasileira, chamado pelo técnico Flávio Costa para o time que se preparava para a Copa do Mundo de 1950. Ficou concentrado 25 dias em Poços de Caldas (MG), mas foi cortado, injustamente, dando lugar ao vascaíno Chico.
Mas a carreira de Cireno não foi marcada apenas por gols e títulos. Ele também aprontou muito, com jogadores adversários e torcedores rivais. A história mais conhecida é do famoso Atletiba dos 8 minutos , quando, depois que o Atlético empatou o jogo (gol de Jackson), Cireno, por pura malandragem, arrancou o gorrinho do goleiro Belo, do Coritiba. Desesperado, o coxa-branca agrediu Cireno e acabou expulso. Revoltados, os jogadores do Coritiba se recusaram a continuar o jogo, que foi encerrado aos 8 minutos do primeiro tempo.
Mas ele também já invadiu arquibancada para acertar as contas com torcedor que o xingava, brigou com árbitros e auxiliares e protagonizou outros lances históricos e irreverentes do nosso futebol. “Eu não gostava de levar desaforo para casa. Queria vencer, sempre. E se descobria uma maneira de irritar o adversário e, assim, tirar proveito para o Atlético ganhar, usava”, afirma ele, deixando no ar a certeza de que não se arrepende por nenhuma briga que arrumou em campo.
Em 1952, Cireno decidiu pendurar as chuteiras. Encerrou a carreira com 112 gols pelo Atlético, o que o coloca na relação dos cinco maiores artilheiros do clube. Depois de dez anos sendo o ponta-esquerda titular do rubro-negro, formou-se em Direito e tornou-se um exemplar advogado da Caixa Econômica Federal. Em 68, voltou à Baixada para ser dirigente. Ao lado de Jofre Cabral e Silva, conseguiu montar um time inesquecível, com Bellini, Dorval, Zé Roberto, Nilson Borges e outros craques. Dois anos depois, o Atlético foi campeão paranaense, quebrando um jejum de doze anos.
Durante todos os anos depois que largou o futebol, Cireno continuou vivendo o Atlético com a mesma paixão e orgulho. Acompanhou jogos na Baixada ou pela televisão, torcendo e sofrendo como qualquer fanático torcedor. Ficou nervoso até mesmo na final do Campeonato Brasileiro de 2001, quando o Atlético conquistou seu maior título – “o gol não saia e a gente precisava ser campeão brasileiro”. Cinqüenta e dois anos depois de pendurar as chuteiras, mantém o mesmo sentimento, o mesmo carinho pelo Clube Atlético Paranaense. Assim é Cireno Brandalise: um eterno atleticano.
Cireno foi eleito para integrar a Seleção dos 80 Anos do Atlético.