A estrela do Furacão

por Marcos Caetano
Jornalista. O texto abaixo foi publicado originalmente no Estado de S. Paulo e no Jornal do Brasil por ocasião da conquista do título brasileiro de 2001. Sua reprodução foi autorizada pelo autor.

Como observou a Dona Eulália – que para quem ainda não conhece é filósofa esportiva e minha avó nas horas vagas – “os melhores perfumes estão nos menores frascos”. Pois aquele pequenino estádio em São Caetano do Sul, aquela singela casquinha de noz que atende pelo nome de Anacleto Campanella, abrigou hoje o melhor do esporte nacional. Apenas 20 mil pessoas tiveram o privilégio de ver de perto os dois finalistas do Campeonato Brasileiro. Equipes que representam não apenas o jogo bem jogado, com amor e arte, mas também um sopro de renovação para o nosso combalido futebol. Combalido, mas esperançoso, após um ano de profundas transformações.

Essa final me fez lembrar de Coritiba e Bangu, que em 1985 também protagonizaram um embate de um time pequeno, xodó dos torcedores dos demais clubes, com uma grande equipe curitibana em busca da primeira glória nacional. Hoje, como naquela ocasião, os paranaenses saíram vitoriosos. Só que os finalistas de 2001, ao contrário dos de 1985, parecem ter brilho e organização para conseguir mais – seja no cenário nacional, seja no internacional. O tempo dirá se eu tenho razão ou se sou um profeta de meia-pataca. Mas nesses minutos pós-decisão, onde tudo parece eterno e imutável, afirmar algo diferente seria pura mesquinharia com dois times deixaram tudo em campo: gols, raça, talento, paixão, entrega. E que nos presentearam com uma final de pura antologia – para calar a boca dos insensíveis que diziam que essa seria uma decisão “menor”.

Sobre as duas partidas, algumas coisas me chamaram a atenção. A mais peculiar foi como os torcedores do São Caetano aprenderam rápido um mau hábito de alguns fanáticos dos chamados grandes clubes. Após o time ter chegado aos 2 x 1, no jogo da Arena da Baixada, eles soltaram um incompreensível grito de “é campeão!”. Ora, iniciar a comemoração de um título aos 10 minutos do segundo tempo de um jogo que estava mais do que aberto e era disputado num ritmo frenético, com chances incríveis de gol e bolas nas traves para ambos os lados, era uma clara afronta a humildade. Perderam de 4 x 2. Hoje, o otimismo foi ainda mais exagerado: o pontapé inicial ainda não havia sido dado e a torcida do Azulão já se esganiçava: “É campeão! É campeão!”. E aqui uma rápida observação deste cronista: a torcida do Atlético Paranaense só soltou o grito de campeão após os 42 minutos do segundo tempo do segundo jogo, quando venciam por 5 x 2 no resultado agregado. Um título se decide nos detalhes. Detalhes como esse.

Só que os méritos do Furacão não ficaram restritos à humildade de sua incansável torcida – que canta o tempo todo, como se fanáticos do Boca Juniors fossem. Não, amigo leitor, o time atleticano tinha muito mais. Tinha o sóbrio e inspiradíssimo técnico Geninho. Tinha o melhor ataque do Brasil, que fechou o ano com exatos 100 gols. E, principalmente, tinha Alex Mineiro – o furibundo artilheiro das finais, que marcou oito gols nas últimas cinco partidas do campeonato. No seu gol de hoje, ele deu novas luzes à manjadíssima expressão popular que diz que “a bola procura o craque”. E aqui permito-me acrescentar: a bola procura o time que procura mais o gol. Ninguém procurou mais o gol em 2001 que o time do Atlético Paranaense e, portanto, nada mais justo que o título tenha ficado com essa equipe audaciosa, que deixou no rastro da conquista inédita uma lição para a Seleção Brasileira: o ataque ainda é uma aventura válida.

O clássico das cinderelas foi vencido pela que arriscou mais. E isso me fez notar que poucas vezes no futebol um apelido vestiu tão bem uma equipe como este: Furacão. Amigos, o Atlético foi puro vendaval. Impetuoso, veloz, fogoso, determinado, às vezes duro,ventou mil vendavais para cima dos adversários. Ventou do Norte, do Leste e do Oeste; ventou do Sudoeste e ventou do Sudeste; ventou também do Nordeste e do Noroeste. Mas sempre ventou mais forte do Sul – de onde vem sua bela e apaixonada torcida. Torcedores, técnico e jogadores atleticanos quiseram mais do que ninguém esse título. E quando todos os ventos e todos os sonhos sopram numa mesma direção, não há quem seja capaz de detê-los.

Num tempo de tantos heróis de mentira, conforta-me saber que ainda existem heróis de verdade. Alex Mineiro e seus companheiros bordaram para sempre uma estrela dourada na camisa rubro-negra do Atlético Paranaense. E vão encher de estrelas a noite de Natal dos torcedores do Furacão.


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